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CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE IGUALDADE. PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS. SINTOMATOLOGIA E CON...

Data da publicação: 30/06/2020, 21:11:17

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE IGUALDADE. PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS. SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. INCAPACIDADE LABORAL. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. DEFICIÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BENEFÍCIO ASSISTENCIAL). MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS. 1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença). 2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição. 3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento. 4. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida". 5. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades. 6. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS. 7. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício. 8. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a) intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d) manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais intermediários. 9. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não. 10. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto). 12. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado. 13. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88. 14. Os honorários advocatícios são devidos pelo ente previdenciário no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF. (TRF4, AC 0001094-48.2016.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 15/12/2016)


D.E.

Publicado em 16/12/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001094-48.2016.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE
:
CLEUSA MARIA DA SILVA CARDOSO
ADVOGADO
:
Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
(Os mesmos)
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ASSISTÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE IGUALDADE. PROTEÇÃO ANTIDISCRIMINATÓRIA. PESSOAS VIVENDO COM HIV/AIDS. SINTOMATOLOGIA E CONDIÇÃO ASSINTOMÁTICA. INCAPACIDADE LABORAL. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. DEFICIÊNCIA. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (BENEFÍCIO ASSISTENCIAL). MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição.
3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
4. A experiência de pessoa vivendo com HIV/AIDS requer avaliação quanto à presença de deficiência em virtude de problemas em funções corporais, que podem resultar, nos termos da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde), tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida".
5. Há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.
6. Do ponto de vista jurídico constitucional, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, e incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social, assim como estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.
7. A mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.
8. Necessidade de avaliação de outros fatores além da condição assintomática ou não, cuja presença pode importar em obstrução para participação igualitária na vida social, tais como: (a) intersecção com condição econômica e social; (b) intersecção com pertencimentos identitários que acarretam discriminação múltipla (como raça, etnia, orientação sexual e identidade de gênero); (c) qualidade da atenção em saúde acessível à pessoa vivendo com HIV/AIDS; (d) manifestações corporais diversas experimentadas, como lipodistrofias; (e) contexto social e cultural onde inserido o indivíduo, englobando, por exemplo, níveis de preconceito e discriminação, estrutura urbana, inserção e socialização em diversos grupos e corpos sociais intermediários.
9. Relevância de considerar-se a reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.
10. É necessário superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto).
12. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
13. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88.
14. Os honorários advocatícios são devidos pelo ente previdenciário no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, acolher em parte o apelo do INSS e dar provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator


Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8652268v5 e, se solicitado, do código CRC B45029C3.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Roger Raupp Rios
Data e Hora: 30/11/2016 17:39




APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001094-48.2016.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE
:
CLEUSA MARIA DA SILVA CARDOSO
ADVOGADO
:
Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
(Os mesmos)
RELATÓRIO
Trata-se de apelações do INSS e da parte autora e reexame necessário em face de sentença que julgou parcialmente procedente a pretensão originária para conceder à postulante o benefício de auxílio-doença durante o período de 01/09/2013 a 31/10/2014, com o pagamento, por parte do ente previdenciário, das parcelas em atraso, corrigidas com base no art. 1º da Lei nº 9.494/97 e honorários fixados em 20% sobre a condenação, e, à parte autora, as custas judiciais.
A parte autora sustenta ter sido devidamente comprovada nos autos a incapacidade laboral. Nesse sentido, pugna pela concessão do auxílio-doença desde a data da alta administrativa (20/02/2011) e sua respectiva conversão para aposentadoria por invalidez, com o pagamento das parcelas em atraso.
O INSS, por sua vez, aponta, em sede preambular, erro material na sentença quanto ao período do auxílio-doença. No mais, destaca a perda da qualidade de segurada em 16/04/2012; a necessidade de limitação do segundo período de auxílio-doença em 31/10/2013, bem como da diminuição dos honorários advocatícios para 10% sobre o valor da condenação.
Com contrarrazões, por força de recursos voluntários, vieram os autos conclusos.
A parte recorrente pugna por concessão de tutela antecipada para tramitação preferencial do processo e determinação de pagamento imediato do benefício, com imposição de multa diária por descumprimento de decisão judicial.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.
Dos requisitos para a concessão do benefício
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extrai-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
Da qualidade de segurado e do período de carência
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o art. 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o art. 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Prevê a LBPS que, decorrido o período de graça na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Cumpre destacar que no caso dos segurados especiais não há obrigatoriedade de preenchimento do requisito carência conforme acima referido, sendo necessária, porém, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua. Eis a disciplina do art. 39, da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (...)
Nestes casos, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Entretanto, embora o art. 106 da LBPS relacione os documentos aptos à comprovação da atividade rurícola, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos outros elementos idôneos.
Da comprovação da incapacidade laboral
Da comprovação da incapacidade laboral

1) Ponto de partida: modelo integrado biomédico e social da capacidade, incapacidade e deficiência

Como ponto de partida, é necessário firmar que a análise da capacidade/incapacidade e deficiência, desencadeada pela invocação de qualquer moléstia, deve adotar uma perspectiva social, valendo-se do modelo biopsicossocial.

