Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

DIREITO DA SAÚDE. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEOPLASIA MALGNA DO CÓLON DESCENDENTE. CETUXIMABE. TRF4. 5068246-19.2021.4.04.7100...

Data da publicação: 12/05/2023, 07:01:14

EMENTA: DIREITO DA SAÚDE. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEOPLASIA MALGNA DO CÓLON DESCENDENTE. CETUXIMABE. 1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 2. Quadro fático apto a demonstrar que o remédio é indispensável, não havendo alternativas terapêuticas disponíveis na rede pública. (TRF4, AC 5068246-19.2021.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 04/05/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5068246-19.2021.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

APELANTE: TANIA MARGARETE SORTICA DE FREITAS (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pela autora de sentença que julgou improcedente o pedido de fornecimento do medicamento cetuximabe.

A apelante alega que é portadora de neoplasia do cólon desde 2018. Relata que já realizou quimioterapia e radioterapia, além de ter sido submetida a procedimentos cirúrgicos. Admite que, atualmente, realiza quimioterapia paliativa (esquema FOLFIRI), à qual deve ser associado o medicamento cetuximabe. Sustenta que, ao negar o medicamento necessário para preservar sua vida, a sentença violou o princípio da dignidade humana. Frisa que foram esgotadas as alternativas terapêuticas disponíveis no SUS.

Com contrarrazões.

O Ministério Púbico Federal opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Considerações gerais sobre o direito à saúde

A questão relativa ao direito fundamental à saúde diante da ordem constitucional vigente e o dever de fornecimento de medicamentos e outras prestações dessa natureza pelo poder público, inclusive através de ações judiciais, é tema absolutamente consolidado e unânime na jurisprudência dos tribunais superiores (STF, STA 175 AgR, Relator Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, julgado em 17/03/2010). Os limites da intervenção judicial sobre políticas públicas de saúde efetivamente existentes, porém, é tema ainda em construção.

Acerca da "reserva do possível", por exemplo, o entendimento é de que ela não justifica, por si só, o descumprimento dos deveres constitucionais impostos ao Poder Público, inclusive no que diz respeito ao direito à saúde. Nesse exato sentido, aliás, a posição do Supremo Tribunal Federal:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Deveras, a alegação de "reserva do possível" apenas é legítima quando se demonstra, mediante elementos concretos e objetivamente aferíveis, a absoluta impossibilidade financeira no que tange ao cumprimento da prestação estatal exigida pela Constituição.

Efetivamente, ainda não houve solução no Supremo Tribunal Federal sobre a vedação ou não de entrega de medicamentos de alto custo (RE 566471). Contudo, em julgamento recente, foi considerado que a imprescindibilidade e ausência de alternativas terapêuticas teriam prevalência sobre o critério econômico. Confira-se:

CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO EXCEPCIONAL DE MEDICAMENTO SEM REGISTRO NA ANVISA, MAS COM IMPORTAÇÃO AUTORIZADA PELA AGÊNCIA. POSSIBILIDADE DESDE QUE HAJA COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIENCIA ECONÔMICA. DESPROVIMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. 1.Em regra, o Poder Público não pode ser obrigado, por decisão judicial, a fornecer medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), tendo em vista que o registro representa medida necessária para assegurar que o fármaco é seguro, eficaz e de qualidade. 2.Possibilidade, em caráter de excepcionalidade, de fornecimento gratuito do Medicamento “Hemp Oil Paste RSHO”, à base de canabidiol, sem registro na ANVISA, mas com importação autorizada por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde, desde que demonstrada a hipossuficiência econômica do requerente. 3.Excepcionalidade na assistência terapêutica gratuita pelo Poder Público, presentes os requisitos apontados pelo Plenário do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sob a sistemática da repercussão geral: RE 566.471 (Tema 6) e RE 657.718 (Tema 500). 4. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral para o Tema 1161: "Cabe ao Estado fornecer, em termos excepcionais, medicamento que, embora não possua registro na ANVISA, tem a sua importação autorizada pela agência de vigilância sanitária, desde que comprovada a incapacidade econômica do paciente, a imprescindibilidade clínica do tratamento, e a impossibilidade de substituição por outro similar constante das listas oficiais de dispensação de medicamentos e os protocolos de intervenção terapêutica do SUS” (RE 1165959, Relator(a): MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 21/06/2021)

Ainda sobre o tema, o Ministro Presidente determinou o fornecimento do medicamento Zolgensma a uma criança portadora de Amiotrofia Muscular Espinhal Tipo 2 (AME), considerado um remédio de elevadíssimo valor. Colhe-se da decisão o seguinte trecho:

Ademais, não se deve olvidar que a ordem constitucional vigente, em seu artigo 196, consagra o direito à saúde como dever do Estado, que deverá, por meio de políticas sociais e econômicas, propiciar aos necessitados tratamentos eficazes, capazes de lhes garantir maior dignidade e menor sofrimento. Deveras, na complexa ponderação entre, de um lado, os importantes argumentos de ordem financeira, e, de outro, a concretização do direito de acesso à saúde, não se pode desconsiderar a relevância do direito à vida, para cuja garantia devem todos os cidadãos ser incentivados a cooperar. Eis a máxima da justiça social preconizada pela Constituição de 1988, calcada nos valores de solidariedade tão caros à sociedade brasileira ( STP 803 MC, Rel. Min Luiz Fux, julgamento em 17/07/2021).