A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).

Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o próximo passo é compreender o que é incapacidade enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e juridiciza.

Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.

Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social, política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e necessariamente social.

Postas essas premissas, tanto no quadro dos benefícios de incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), quanto no benefício de prestação continuada em virtude de deficiência, não há como afastar-se do modelo integrado.

Benefícios por incapacidade

Com efeito, não há como interpretar os artigos 42 (um corpo humano concreto, historicamente "considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência" - nas palavras da lei) e 59 da LBPS (um corpo humano concreto e histórico que "ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual" - igualmente na dicção legal) fora das coordenadas normativas constitucionais, fora da historicidade e da concretude.

Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade senão mediante a consideração conjunta da dimensão biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o trabalho ou atividade habitual.

Com efeito, o debate sobre benefícios por incapacidade pode ser lido, dentre tantas formas, pelo destaque de alguns momentos: (1) a constatação dos limites estritamente biomédicos, (2) o desafio da fundamentação pela invocação de causas supralegais e (3) a invocação de analogia ou interpretação extensiva com o modelo constitucional da deficiência. Diante dessa evolução, aqui se sustenta, como fundamento jurídico para o reconhecimento do direito a benefícios relativos à incapacidade, um conceito juridicamente correto e adequado de incapacidade (4).

Em um primeiro momento, apercebeu-se a inadequação da compreensão da incapacidade, numa perspectiva estritamente biomédica, como "impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, provocadas por doença ou acidente". Essa constatação levou à consideração de circunstâncias como idade e escolaridade do segurado (momento 2), denominadas nesse debate como "causas supralegais" (Rafael Machado de Oliveira, "Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário", disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/incapacidade-biopsicossocial-no-direito-previdenci%C3%A1rio, 31/08/2016).

Diante disso, num terceiro momento, invocou-se interpretação extensiva, assim como do recurso à analogia, como fundamentos para alcançar circunstâncias sociais que, em acréscimo à avaliação biomédica, levem eventualmente à conclusão pela proteção previdenciária por incapacidade (João Augusto Câmara da Silveira, "O conceito de incapacidade no âmbito do benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez", Revista Direito e Liberdade, disponível em http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/711/640, 31/08/2016).

Nesse sentido, a propósito, a elaboração doutrinária e jurisprudencial que, passo a passo, consolidam a noção de "invalidade social", atentando para as circunstâncias de cada caso (idade, tipo de incapacidade, escolaridade, profissão, potencial agravamento, possibilidade de tratamento, risco na permanência na atividade, dentre outros) e valendo-se inclusive em analogia à proteção jurídica da deficiência, terreno onde a chamada abordagem biopsicossocial é juridicamente expressa e obrigatória.

A argumentação que fundamenta este voto diferencia-se das posições acimas resumidas. Nelas, o elemento central para a constatação da incapacidade é o diagnóstico médico de doença ou acidente que impossibilita o exercício de atividade profissional. A dimensão social terá relevância e será considerada quando acrescer elementos em situações onde, "a priori", o diagnóstico biomédico, por si só, não gera convencimento pela incapacidade e, daí, a situação exige maior investigação.

Na compreensão do conceito de incapacidade ora proposta afirma-se que não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.

No modelo integrado da compreensão da incapacidade essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".

Dois exemplos deixam isso bem claro: a biografia conhecida de Stephen Hawking e a história da homossexualidade.

Hawking é uma celebridade científica e até midiática mundial. Não somente graças à sua persistência, mas em especial pelo acesso a tratamento e equipamentos adequados, esse físico lecionou por anos e hoje é diretor de pesquisa em Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da prestigiada Universidade de Cambridge, ostentando capacidade para a vida acadêmica profissional, com vasta produção contemporânea. Sua história é exemplo vivo de como a "impossibilidade de desempenho", mesmo diante de doença tão severa (esclerose lateral amiotrófica) não pode ser, por si só, dissociada do contexto social, conclusiva pela incapacidade. A dimensão social, portanto, é decisiva para avaliar a "impossibilidade para desempenho", elemento nuclear do conceito de incapacidade.

A homossexualidade, enquanto orientação sexual, até pouco tempo atrás, provocou diagnósticos onde a terapia era a internação compulsória (isso para não falar da insistência de alguns ainda hoje querem considerá-la doentia, ao ponto de defenderem recursos públicos para terapias de saúde "de conversão"). A mesma pessoa, com a mesma corporalidade e psiquismo, alguns anos atrás diagnosticada com grave distúrbio, estigmatizada até como ameaça à sociedadel hoje é considerada distante de qualquer patologia. A dimensão social, portanto, é decisiva não-somente para avaliar "a impossibilidade de desempenho", mas também para interpretar o outro elemento nuclear do conceito de incapacidade, qual seja, "impossibilidade de desempenho provocada por doença".

Assentar um modelo integrado de compreensão da incapacidade não significa colocar em questão todo e qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática, indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está (corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que garantam a subsistência.

Expostos esses fundamentos, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.

Acrescento mais alguns exemplos.

Hipótese nítida de aplicação do modelo integrado da incapacidade é a de mulher de idade avançada, com baixa escolaridade, impossibilitada fisicamente para serviços domésticos remunerados, em contexto social onde eventual tentativa de reabilitação ver-se-ia frustrada por crise no mercado de trabalho, associada ou não à carência de serviços públicos de educação. Como é fácil de ver, alegar que do ponto de vista médico tal segurada poderia desempenhar atividade escriturária seria desconhecer a abordagem biopsicossocial com prejuízo concreto e grave à segurada e frustração do dever constitucional de proteção social.

O mesmo se concluiria diante de alegação de capacidade para labor rural por segurada portadora de algumas limitações, à consideração de que as atividades rurais desempenhadas por mulheres são mais leves. O modelo social, ao revelar precisamente o contrário (a carga de trabalho rural feminino é mais pesada que a masculina), fornece conclusão oposta, vale dizer, pela presença de incapacidade.

O modelo integrado, ademais, abre espaço para concluir pela incapacidade em hipótese onde, apesar de parecer biomédico atestar taxativamente pela capacidade atual de segurado, as condições sociais concretas e disponíveis em que desempenha sua função acarretem, de modo previsível e plausível, dano efetivo à saúde, considerando o seu estado atual e as barreiras que enfrenta.

Por outro lado, o modelo social abre espaço para concluir pela capacidade para o trabalho sempre que, não obstante alguma limitação, o indivíduo tiver à sua disposição meios socialmente acessíveis, que lhe permitam desempenhar adequadamente e sem prejuízo à saúde as funções atinentes à sua ocupação.

Benefício de prestação continuada a pessoas com deficiência

Na mesma linha, a compreensão jurídica vigente da deficiência, tanto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.472/1993, com a redação da Lei nº 12.435/2011), como na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência), quanto na Lei Complementar nº 142/2013 (sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada no RGPS), adotam essa abordagem biopsicossocial, cujo fundamento maior se encontra na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com estatura constitucional.

Tanto num quadro (benefícios por incapacidade), quanto no outro (benefício de prestação continuada), isso implica adotar a compreensão desenvolvida na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), cujos termos incorporam os diversos elementos considerados pelo modelo integrado biopsicossocial, que abrange considerações biomédicas e sociais.

No quadro da CIF, reconhecida mundialmente como instrumento adequado para o desenvolvimento da legislação internacional e nacional em matéria de direitos sociais (ORGANIZAÇÃO PANAMERICANA DE SAÚDE E ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, "CIF: CLASSIFICAÇÃO INTERNACIONAL DE FUNCIONALIDADE, INCAPACIDADE E SÁUDE", São Paulo: Editora USP, 2008, p. 17), englobam-se os componentes relevantes para a saúde relacionados ao bem-etar em termos de domínios de saúde e de domínios relacionados à saúde, sendo esta efetivamente aplicável a todas as pessoas. Ela fornece uma descrição de situações relacionadas às funções do ser humano e suas restrições, de maneira integrada e acessível (p. 18).

Para o caso em apreço, onde se discutem restrições relacionadas à sorologia positiva para HIV, importa mencionar que são relevantes, no contexto da saúde, as funções dos corpos (funções fisiológicas dos sistemas orgânicos) e as estruturas dos corpos (partes anatômicas do corpo como órgãos, membros e componentes). Neste quadro definitório, deficiências são problemas nas funções ou nas estruturas do corpo como um desvio significativo ou uma perda (p. 21), desvio significativo este em face dos padrões populacionais geralmente aceitos no estado biomédico do corpo e de suas funções (p. 23).

Em situações envolvendo tal sorologia positiva, há sim, portanto, que se perquirir acerca da presença de deficiência em virtude de problemas nas funções corporais (em especial, nas funções do sistema imunológico), que podem inflingir ao indivíduo, nos termos da CIF, tanto limitações de atividade, quanto restrições de participação. Limitações de atividade são, nos termos da CIF, "dificuldades que um indivíduo pode encontrar na execução de atividades" e restrições de participação, por sua vez, são "problemas que um indivíduo pode enfrentar ao se envolver em situações de vida" (p. 21).

2) Benefício por incapacidade e benefício de prestação continuada a pessoa vivendo com HIV/AIDS: a assintomatologia, por si só, não define o reconhecimento ou não do direito

No modelo biopsicossocial, a avaliação biomédica que registra assintomatologia em segurado vivendo com HIV/AIDS, não tem como ignorar o preconceito e a discriminação presentes na vida em sociedade. Na mesma linha, não se pode apagar outras circunstâncias eventalmente presentes. A questão é verificar, no caso concreto, quais as possibilidades e os impedimentos que o indivíduo experimenta na vida em sociedade, que podem resultar em redução total ou parcial de capacidade para exercício de atividade laboral remunerada, como também impliquem restrição de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições.