A avaliação econômica, relativa ao custo-efetividade de uma certa tecnologia, é requisito para a incorporação de um medicamento no Sistema Único de Saúde (art. 19-Q, Lei 8080/90). Trata-se, pois, de uma condicionante para a adoção de uma certa política pública em caráter geral e abstrato, idônea à concretização dos objetivos constitucionais do SUS, em especial o atendimento integral (art. 198, CF/88).

O custo-efetividade não é um requisito para a concretização do direito fundamental à saúde enquanto direito individual sindicável perante o Poder Judiciário (art. 6º c/c art. 196, CF/88). Do contrário, bastaria ao administrador adotar uma postura de desinvestimento para negar vigência ao comando constitucional o que, em última análise, esvaziaria até a função jurisdicional. Não é a lei que se interpreta a partir da Constituição; mas a Constituição que irradia efeitos vinculantes para a formação da lei para a sua concretização pelo administrador público.

Nessa linha, aliás, a 6ª Turma já decidiu que "o custo-efetividade, relacionado com a viabilidade ou não de incorporação no SUS, não afasta a imprescindibilidade do medicamento confirmada pelas evidências científicas favoráveis" (TRF4 5001688-72.2020.4.04.7109, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 07/10/2021).

Não é por outra razão que a Constituição estabeleceu patamares mínimos de alocação financeira para políticas de saúde (art. 198, §2º, CF/88). Vale mencionar que está pendente de julgamento no Supremo, ação de inconstitucionalidade contra dispositivos que reduziram o financiamento da saúde como um todo (ADI 5595, Rel. Min Ricardo Lewandowski). Com a Emenda Constitucional 95/2016, houve uma redução ainda mais drástica.

No aspecto financeiro, não há dúvida entre os especialistas de que os entes políticos descumprem, por ação e omissão, o dever de financiamento adequado das ações de saúde. Como exemplo, confira-se:

Vale lembrar que o piso da saúde não pode ser sujeito a contingenciamento (art. 9º, §2º da LRF e art. 28 da LC 141/2012), ainda que sob a falseada sujeição à programação financeira (art. 8º da LRF). Mas a União tem feito isso, desde o advento da EC 29/2000, nos seus decretos de programação financeira22, por meio da previsão de limites de pagamento para as despesas em ações e serviços públicos de saúde (mesmo aqui já incluídos os restos a pagar) substancialmente inferiores aos limites de empenho. Ou seja, a regra da execução orçamentária federal sempre tem previsto o adiamento intertemporal da quitação das obrigações da União para com o piso do exercício financeiro em vigor e também com o elevado saldo de restos a pagar, em uma espécie de precatorização do gasto mínimo em saúde (é devido, mas fica adiado sine die).(PINTO, Élida Graziane. Estado de Coisas Inconstitucional na política pública de saúde brasileira. Rio de Janeiro: CEE-Fiocruz; 2017).

Não se pode perder de vista, portanto, que existe uma violação subjacente à Constituição traduzida nas escolhas orçamentárias e financeiras dos entes políticos. Mesmo durante a pandemia do novo coronavírus (Covid-19), relatório do Tribunal de Contas da União concluiu que a União deixa de executar expressivas quantias que, disponíveis, não se tornam políticas de saúde (TCU, TC 014.575/2020-5, Rel Benjamin Zymler). É dizer, ao mesmo tempo que a União se queixa dos elevados gastos com a judicialização da saúde, o Governo Federal deixa de aplicar recursos efetivamente disponíveis para o SUS.

É nesse contexto que devem ser considerados os argumentos relativos a eventuais limitações financeiras para a concessão de tecnologias não incluídas no SUS. Os recursos para a saúde são finitos. Não há dúvida disso. Contudo, enquanto subsistir uma postura de desatendimento ao texto constitucional, que predeterminou patamares adequados para o custeio da saúde do povo brasileiro, alegações genéricas de escassez de recursos não podem ser aceitas.