Logo, há direito a benefício por incapacidade para pessoa vivendo com HIV, assintomática para AIDS, se o preconceito e a discriminação, associados a outros fatores, impedirem ou reduzirem o exercício de atividade laboral remunerada, como também ao benefício de prestação continuada, se este conjunto de fatores obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de oportunidades.

Desse modo, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social. No mesmo diapasão, estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

3) A epidemia de HIV/AIDS e modelo biopsicossocial no contexto brasileiro

Há vários elementos a serem considerados, portanto, na aplicação do modelo biopsicossocial para a avaliação da incapacidade laboral em matéria de benefícios previdenciários. No caso da epidemia de HIV/AIDS no Brasil, a enumeração de cada um deles e sua ponderação requer cuidado e humildade, dada a complexidade histórica de cada um e a multicausalidade fatorial inafastável para um juízo positivo ou negativo de capacidade laboral.

Nesse esforço, do exame da literatura científica e da atenção às experiências de indivíduos e grupos vivendo com HIV/AIDS, destaco o histórico das respostas brasileiras diante da epidemia e os processos de estigmatização.

Com efeito, é decisivo ter um panorama das respostas brasileiras diante da epidemia do HIV/AIDS. Isso porque é nesse contexto em que pessoas assintomáticas se inserem nos dias de hoje, momento cuja atualidade e compreensão não se produzem no vazio histórico.

Conforme indica a literatura especializada, podem ser arroladas 4 fases nessa trajetória. A primeira fase (1982-1983), desencadeada a partir dos primeiros casos, registrou o surgimento dos primeiros programas (no Estado de São Paulo) e organizações não-governamentais (GAPA - Grupo de Apoio e Prevenção à AIDS e ABIA - Associação Brasileira Interdisciplinar de AIDS); ela foi marcada por ampla negação estatal e onde de pânico moral, medo, estigma e discriminação, em especial por líderes religiosos. A segunda fase (1986-1990) tem seu início marcado pelo Programa Nacional de AIDS, com abordagem mais pragmática e técnica, com o surgimento de ONGs (GAPAs) pelo país. Com elas, cresceu a pressão por respostas mais solidárias e comunitárias (destacou-se a liderança de Herbert Daniel), baseadas em compromissos éticos e políticos, não restritas à abordagem tecnocrática. De 1990 a 1992, a terceira fase foi bastante turbulenta, surgindo um distanciamento entre a atividade estatal e a sociedade, caracterizando praticamente um antagonismo (administração Collor de Mello). A quarta fase (1992 a 1996), retomou o rumo de respostas colaborativas entre sociedade e Estado, contando inclusive com financiamento internacional. Todos esses momentos revelam, não por acaso, correspondência entre os desenvolvimentos da história política nacional e as respostas à epidemia (Richard Parker, "Construindo os alicerces para a resposta ao HIV/AIDS no Brasil: o desenvolvimento de políticas sobre o HIV/AIDS, 1982-1996", In: "Divulgação em Saúde para Debate", Rio de Janeiro: CEBES/ABIA/Mailman School of Public Health - Columbia University, n. 27, ago. 2003, p. 8-49).

Em 1996, é promulgada a Lei Federal nº 9.313, marco histórico para o acesso a antirretrovirais, estabelecendo acesso universal, inaugurando experiência mundialmente reconhecida de modo positivo. Esse avanço, todavia, começa a ser desafiado a partir dos anos 2000, em decorrência de pressões vindas de detentores internacionais de patentes farmacêuticas, cujo direito de propriedade comercial passa a ser tensionado por perspectivas de direitos humanos e do direito à saúde, resultando na Declaração de Doha sobre TRIPS e Saúde Pública, onde se admitiu o licenciamento compulsório para produção de medicamentos diante da epidemia.

No entanto, internamente, as respostas brasileiras verificaram fragilização desde 2006, em especial quanto à atenção primária em HIV/AIDS e ao apoio a iniciativas da sociedade civil, como registra Sonia Corrêa ("A resposta brasileira ao HIV e à AIDS em tempos tormentosos e incertos", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 7-16).

Como registram Fernando Seffner e Richard Parker ("A neoliberalização da prevenção do HIV e a resposta brasileira à AIDS", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 22-30), de 2003 a 2010, as respostas produziram-se no intrincado contexto em que lideranças da sociedade civil se integraram na máquina administrativa, com perda progessiva de autonomia da ONGs, que passaram a ser vistas mais como executoras de ações determinadas pelas políticas públicas, em apoio ao Estado.