A constante argumentação ad terrorem da União de que faltariam recursos para outras políticas de saúde, comprometendo a vida de outros e o sistema como um todo, colide frontalmente com os dados da execução orçamentária dos anos recentes. Além disso, há inúmeras propostas de gestão para incrementar o financiamento da saúde (vide: FUNCIA, Francisco Rózsa. Subfinanciamento e orçamento federal do SUS: referências preliminares para a alocação adicional de recursos. Revista Ciência & Saúde Coletiva, n.º 24, dez., 2019). Guardadas as devidas proporções, nas ações judiciais que envolvem direito à saúde, há quase um venire contra factum proprium por parte dos entes públicos.

O elevado custo de um tratamento não impede a concessão judicial da tutela pleiteada e isso, de modo algum, infirma o dever de considerar as consequências práticas da decisão (art. 20, DL 4657/42). A premissa norteadora do consequencialismo é que "a sua incidência só pode surgir como consequência lógica de uma ilegalidade ou inconstitucionalidade. O consequencialismo isoladamente não pode transformar o lícito em ilícito ou vice-versa. O consequencialismo é uma calibração daquilo que ficou definido em termos jurídicos. É o dever de o juiz olhar para o futuro antes de concluir seu julgamento" (ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 4. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, p. 351). Essa é a única forma de se admitir um consequencialismo que impeça o julgador de adaptar a lei ao que considera pessoalmente adequado e consagrar a manutenção da autonomia do direito frente a outros ramos.

O Supremo indica caminhar nesse sentido, já que fez prevalecer o direito à saúde em detrimento dos argumentos econômicos na acima citada STP 803 MC, Rel. Min Luiz Fux.

Descabe, portanto, reduzir a experiência decisória a um mero funcionalismo econômico, sob pena de a jurisdição se tornar uma função administrativa, submissa a um sistema diverso, político ou econômico (CASTANHEIRA NEVES, Antonio. Entre o “legislador”, a “sociedade” e o “juiz” ou entre “sistema”, “função” e “problema”: os modelos actualmente alternativos da realização jurisdicional do direito. In: Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Vol. LXXIV. Coimbra: Separata, p. 31).

Em arremate, diferente do que consta na decisão atacada, não se pode estabelecer uma presunção contrária ao interesse do paciente, no sentido de que haveriam "brechas no sistema" empregadas pelo mercado farmacêutico para potencializar seus ganhos à custa do processo judicial. Caso realmente exista uma postura nesse sentido, ela deve ser apurada nas vias próprias e pelos atores jurídicos correspondentes. Em qualquer caso, seriam necessários sólidos elementos de prova nesse sentido.

Com isso, não há que se falar em impossibilidade de reconhecimento do direito à saúde pleiteado com base na genérica alegação de alto custo do tratamento.

Quanto à entrega propriamente, o Superior Tribunal de Justiça, por outro lado, em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). Quanto ao registro na ANVISA, posteriormente foi assentado que devem ser observados "os usos autorizados pela agência", o que afasta a possibilidade de fornecimento para uso "off label", salvo quando autorizado pela ANVISA (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018).

Nos casos de tratamento do câncer, deve ser ressaltada a existência de sistemática própria, na qual os medicamentos são fornecidos pelos estabelecimentos de saúde habilitados em oncologia (CACON/UNACON) e credenciados pelo SUS. Esses centros oferecem assistência especializada e integral ao paciente, cumprindo observar que são eles que padronizam, adquirem e prescrevem os medicamentos oncológicos.

Adicione-se que a circunstância de o medicamento ou tratamento ser prescrito por médico particular não é, por si só, motivo para excluir o paciente da assistência prestada pelo Poder Público (TRF4, AG 5033599-60.2018.4.04.0000, Sexta Turma, Relatora Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 23/11/2018).

Feitas essas considerações, passo ao exame do caso em litígio.

Análise do caso concreto

Tania Margarete Surtica de Freitas, atualmente com 52 anos de idade, é portadora de neoplasia maligna do cólon descendente (CID10 C18) diagnosticada em 2018. De acordo com o laudo médico anexado à inicial, há indicação, no estágio atual da doença, de tratamento paliativo com a associação de quimioterapia (esquema FOLFIRI) e cetuximabe, visto que análise imuno-histoquímica evidenciou o achado de RAS selvagem (origem, ev. 01 - laudo7).