Disputas comerciais, inclusive junto à OMC, colocaram então o desafio sanitário nacional da incorporação de medicamentos, marcando a trajetória das respostas à epidemia durante toda a década de 2010. Nesse período, o que predominou foram a opacidade, o conservadorismo e o tecnicismo em face da epidemia, fragilizando-se abordagens mais amplos, que envolveriam a promoção de direitos humanos, tanto na área da saúde, quanto em geral (Veriano Terto Jr., Felipe Carvalho, Pedro Villardi e Marcela Vieira, "A luta continua: avanços e retrocessos no acesso aos antirretrovirais no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 37 e seguintes).

Por fim, nesse rapidíssimo escorço histórico, os tempos atuais nas respostas à epidemia revelam o recrudescimento de forças conservadoras e disseminadoras de antigos estereótipos altamente negativos, bloqueando não somente medidas de prevenção e informação, como também a incorporação de novas alternativas sanitárias. O resultado disso é a tendência, verificada nos últimos anos, de reversão de redução e de crescimento da epidemia. Como alerta Alexandre Granjeiro, há indícios de que a epidemia está reemergindo e tende a atingir patamares mais elevados do que os observados nos últimos 30 anos ("Da estabilização à reemergência: os desafios para o enfrentamento da epidemia de HIV/AIDS no Brasil", In: "Mito vs Realidade: sobre a resposta brasileira à epidemia de HIV E AIDS em 2016", Rio de Janeiro: ABIA, 2016, p. 16-22).

A reemergência da epidemia, acompanhada da fragilização da participação da sociedade civil e das dificuldades enfrentadas pelo SUS, acrescida do recrudescimento de forças conservadoras e dissonantes do paradigma dos direitos humanos de soropositivos, alimentam significativamente os processos sociais de estigmatização de pessoas vivendo com HIV/AIDS, sejam assintomáticas ou não.

Essas as constatações da literatura especializada (Francisco Inácio Bastos, "Da persistência das metáforas: estigma e discriminação e HIV/AIDS", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013, p. 91-104), que registra especialmente como os processos de discriminação e estigma resultam de interações e dinâmicas sociais que articulam marcadores sociais de desigualdades, como classe, gênero, cor/raça/etnia, entre outros, além das características individuais dos sujeitos (Simone Monteiro, Wilza Villela, Carla Pereira e Priscilla Soares, "A produção acadêmica recente sobre estigma, discriminação, saúde e AIDS no Brasil", In: "Estigma e Saúde", org. Simone Monteiro e Wilza Villela, Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013 p. 62).

De fato, como ensina Veriano Terto Jr. ("La seropositividad AL VIH como identidad social y política en el Brasil", In: "Ciudadanía Sexual en América Latina: abriendo el debate", org. Carlos Cáceres e outros. Lima: Universidad Peruana Cayetano Heredia, 2004, p. 305-310), a epidemia reconceitualizou uma série de identidades sociais, dentre as quais a da pessoa soropositiva, passando a ser visto não somente como enfermo ou paciente, mas como sujeito que atua individual e coletivamente em face de vários contextos sociais e políticos.

Esses contextos são decisivos para as experiências e as respostas, que num ambiente de preconceito e discriminação foram inclusive percebidos como situações de morte civil (Herbert Daniel, "Vida antes da morte", RJ: Tipografia Jabuti, 1989). Tanto que, conforme apontam os estudos culturais, o soropositivo é assimilado mesmo à figura do monstro perigoso (e homossexual), como alerta Jeffrey Jerome Cohen ("A cultura dos monstros: sete teses", in: "Pedagogia dos monstros - os prazeres e os perigos da confusão de fronteiras / Jeffrey Jerome Cohen ; tradução de Tomaz Tadeu da Silva --- Belo Horizonte: Autêntica, 2000, p. 29):

"Tese: o monstro sempre escapa (soropositivo como perigoso) Bram Stoker's Dracula, de Francis Coppola, o subtexto homossexual presente desde a aparição da lésbica Lamia, de Sheridan Le Fanu (Carmilla, 1872), tal como os corpúsculos vermelhos que servem como o leitmotif do filme, sobe à superfície, primariamente como consciência da AIDS, transformando a doença do vampirismo em uma forma sádica (e muito medieval) de redenção por meio dos tormentos do corpo que sofre. Nenhuma coincidência, pois, que Coppola estivesse produzindo um documentário sobre a AIDS ao mesmo tempo em que ele estava trabalhando no Drácula."

4) A proteção previdenciária e o "dilema antidiscriminatório"

Um dado importante a ser considerado na decisão quanto à incapacidade laboral de pessoas assintomáticas vivendo com HIV/AIDS diz respeito às consequências da concessão de eventual benefício.