A sentença julgou improcedente o pedido de fornecimento do medicamento (ev. 37), baseando-se, precipuamente, na conclusão desfavorável da Nota Técnica elaborada pelo Núcleo de Telessaúde da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ev. 17). Sendo assim, julgo oportuno transcrever a seguir a sua conclusão:

6.4 Conclusão técnica: desfavorável.

6.5 Justificativa:

No cenário clínico em questão, os estudos disponíveis na literatura mostram resultados pouco robustos para comprovação dos benefícios da tecnologia, com ganho marginal de sobrevida livre de progressão e incerteza sobre ganho de sobrevida global. Além disso, a tecnologia apresenta perfil de custo-efetividade desfavorável: análise econômica internacional não recomendou o tratamento em país de mais alta renda que o Brasil, e avaliação da CONITEC em outro contexto clínico mas da mesma patologia (como aditivo à quimioterapia de primeira linha em pacientes com CCRm) teve decisão de não incorporação ao SUS. Finalmente, a tecnologia apresenta alto impacto orçamentário e portanto o uso pode geral prejuízo indireto à população assistida pelo SUS.

Tenho que assiste razão à apelante.

De início, registro que não há controvérsia quanto à incapacidade financeira da apelante, visto que é beneficiária de auxílio-doença com renda mensal pouco superior ao salário mínimo (origem, ev. 01 - comp4). Além disso, é usuária do SUS e paciente oncológica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, entidade cadastrada como CACON (ev. 29 - atestmed3).

Conquanto não integre a RENAME e não faça parte de nenhum programa de Assistência Farmacêutica do SUS, o antineoplásico cetuximabe possui registro válido na ANVISA (disponível em <https://consultas.anvisa.gov.br/#/medicamentos/25351072816200418/?substancia=22914>, acesso em 04-04-23). Em bula, é indicado para tratamento de pacientes com câncer colorretal metastático RAS não mutado em combinação com quimioterapia à base de irinotecano ou com oxaliplatina mais 5-fluoruracila e ácido folínico em infusão contínua, sendo essa a exata situação da apelante. Não foi prescrito, portanto, tratamento experimental ou uso off label.

Em consulta à página da CONITEC, verifica-se que há Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Câncer de Cólon e Reto formuladas pelo Ministério da Saúde (disponível em <http://conitec.gov.br/images/Artigos_Publicacoes/ddt_Colorretal__26092014.pdf>, consulta em 04-04-23). Dela se extrai que a utilização do cetuximabe é uma das opções terapêuticas existentes para tratamento de câncer colorretal metastático:

(...)

5.1.2. CÂNCER DE RETO

(...)

5.2. QUIMIOTERAPIA

(...)

A quimioterapia paliativa está indicada para doentes com câncer colorretal recidivado inoperável ou com doença no estágio IV ao diagnóstico, a critério médico. Empregam-se esquemas terapêuticos baseados em fluoropirimidina, associada ou não a oxaliplatina, irinoteca no, mitomicina C, bevacizumabe, cetuximabe ou panitumumabe, observando-se características clínicas do doente e condutas adotadas no hospital.

(...)

Muitos esquemas de quimioterapia sistêmica podem ser usados com finalidade paliativa, contendo medicamentos tais como 5-fluorouracil, capecitabina, irinotecano, oxaliplatina, raltitrexede, bevacizumabe e cetuximabe, em monoterapia ou em associação, por até três linhas de tratamento. A seleção do tratamento deve considerar as características fisiológicas e capacidade funcional individuais, perfil de toxicidade, preferências do doente e protocolos terapêuticos institucionais.

Recomenda-se que a quimioterapia paliativa de 1 ª linha seja realizada para doentes com capacidade funcional 0, 1 ou 2 na escala de Zubrod. Quando medicamente possível, o tratamento deve ser feito com esquema contendo fluoropirimidina associada com oxaliplatina ou irinotecano[34 - 38]. Doentes em tratamento com esquema baseado em oxaliplatina, com benefício antitumoral, mas que apresentem neuropatia periférica sintomática, podem receber tratamento com 5-FU e ácido folínico como terapia de manutenção[39].

A adição de bevacizumabe à quimioterapia de 1ª linha com fluoropirimidina e oxaliplatina não resultou em benefício em termos de ganho de sobrevida para os doentes tratados em um estudo primário [40], em que pese análise de subgrupo posterior (doentes maiores de 65 anos), não planejada antes do experimento, e meta-análise de estudos negativos sugerirem o contrário[41,42]. Com esquemas contendo irinotecano, recomenda-se a associação com fluoropirimidina por infusão prolongada ou em formulação oral. Não há demonstração de vantagem em termos de ganho de sobrevida para a adição de bevacizumabe à quimioterapia de 1ª linha com fluoropirimidina infusional e irinotecano. O uso do bevacizumabe associa-se a um maior risco de perfuração intestinal, sangramento e isquemia cardíaca[41,43,44].

Recomenda-se que a quimioterapia paliativa de 2ª linha ou 3ª linha sejam realizadas apenas para doentes com capacidade funcional 0 ou 1 na escala de Zubrod, pois não há evidência científica de que o tratamento antineoplásico paliativo seja seguro ou eficaz para doentes com capacidade funcional 2. O esquema quimioterápico deve ser selecionado segundo o esquema usado anteriormente e o perfil de segurança e eficácia então observados[45 - 47].

Segue-se que a CONITEC igualmente considerou que o procedimento APAC de tratamento do câncer de cólon e reto não inviabiliza o uso do medicamento no âmbito do SUS:

O plenário da CONITEC esclareceu a dinâmica do tratamento oncológico, onde oprocedimento APAC de tratamento do câncer de cólon e reto não inviabiliza o uso do medicamento cetuximabe por pacientes no âmbito do SUS. O esquema de tratamento deve ser definido pelo médico em conjunto com o paciente, conforme protocolo do serviço de saúde assistencial. O valor de reembolso será o valor proposto para as APACs disponíveis para o tratamento do CCRm. Não há a necessidade de criação de um novo procedimento APAC específico para a incorporação do cetuximabe em associação com os esquemas quimioterápicos utilizados no SUS para o tratamento do câncer colorretal metastático RAS selvagem com doença limitada ao fígado em primeira linha de tratamento. (disponível em: http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_Cetuximabe_CAColorretal_Metastatico.pdf)

Sobre a ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde, o médico assistente esclarece que todos os procedimentos adotados até o momento foram realizados de acordo com protocolos disponibilizados pelo SUS. Em 2018, quando a doença foi diagnosticada, a apelante realizou tratamento neoadjuvante (quimioterapia oral com capecitabina + radioterapia) e cirúrgico (retossigmoidectomia e transversotomia protetora). Depois disso, ainda realizou quimioterapia adjuvante (quatro ciclos do protocolo FOLFOX). Apresentou recidiva pélvica em 2021, quando passou por novo e complexo procedimento cirúrgico, não tendo sido possível, contudo, a ressecção de toda a lesão tumoral. Quando a demanda foi ajuizada, a apelante recuperava-se da segunda cirurgia e realizava quimioterapia paliativa com FOLFIRI (ev. 01 - laudo7). Laudo médico mais recente, confirma os benefícios da associação de cetuximabe a esse esquema, enfatizando que o atraso do início do tratamento aumenta a chance de progressão da doença e óbito (ev 47 - out2).

Cumpre destacar, nesse ponto, que não há padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos, no caso do câncer, de forma que a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente que esteja recebendo seu tratamento no local fica ao encargo dos médicos que integram a Rede de Atenção Oncológica, com exceções de casos pontuais que apresentam portarias específicas.

Considerando que o tratamento foi prescrito por profissional vinculado a CACON, que há estudos demonstrando que o medicamento é capaz de promover maior taxa de resposta e proporcionar maior sobrevida, que as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Câncer de Cólon e Reto referem que a associação de cetuximabe ao protocolo FOLFIRI pode trazer benefícios para apelante, a entrega do medicamento torna-se recomendável.

Nessa linha, colhe-se da jurisprudência deste Tribunal:

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO AO SUS. TEMA 106 DO STJ. CETUXIMABE. CÂNCER DE CÓLON. NECESSIDADE COMPROVADA. CONCESSÃO JUDICIAL. CABIMENTO. 1. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 2. In casu, o órgão de assessoramento do juízo em matéria de saúde chancelou a prescrição da profissional assistente, assentando a necessidade de utilização do fármaco pela autora, sobretudo porque, de acordo com as evidências científicas, é pertinente a adição de CETUXIMABE ao protocolo FOLFOX, em face da diferença significativa na taxa de resposta geral, sobrevida livre de progressão e sobrevida global em relação ao FOLFOX isolado. (AC Nº 5000421-59.2020.4.04.7208, NONA TURMA, Rel. Des. Federal CELSO KIPPER, juntado aos autos em 04/08/22)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. CETUXIMABE. TRATAMENTO DE NEOPLASIA MALIGNA DE CÓLON. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. POSSIBILIDADE. ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. As normas relativas ao direito à saúde devem ser analisadas e interpretadas de forma sistêmica, visando à máxima abrangência e ao amplo acesso aos direitos sociais fundamentais. 2. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira de pessoa estatal. 3. Em sessão plenária de 17/03/2010, no Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175, o STF fixou os seguintes parâmetros para a solução das demandas que envolvem o direito à saúde: a) inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; d) a não configuração de tratamento experimental. 4. Mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o REsp nº 1.657.156, definiu os critérios para fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, exigindo, para tanto, a presença cumulativa dos seguintes requisitos: 1) comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2) incapacidade financeira de arcar com o custo de medicamento prescrito; e 3) existência de registro na Anvisa do medicamento. 5. CASO CONCRETO. Considerando tratar-se de medicamento com comprovada imprescindibilidade e adequação ao caso concreto, a parte faz jus ao seu fornecimento pelo Poder Público. 6. Ademais, hipótese em que, demonstrada a imprescindibilidade do tratamento postulado, o qual já teve início, é devida a dispensação judicial do medicamento demandado, sobretudo pela observância do princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que não seria razoável a suspensão do tratamento nesta fase, salvo comprovada ineficácia. 7. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro. 8. Nesse contexto, deve ser reconhecido que a União é a responsável financeira pelo custeio de tratamentos de alto custo, nada obstante o medicamento e o serviço médico sejam exigíveis solidariamente contra o Estado e a União. No entanto, reconhecida a solidariedade entre os réus, nada impede que o magistrado busque o cumprimento da tutela de um dos responsáveis. Cumpre referir, por fim, que eventual acerto de contas que se fizer necessário, deverá ocorrer na esfera administrativa. 9. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Os honorários advocatícios, conforme recente entendimento adotado nesta Turma Suplementar do Paraná, no julgamento da AC nº 5009152-59.2015.404.7001/PR, em demandas que tratam da prestação de serviços à saúde, cujo valor é inestimável, devem ser fixados no patamar entre R$ 3.000,00 (três mil reais) e R$ 5.000,00 (cinco mil reais), dependendo da complexidade da causa, devidamente corrigidos, em atenção ao parágrafo 8º do artigo 85 do Código de Processo Civil. (AC nº 5002716-50.2021.4.04.7009, Turma Regional Suplementar DO PR, Rel. Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 01/06/2022)

PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. CETUXIMABE. 3ª LINHA DE TRATAMENTO ONCOLÓGICO. ESTÁGIO IV. KRAS/NRAS SELVAGEM. VANTAGEM TERAPÊUTICA EVIDENCIADA. 1. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do Sistema Único de Saúde (SUS) deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento, similar ou genérico, oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inviabilidade, em cada caso, devido a particularidades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento para a moléstia especificada; (c) a sua aprovação pela ANVISA; e (d) a não-configuração de tratamento experimental. 2. É possível o fornecimento de medicação oncológica prescrita por médico vinculado a CACON/UNACON, em cujo âmbito é prestado atendimento pelo SUS, uma vez que seja evidenciada a sua vantagem terapêutica, e desde que demonstrado o esgotamento ou a ineficácia dos tratamentos disponibilizados na rede pública de saúde. (AG 5017566-87.2021.4.04.0000, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, juntado aos autos em 09/08/2021)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. NEOPLASIA MALIGNA DE CÓLON. CETUXIMABE. 1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 2. Quadro fático apto a demonstrar que o remédio é indispensável, justificando a tutela provisória. 3. Agravo de instrumento ao qual se dá provimento. (AG nº 5012456-10.2021.4.04.0000, Sexta Turma, feito de minah relatoria, juntado aos autos em 17/06/2021)

Em síntese, a despeito da conclusão desfavorável da Nota Técnica, considero que estão preenchidos os requisitos para que o antineoplásico cetuximabe seja entregue pela via judicial na exata forma em que definido em tese representativa de controvérsia (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018).

Medidas de contracautela

Nos casos de dispensação de medicamentos por tempo indeterminado, a adoção de medidas de contracautela é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Nesse contexto, fixo, inicialmente, as seguintes medidas, que poderão ser amplicadas, caso necessário:

(a) apresentação de laudo médico atualizado a cada seis meses, a fim de demonstrar a continuidade da necessidade de uso do fármaco; e (b) obrigação de devolução da medicação não utilizada, no prazo de quarenta e oito horas, em caso de cessação de seu uso, junto ao órgão público.

Responsabilidade administrativa e financeira

Apesar de existir responsabilidade solidária no âmbito do direito à saúde, conforme já destacado, o STF definiu que caberá ao órgão judicial promover um um direcionamento preferencial a quem tem a competência constitucional e legal para atuar, determinando-se, em qualquer caso o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro dessas providências (STF, RE 855.178 ED, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 23/05/2019).

Acerca da responsabilidade administrativa, a Lei n.º 8.080/90 prevê uma organização “regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente” (art. 8º) e dispõe que a União tem competência expressa para a descentralização dos serviços de saúde de abrangência estadual para os Estados membros e os de abrangência municipal para os Municípios (art. 16, XV). Os Estados membros, por sua vez, podem descentralizar para os Municípios os serviços e as ações de saúde (art. 17, I), mas possuem o dever de atuar de forma supletiva nas ações descentralizadas (art. 17, II).

O Decreto n.º 7.508/11, que traz as regras gerais sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS), prevê que é atribuição das Comissões Intergestores pactuar "a organização e o funcionamento das ações e serviços de saúde integrados em redes de atenção à saúde” (art. 30). De igual modo, deverão ser observadas as diretrizes gerais diretamente estabelecidas pelo Ministério da Saúde, como, por exemplo, o Regulamento do Sistema Único de Saúde (Portaria n.º 2.048/09).