De fato, reconhecer o direito ao benefício pode ser uma necessidade diante de um risco social concreto e efetivo, eliminando ou ao menos reduzindo violações à vida digna do beneficiário. Ao mesmo tempo, pode alimentar processos sociais de estigmatização do indivíduo, seja pela identificação do beneficiário a um grupo discriminado, seja até mesmo por apartá-lo de certos ambientes sociais laborais, com potencial de integração e de colaboração sociais. Isso sem falar na violência simbólica e da injúria que podem resultar da combinação de estereótipos negativos contra beneficiários de direitos sociais ("vagabundos"; "pesos mortos para a sociedade") e preconceitos contra pessoas vivendo com HIV/AIDS ("seres perigosos" e degenerados por sua perversão e luxúria).

Em termos de políticas públicas e formulações jurídicas, estas possibilidades alertam para o chamado "dilema da diferença" (MINOW, Martha. Making All the Difference: Inclusion, Exclusion, and American Law Ithaca: Cornell University Press, 1990), que pode ser expresso em três versões e traduzido para a hipótese considerada em três versões:

a) primeira versão: a diferença pode ser recriada ao ser registrada ou ao ser ignorada (deferimento do benefício funcionando como marcador social de diferença sorológica ensejadora de discriminação);
b) segunda versão: a ambigüidade da neutralidade (indeferimento do benefício como desconsideração complacente com a discriminação vivida por sorologia);
c) terceira versão: a tomada de decisões baseadas em critérios formais, rígidos e universais (todo portador de HIV tem sempre direito ao benefício, independente de sintomatologia OU o portador assintomático, a princípio, não tem direito ao benefício) ou a abertura para decisões individualizadas, com maior grau de concretização.

Trata-se de três versões do mesmo fenômeno. Ao destacar-se a diferença para proteger contra discriminação, pode-se engendrar mais preconceito e discriminação (primeira versão; sobre esse ponto, ver HALLEY, Janet. The Politics of the Closet: legal articulation of sexual orientation identity. In: ENGLE, Karen (org.); DANIELSEN, Dan. After Identity. New York: Routledge, 1995). Permanecer inerte diante de uma realidade de discriminação, sob a ambiguidade da neutralidade, pode conduzir à cumplicidade discriminatória (segunda versão). A terceira versão do dilema acumula os riscos insítos às duas primeiras formulações: confiar em regras universais, formais e rígidas, tentando evitar mais diferenciação e preconceito, quedando-se neutro, ou permitir margens cada vez maiores de liberdade de decisão diante de cada caso, tentando afastar o perigo da cumplicidade com a discriminação, com o risco de alimentar o dilema em sua primeira versão.

Diante deste quadro, como desenvolver e aplicar a legislação previdenciária, em se tratando de condição assintomática de pessoa vivendo com HIV/AIDS?

Um caminho para evitar esse impasse envolve três passos, na esteira da referida Martha Minow ('Justice Engendered' Harvard Law Review - The Supreme Court, 1986 Term, nov. 1987): (a) considerar os pontos de vista que produzem a diferença; (b) avaliar as circunstâncias suspeitas de discriminação e (c) levar a sério as diferentes perspectivas.

Nessa trilha, o primeiro passo exige atentar que: (1) a diferença não é algo intrínseco, mas sempre relacional, socialmente construída (por mais que a sorologia positiva para HIV seja um diagnóstico biomédico e que a assintomatologia também, distinguir e discriminar indivíduos por tal condição é uma construção social relacional); (2) sempre existe um paradigma pressuposto quando se qualifica algo ou alguém como 'diferente', sendo necessário, portanto, explicitá-lo e discuti-lo (o indivíduo soronegativo, obviamente sem qualquer sintoma, torna-se o paradigma de comparação produtor do diferente); (3) na produção da diferença, tal paradigma representa somente um dos pontos de vista possíveis, devendo-se considerar outros pontos de vista (há que se considerar o ponto de vista, a experiência do soropositivo assintomático quanto à inserção laboral); (4) via de regra, toma-se o status quo como algo natural, espontâneo e legítimo, donde a corriqueira confusão entre inação e neutralidade e medidas corretivas e favorecimento ou privilégio.

O segundo passo requer levar a sério as circunstâncias suspeitas de discriminação (no caso, a presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV) levando em consideração o maior número possível de perspectivas e relativizando os paradigmas assentes, fazendo com que um maior número de alternativas se apresente. Deste procedimento, por si só, não brotam soluções acabadas; todavia, ele permite que algumas discriminações antes desapercebidas se tornem visíveis e alerta contra preconceitos antes inquestionados, desapercebidos ou menosprezados contra "os diferentes".

O terceiro e derradeiro passo amplia alternativas e respostas em face da abertura apresentada por essas perspectivas. Tudo, é claro, sem resvalar da aceitação da diversidade para uma atitude de "mútua indiferença", dominada pela passividade, que se manifesta pela omissão, pelo refúgio em modelos e categorias cristalizadas ou pela simples negação da realidade discriminatória. Este procedimento, considerado como um todo, torna a dinâmica do direito da antidiscriminação e do direito previdenciário mais apta a responder às intrincadas questões sobre igualdade e discriminação, evitando, na medida do possível, efeitos negativos do "dilema da diferença".