Diante desse amplo feixe normativo, o que se verifica é que, ao menos como diretriz geral, a competência administrativa para atender diretamente o cidadão, inclusive como porta de entrada para o sistema de saúde e com o fornecimento da ação, medicamento ou produto de saúde pleiteado é o Estado membro. Em algumas situações, tais atribuições são compartilhadas com os entes municipais e, muito raramente, a atribuição material é da União.

No caso dos autos, não se vislumbra hipótese que afaste a diretriz geral, de modo que, inclusive por questões operacionais, como o Estado membro já se encontra melhor aparelhado e próximo do cidadão através da sua estrutura de atendimento, é impositivo que a responsabilidade administrativa pelo cumprimento da ordem judicial seja inicialmente atribuída ao Estado membro.

Como, porém, subsiste a responsabilidade solidária, não há qualquer impedimento para que, na hipótese de cumprimento forçado da obrigação, sejam adotadas medidas executórias e sub-rogatórias contra os demais sujeitos que figurem no polo passivo da demanda, inclusive através do bloqueio de ativos financeiros ou outras técnicas semelhantes.

Acerca da responsabilidade financeira, é competência comum dos entes a destinação de recursos para políticas de saúde (art. 198, §1º, CF/88), com imposição constitucional quanto ao emprego de valores mínimos para o segmento (art. 198, §2º, CF/88). Atualmente, a matéria é detalhada na LC n.º 141/2012, sendo que os recursos da União são distribuídos conforme "as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde", com observância da Lei n.º 8.080/90 e da Constituição Federal (art. 17, LC n.º 141/12).

A grande maioria das responsabilidades financeiras são materialmente detalhadas no Regulamento do Sistema Único de Saúde (Portaria n.º 2.048/09). Assim, por exemplo, o custo financeiro pelos procedimentos de média complexidade é arcado pelo gestor estadual, mas com suporte do gestor federal (Portaria n.º 2.048/09, Anexo II, Capítulo I, item 9), enquanto o custo dos procedimento de alta complexidade cabe ao gestor federal, isto é, à União (Portaria n.º 2.048/09, Anexo II, Capítulo I, item 23). Em matéria de tratamento oncológico, cabe à União garantir o financiamento da política pública específica (art. 8º, II, Portaria n.º 876/13). Exige-se, portanto, acentuada participação federal.

A Lei n.º 8.080/90, por outro lado, atribui às Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite competência para decidir quanto aos aspectos financeiros das políticas de saúde (art. 14-A, parágrafo único, I, Lei n.º 8.080/90). Mas no contexto de aperfeiçoamento do SUS, é dever da União prestar cooperação financeira aos demais entes políticos (art. 16, XIII, Lei n.º 8.080/90), até porque o ente federal é o gestor de maior nível na hierarquia e descentralizada do Sistema Único de Saúde. Daí é possível concluir que, enquanto ausente uma diretriz objetiva sobre ações de saúde específicas, a responsabilidade pelo custeio é integralmente da União, isto até que haja pactuação em sentido diferente por meio das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite ou por meio de outras diretrizes do Ministério da Saúde.

No caso dos autos, consideradas as premissas acima levantadas, verifico que a responsabilidade financeira final deve ser atribuída integralmente à União, já que postulado tratamento oncológico.

Com isso, caso tenha havido, no curso da demanda, a imposição de medidas com custos financeiros a outros entes políticos, caberá à União o ressarcimento na via administrativa.

Honorários advocatícios

No contexto do direito à saúde, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região está pacificada no sentido de que o objeto do processo é bem inestimável, a saber, o direito à saúde (assim: AC 5053538-70.2021.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Relatora Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 08/06/2022; AC 5002521-87.2020.4.04.7207, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 19/05/2022).

Após as alterações da Lei n.º 14.356/22, a demanda continua considerada de conteúdo inestimável, justificando a aferição por apreciação equitativa (nesse sentido: STJ, AgInt no AREsp n. 1.923.626/SP, relator Ministro Manoel Erhardt, Desembargador Convocado do TRF5, Primeira Turma, julgado em 27/6/2022, DJe de 30/6/2022). Nessa esteira, a apuração deve ocorrer nos termos do art. 85, §8º, do CPC, atendidos os vetores tradicionais da legislação de regência, isto é, o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho realizado e o tempo exigido do profissional (art. 85, §2º, do CPC).

Por outro lado, exige-se a distribuição adequada das obrigações materiais e financeiras relativas à concretização do direito à saúde (Tema 793 do STF). A legislação processual, por sua vez, prevê que a sentença deverá distribuir a responsabilidade pelo pagamento das despesas e dos honorários entre os litisconsortes vencidos (art. 87, §1º, do CPC).