Na hipótese sob julgamento, tomar os cuidados que esse percurso propicia implica superar a naturalização do paradigma de comparação (soronegativo obviamente sem sintomas para HIV/AIDS) em face do "diferente" (soropositivo assintomático (primeiro passo); atentar para possíveis circunstâncias diversas daquelas vividas pelo paradigma de comparação (presença de discriminação no mercado de trabalho contra pessoas vivendo com HIV, independente de sintomatologia); por fim, ampliar o leque de respostas possíveis, uma vez informada a percepção pela perspectiva do "diferente" (eventual direito ao benefício, ainda que assintomático, dependendo do contexto).

Vale dizer, a mera invocação da assintomatologia de pessoas vivendo com HIV/AIDS é inadequada e insuficiente para fazer concluir necessariamente pelo indeferimento do benefício, assim como da pura menção quanto à existência de processos sociais de estigmatização não decorre imediatamente o direito ao benefício.

Assim se conclui não-somente em atenção ao modelo biopsicossocial da incapacidade e da deficiência, como também pela consciência do "dilema antidiscriminatório" que se apresenta caso a caso.

Análise do caso concreto

Retomando o acima aduzido, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.

Desse modo, não se trata de estabelecer uma relação direta entre sorologia positiva para HIV, ainda que sem sintomas, incapacidade laboral decorrente de estigma ou impedimento de longo prazo que, em interação com barreiras, obstrui participação igualitária na vida social. No mesmo diapasão, estar-se-ia incorrendo em equívoco simplesmente afirmando que, em si mesma, a ausência de sintomas relacionados ao HIV seja garantia de capacidade laboral ou de participação igualitária às pessoas vivendo com HIV/AIDS.

a) do apelo do INSS

Consoante anteriormente narrado no relato dos fatos, o INSS aponta, em sede preambular, erro material na sentença quanto ao período do auxílio-doença. Destaca, ainda, que a autora perdeu a qualidade de segurada em 16/04/2012. Alternativamente, pugna pela limitação do segundo período de auxílio-doença em 31/10/2013.
Quanto à alegação de erro material, verifica-se que no laudo pericial (fls. 84/87) foi registrada configuração da incapacidade entre 05/2010 e 02/2011 e de 09/2013 a 10/2013, sendo que até 02/2012 a autora obteve o mencionado benefício. Nesse contexto, na sentença de parcial procedência (fls. 117 e 117v.), restou acolhido, em parte o pedido da parte autora, no que concerne, portanto, ao período de 01/09/2013 a 31/10/2014. No entanto, verifica-se que na fundamentação do referido ato judicial foi consignado que: "(...) a autora faz jus a receber o auxílio-doença apenas nos meses de setembro a outubro/2013" (fl. 117).
Diante de tais considerações, tendo em conta, portanto, a inexistência de motivação no ato judicial recorrido referente à extensão do período mencionado no laudo pericial o ano de 2014, merece acolhimento a pretensão do ente previdenciário, devendo, por conseguinte, de pronto, ser sanada a apontada irregularidade.
Assim, determino a retificação do ato judicial impugnado, a fim de constar que a concessão do benefício de auxílio-doença refere-se ao período compreendido entre 01/09/2013 e 31/10/2013, segundo os dados constantes no laudo pericial.
No mais, embora relevante a argumentação recursal deduzida pelo INSS, necessário salientar, que, na hipótese, restou devidamente configurada a qualidade de segurada. Quanto ao ponto, denota-se que a doença, de natureza psiquiátrica, da autora, portadora do vírus HIV, que lhe ensejou a concessão do auxílio-doença anterior (F33.1), restabelecido no Juízo a quo, ainda que por determinado período, é a mesma constante no laudo pericial (fls. 84/87), que ancorou a parcial procedência da ação. Restou consignado na perícia que há instabilidade e sintomas depressivos desde a infância, havendo doença há cerca de 12 anos, tendo se configurado incapacidade entre 05/2010 e 02/2011 e de 09/2013 a 10/2013. Vários atestados médicos acostados aos autos (fls. 12, 14, 15, 16, 100, 101, 102, 113), havendo documentos com datas próximas à prolação da sentença, acabam por demonstrar que o quadro de saúde da autora constantemente revela-se debilitado.
Por conseguinte, no caso dos autos, evidentemente não é exigível o recolhimento das contribuições previdenciárias previsto em lei, no tocante à configuração da qualidade de segurada, consoante defendido pelo ente previdenciário. Impende acrescentar que, logo após a cessação do benefício, em 20/02/2011, a parte autora buscou a sua reimplantação, tendo, inclusive, ingressado com ação judicial em abril/2011, quando ainda detinha a qualidade de segurada. Logo, s considerações delineadas permitem, na espécie, concluir pelo improvimento do apelo do INSS quanto ao tópico.
Acolhida parcialmente, por conseguinte, a apelação do INSS, apenas para fins de correção do apontado erro material.

b) apelo da parte autora

De outro lado, em sua apelação, a parte autora sustenta ter sido devidamente comprovada nos autos a sua total incapacidade laboral. Nesse sentido, pugna pela concessão do auxílio-doença desde a data da alta administrativa (20/02/2011) e sua respectiva conversão para aposentadoria por invalidez, com o pagamento das parcelas em atraso.

Cumpre ressaltar, assim, que a patologia da autora, atestada em laudo, inviabiliza sua reinserção no mercado de trabalho. Assim, recomendável deferir-lhe a aposentadoria por invalidez, a contar da data do laudo pericial, em atenção ao entendimento consolidado nos tribunais pátrios no sentido de que não está o juiz jungido à literalidade do laudo pericial, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova. No contexto, deve ser mantido o restabelecimento do auxílio-doença até a data do laudo pericial, quando será promovida a conversão para o mencionado benefício de aposentadoria.

De fato, trata-se de pessoa com pouca instrução, de 49 anos, desempregada há 8 anos, com histórico laboral de trabalhadora doméstica e auxiliar de cozinha. Há registro de depressão e tentativas de suicídio.
No contexto, merece trânsito o inconformismo recursal da parte autora, devendo ser reformada, em parte, a sentença, mantendo-se, assim, o restabelecimento do auxílio-doença, que deverá, no entanto, vigorar a partir de sua cessação em 20/02/2011 até 31/10/2013 (data descrita no laudo pericial), quando haverá a sua conversão para o benefício de aposentadoria por invalidez, considerando que, de acordo com o laudo pericial e demais documentos médicos constantes nos autos, a patologia da recorrente já se fazia presente na concessão do benefício de auxílio-doença na via administrativa, causando-lhe, segundo entendimento jurisprudencial desta Corte, incapacidade para o labor. Em decorrência, deverão ser pagas as parcelas em atraso, observando-se a prescrição qüinqüenal.
Por conseguinte, resta acolhida a pretensão recursal da parte autora.
Correção Monetária e Juros de mora
Segundo o art. 491 do NCPC, "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso". Todavia, as recentes controvérsias acerca dos índices de correção monetária e juros de mora devidos pela Fazenda Pública, atualmente previstos na Lei n.º 11.960/2009, originadas após o julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária dos precatórios) pelo Supremo Tribunal Federal têm inviabilizado a aplicação do dispositivo. Isso porque ainda pende de julgamento o Recurso Extraordinário n.º 870.947 (tema 810), no qual a Suprema Corte irá decidir sobre a constitucionalidade dos índices também em relação aos momentos anteriores à expedição dos precatórios.
Nesse contexto, a controvérsia jurisprudencial a respeito do tema, de natureza acessória, tem impedido o trânsito em julgado das ações previdenciárias, considerando os recursos interpostos pelas partes aos Tribunais Superiores, fadados ao sobrestamento até que haja solução definitiva. Diante disso, as Turmas integrantes das 2ª e 3ª Seções desta Corte passaram a diferir para a fase de cumprimento do julgado a definição dos índices aplicáveis, os quais devem seguir a legislação vigente ao tempo de cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública. Tal sistemática já foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS n.º 14.741/DF, relator Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 15/10/2014. Assim, a conclusão da fase de conhecimento do litígio não deve ser obstada por discussão que envolve tema acessório, de aplicação pertinente justamente à execução do julgado, mormente quando existente significativa controvérsia judicial sobre a questão, pendente de solução pela Suprema Corte.
Sendo assim, fica diferida para a fase de cumprimento do julgado a estipulação dos índices de juros e correção monetária legalmente estabelecidos para cada período.
Implantação do benefício
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Custas no RS
Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Honorários advocatícios e periciais
Quanto ao ponto, merece provimento o apelo do INSS. Os honorários advocatícios são devidos pelo ente previdenciário no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
Conclusão
Resta parcialmente provido o apelo do INSS para a correção de erro material e no tocante à fixação dos honorários advocatícios. Acolhida a pretensão recursal da parte autora, determinando-se a concessão de auxílio-doença a partir de sua cessação (20/02/2011) até 31/10/2013, quando tal benefício deverá ser convertido em aposentadoria por invalidez, com imediata implantação.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por acolher em parte o apelo do INSS e dar provimento ao apelo da parte autora, nos termos da fundamentação.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001094-48.2016.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00037487620118210072
RELATOR
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE
:
Paulo Afonso Brum Vaz
PROCURADOR
:
Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva
SUSTENTAÇÃO ORAL
:
Presencial - DRA. JANE BERWANGER
APELANTE
:
CLEUSA MARIA DA SILVA CARDOSO
ADVOGADO
:
Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
(Os mesmos)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 1320, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU ACOLHER EM PARTE O APELO DO INSS E DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
VOTANTE(S)
:
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
:
Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
:
Des. Federal ROGERIO FAVRETO
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma


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