Assim, tenho por razoável o valor estipulado pelo juízo, de R$ 3.000,00 (três mil reais), cabendo apenas inverter o ônus pelo pagamento, que fica a cargo da União.

Considerando o trabalho adicional em grau recursal realizado, a importância e a complexidade da causa, nos termos do art. 85, §2.º e §11º do CPC, os honorários advocatícios, a serem suportados pro rata, devem ser majorados para que a faixa inicial seja acrescida em 50% do valor definido na sentença (art. 85, §3.º, I, CPC).

A questão relativa à possibilidade de majoração da verba honorária foi afetada pelo STJ à sistemática dos recursos repetitivos, sob o Tema 1059, tendo a controvérsia sido, inicialmente, assim delimitada:

"(Im) Possibilidade de majoração, em grau recursal, da verba honorária fixada em primeira instância contra o INSS quando o recurso da entidade previdenciária for provido em parte ou quando o Tribunal nega o recurso do INSS, mas altera de ofício a sentença apenas em relação aos consectários da condenação."

Posteriormente a questão submetida a julgamento foi alterada, passando a ter a seguinte redação:

"(im)possibilidade da majoração, em grau recursal, da verba honorária estabelecida na instância recorrida, quando o recurso for provido total ou parcialmente, ainda que em relação apenas aos consectários da condenação."

Da leitura do excerto transcrito percebe-se que estão abrangidos pelo tema delimitado todos os casos em que o Tribunal dá provimento ou parcial provimento ao recurso, seja em relação ao mérito, ou seja apenas em relação aos consectários legais.

Sendo hipótese de provimento do apelo, impõe-se a vinculação do caso ao precedente referido. Desse modo, a questão deve ser diferida para o momento posterior ao julgamento do mencionado paradigma, ocasião em que caberá ao Juízo da execução a aplicação da solução que vier a ser adotada.

Tutela específica

Considerado a eficácia imediata dos provimentos de segundo grau, determino ao Estado do Rio Grande do Sul o fornecimento da medicação nas doses e periodicidade indicadas na prescrição médica, cumprindo-lhes fornecer à parte autora o medicamento cetuximabe, na exata forma em que indicada pela prescrição médica.

O medicamento deve ser entregue no prazo de quinze dias. Se, por obstáculos de ordem administrativa, os réu perceberem que não conseguirão, no citado prazo, adquirir e entregar o citado fármaco, deverão depositar em juízo o valor correspondente à dosagem deferida.

O não cumprimento da medida ou a ausência de justificativa razoável para o cumprimento do prazo fixado implicará, independentemente de nova intimação, a incidência de multa diária estabelecida em R$ 100,00 (cem reais) por dia de descumprimento.

Ressalto que as medidas necessárias ao cumprimento da presente decisão deverão ser realizadas perante o primeiro grau de jurisdição, preferencialmente em autos apartados, podendo o magistrado, conforme o caso, ampliar tais medidas conforme a situação concreta dos autos vier a exigir.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003836339v15 e do código CRC f6c0fe9e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 4/5/2023, às 2:4:53


5068246-19.2021.4.04.7100
40003836339.V15


Conferência de autenticidade emitida em 12/05/2023 04:01:14.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5068246-19.2021.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

APELANTE: TANIA MARGARETE SORTICA DE FREITAS (AUTOR)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

EMENTA

DIREITO DA SAÚDE. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. neoplasia malgna do cólon descendente. cetuximabe.

1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de saúde; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). 2. Quadro fático apto a demonstrar que o remédio é indispensável, não havendo alternativas terapêuticas disponíveis na rede pública.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 03 de maio de 2023.



Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003836340v3 e do código CRC e4bb8dd0.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 4/5/2023, às 2:4:53


5068246-19.2021.4.04.7100
40003836340 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 12/05/2023 04:01:14.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 03/05/2023

Apelação Cível Nº 5068246-19.2021.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

PROCURADOR(A): CLAUDIO DUTRA FONTELLA

APELANTE: TANIA MARGARETE SORTICA DE FREITAS (AUTOR)

ADVOGADO(A): JANISSE BEATRIZ FERNANDES SCHIRMER (OAB RS053663)

ADVOGADO(A): CRISTIANO VARGAS BUCHOR (OAB RS113004)

ADVOGADO(A): MICHAEL SURTICA DE FREITAS (OAB RS088351)

APELADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

APELADO: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 03/05/2023, na sequência 40, disponibilizada no DE de 20/04/2023.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Juiz Federal PAULO PAIM DA SILVA

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 12/05/2023 04:01:14.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora