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CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. SEGURO INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDAS. TRF4. 5082533-55.2019.4.04.7100...

Data da publicação: 10/10/2021, 03:03:09

EMENTA: CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. SEGURO INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDAS. A análise da prova dos autos aponta que o autor não demonstrou a existência do fato constitutivo do seu direito (incapacidade total e permanente). De outro lado, a prova existente nos autos demonstra apenas a invalidez parcial e permanente do autor, não restando preenchidos portanto os requisitos para o acionamento da cobertura securitária. (TRF4, AC 5082533-55.2019.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 01/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5082533-55.2019.4.04.7100/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5082533-55.2019.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: ROSANA VINADE FERRAZ (AUTOR)

ADVOGADO: ISABEL TAMANCHIEVIZ ARGENTON (OAB RS110730)

ADVOGADO: ANDRE AZEVEDO DO NASCIMENTO RICCIARDI (OAB RS065507)

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença proferida em ação de indenização securitária, cujo dispositivo foi exarado nos seguintes termos:

3. Dispositivo.

Ante o exposto, afasto as preliminares suscitadas pelas Rés e, no mérito, julgo IMPROCEDENTES os pedidos vertidos na petição inicial, extinguindo a ação com julgamento do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Revogo os efeitos da antecipação de tutela concedida em parte.

Condeno a parte Autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios às Rés, Caixa Econômica Federal e Caixa Seguradora S/A, na proporção de 70% para a Caixa Seguradora e 30% para a Caixa Econômica Federal, os quais, considerando o disposto no § 4° do art. 20 do Código de Processo Civil, fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, atualizáveis monetariamente até a data do efetivo pagamento pelo IPCA-E. Suspensa a exigibilidade, contudo, enquanto perdurarem os motivos que ensejaram a concessão do benefício da Gratuidade da Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Transitada em julgado, certifique-se a secretaria e, nada mais sendo requerido, dê-se baixa.

Em suas razões, o autor alegou que não agiu com má-fé, sustentado que sua doença preenche os requisitos de invalidez permanente. Nesse contexto, requer a reforma da sentença.

Com contrarrazões, vierem os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O juiz a quo assim se posicionou quanto à controvérsia:

1. Relatório.

ROSANA VINADE FERRAZ, por seus procuradores, ajuizou ação em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e CAIXA SEGURADORA S/A objetivando, em síntese, a quitação do contrato de mútuo habitacional descrito na inicial em função da cobertura do seguro compreensivo em face de invalidez decorrente de cardiopatia isquêmica.

Narrou a parte Autora que, em 23 de maio de 2014, firmou com a Caixa “Instrumento Particular de Compra e Venda de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia ao SFH – Sistema Financeiro de Habitação”, o qual, como condição obrigatória, determinava a contratação de seguro “com cobertura, no mínimo, de MIP – Morte e Invalidez Permanente e DFI – Danos Físicos ao Imóvel”.

Declarou, nesse sentido, que foi contratada a Apólice nº 0106800000023, de emissão unilateral pela Caixa Seguradora S/A, tendo como estipulante e/ou beneficiária a CEF.

Relatou que, em dezembro de 2017, fora acometida das seguintes patologias: CID10 I21.4 - Infarto agudo subendocárdico do miocárdio; CID10 I25.9 - Doença isquêmica crônica do coração não especificada; CID10 E78.5 - Hiperlipidemia não especificada. Acrescentou, ainda, que, em decorrência das retrocitadas enfermidades, seu estado de saúde se agravou, levando-a à internação hospitalar, no período de 21/12/2017 a 15/01/2018 e 15/02/2018 a 04/03/2018.

Diante da constatação de incapacidade, portanto, asseverou que, em 22/08/2018, comunicou à Caixa Seguradora o Sinistro Habitacional nº 106100153423, para fins de acionamento da cobertura por invalidez permanente.

Aduziu que, sem qualquer retorno acerca da conclusão do processo de sinistro, em novembro de 2019, solicitou uma posição sobre o procedimento, oportunidade em que recebeu uma carta negativa, datada de 24 de abril de 2019. Ressalvou, porém, que, antes dessa data, não lhe havia sido dada ciência, face à ausência de comunicação, de que a cobertura securitária fora indeferida. Informou, ainda, que a existência de doença preexistente foi o que motivou a negativa.

Refutando, então, tal conclusão, a Autora declarou que as enfermidades passaram a se manifestar três anos após a assinatura do contrato e que, conforme declaração emitida pelo Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul, seu primeiro atendimento foi realizado em 2017.

Somado a isso, explicitou que o Departamento Municipal de Previdência dos servidores Públicos do Município de Porto Alegre certificou a sua isenção do Imposto de Renda a partir de agosto de 2018, data de consolidação das patologias, em razão de sua incapacidade.

Além disso, defendeu que a Seguradora, ao receber o pagamento do prêmio e concretizar o seguro sem exigir exames prévios, deveria responder pelo risco assumido, não podendo esquivar-se do pagamento da indenização sob a alegação de doença preexistente, salvo se comprovada a deliberada má-fé do segurado (o que não seria a hipótese dos autos).

Pugnou, ademais, pelo reconhecimento da incidência da legislação consumerista ao caso concreto e, bem assim, pela inversão do ônus da prova.

Asseverou, também, que as Rés seriam solidariamente responsáveis pela restituição dos encargos mensais pagos desde a ocorrência do sinistro (21/12/2017), porquanto faria jus à quitação do contrato de mútuo desde essa data.

Ao final, requereu: a) a concessão de tutela de urgência, voltada à suspensão imediata das cobranças referentes ao contrato de financiamento entabulado, até o julgamento final da lide; b) a concessão do benefício da Justiça Gratuita; c) a tramitação preferencial da ação, por tratar-se de pessoa idosa; d) a inversão do ônus da prova; e) a citação das Requeridas; e) a declaração de incidência da cobertura securitária por invalidez permanente, de modo a que a Caixa Seguradora S/A realize a quitação do saldo devedor vincendo do contrato junto à CEF; f) a baixa na hipoteca que onera o imóvel pela CEF; g) que as Rés sejam condenadas a restituir, solidariamente, os valores despendidos para pagamento das prestações mensais do financiamento, desde a data da ocorrência do sinistro (21/12/2017); h) a condenação das Requeridas ao pagamento de custas e honorários sucumbenciais; i) a produção de todos os meios de prova admitidos.

Instada a emendar a petição inicial, de modo a complementar a prova acerca dos requisitos ensejadores da concessão do benefício da Gratuidade da Justiça e da atual situação do contrato (ev. 4), cumpriu a parte Autora a determinação judicial, conforme documentos juntados ao evento 8.

Novamente intimada (ev. 10), a Requerente anexou ao processo documento de identificação pessoal e declaração de pobreza (ev. 13).

Decisão do evento 15, então, concedeu a AJG e a prioridade na tramitação do feito. Além disso, deferiu, em parte, o pedido antecipatório para o fim de determinar que a CEF se abstivesse de prosseguir com a execução extrajudicial do débito durante a pendência da ação, assegurando-se à Autora a manutenção na posse do imóvel.

A Caixa Econômica Federal, então, veio aos autos para comprovar o cumprimento da medida liminar, ressalvando, nessa linha, que havia uma parcela em atraso, relativa ao mês de janeiro de 2020.

Apresentou, também, a Instituição Financeira peça de defesa, conforme evento 26. Preliminarmente, arguiu a sua ilegitimidade passiva, sob o fundamento de que não seria a responsável por operacionalizar o seguro. No mérito, refutou os argumentos da Postulante e pugnou pela improcedência dos pedidos.

A Caixa Seguradora, por sua vez, apresentou contestação no evento 27. Preliminarmente, pugnou pela delimitação da lide e pela declaração de sua ilegitimidade passiva, uma vez que não teria responsabilidade sobre a restituição das parcelas pagas e execução do contrato de financiamento. Arguiu, ainda, questão prejudicial de mérito, relativa à prescrição. Quanto ao mérito, rebateu os fundamentos empreendidos na petição inicial, requerendo a improcedência da ação sob a alegação de doença preexistente e não informada pelo mutuário no momento da contratação. Juntou documentação.

Em seguida, manifestou-se a Caixa Seguradora, requerendo a realização de perícia médica (ev. 34).

Houve réplica (ev. 36).

Em atendimento ao pleito da Seguradora, a produção da prova pericial foi deferida pelo Juízo (ev. 40), tendo as partes, assim, apresentado os quesitos que entendiam pertinentes (ev. 47 e ev. 49).

Juntado laudo pericial ao evento 89 dos autos.

A Caixa Seguradora, então, manifestou-se no evento 101, arguindo, em síntese, a ausência de cobertura quando a incapacidade constatada é apenas parcial e a preexistência das patologias da Demandante.

Do mesmo modo, manifestou-se a parte Autora, defendendo que restaria comprovada a sua incapacidade permanente para o trabalho e dando ciência inequívoca de que a invalidez ocorreu após a assinatura do contrato.

A Caixa Econômica Federal, por sua vez, requereu sucessivas dilações de prazo para manifestação, até que, após inúmeras reiterações, foi o pedido indeferido pelo Juízo. Na mesma oportunidade, encerrou-se a instrução probatória (ev. 119).

Vieram os autos conclusos para prolação de sentença.

É o relatório do necessário. Decido.

2. Fundamentação.

Preliminares.

Da Legitimidade Passiva das Rés - Caixa Econômica Federal e Caixa Seguradora S/A.

Argumentou a Empresa Pública Federal que o seguro foi contratado junto à Caixa Seguradora S/A, razão pela qual não seria responsável pela sua operacionalização. Defendeu, nesse sentido, a sua ilegitimidade passiva para responder pela pretensão deduzida na petição inicial.

De outro lado, a Caixa Seguradora aduziu que é a CEF quem contrata o seguro para o mutuário, representando-o. Asseverou, assim, não assumir nenhuma posição de cobrança ou de contratação, sendo parte ilegítima para responder, portanto, no que toca aos aos pedidos voltados à restituição de valores já pagos.

Não assiste razão às Requerentes.

O contrato de financiamento habitacional e seu respectivo seguro, além de terem sido instituídos por intermédio de instrumento uno, apresentam imbricada relação jurídica que não permite cisão.

É dizer, o pedido de indenização decorrente da ocorrência de sinistro previsto na apólice compreensiva habitacional busca a quitação do saldo devedor da dívida, o que, evidentemente, instituiu o litisconsórcio passivo necessário entre companhia seguradora e agente financeiro.

Nesse sentido, colho jurisprudência do E.TRF4:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO - SFH. COBERTURA SECURITÁRIA. MORTE DO MUTUÁRIO. QUITAÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. CEF. CAIXA SEGUROS S/A. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. RECONHECIMENTO. AUTOS À ORIGEM. PRECEDENTES. . Por integrarem a relação jurídica objeto da demanda - quitação de contrato de financiamento imobiliário em razão de sinistro por morte do mutuário - a CEF e a Caixa Seguradora S/A detêm legitimidade passiva para integrar a lide; . Apelação provida para anular a sentença e reconhecer o litisconsórcio passivo necessário da CAIXA SEGUROS S/A e da CEF, nos termos do art. 47 do CPC, e fixar a competência da Justiça Federal, determinando o retorno dos autos à origem para intimação do litisconsórcio e novo julgamento. (TRF4, AC – Apelação Cível Processo nº 5017172-42.2015.404.7100/PR, Quarta Turma, Relator Sergio Renato Tejada Garcia, D.E. 25/02/2016).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. SFH. COBERTURA SECURITÁRIA. QUITAÇÃO POR INVALIDEZ. LEGITIMIDADE PASSIVA DO AGENTE FINANCEIRO E DA SEGURADORA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO. Nas ações em que se discute a cobertura securitária para quitação contratual de imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação em razão de invalidez do mutuário, há repercussão direta no financiamento, estando legitimados passivamente para a causa tanto o agente financeiro como a seguradora, configurando-se hipótese de litisconsórcio passivo necessário. (TRF4, AC 5022506-29.2012.404.7108, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 17/12/2015)

Diante do exposto, resta clarividente não haver que se falar em ilegitimidade passiva de nenhuma das Requeridas.

Nesses termos, afasto a prefacial.

Da Delimitação da Lide em face da Seguradora

Quanto ao ponto, vale registrar que, no que tange à responsabilidade de cada parte, há confusão com o próprio mérito da ação. Por conseguinte, quando do momento do seu enfrentamento, será com ele apreciado.

Prejudicial de Mérito - Prescrição

A parte Autora firmou com a CEF "Instrumento Particular de Venda e Compra de Imóvel, Mútuo e Alienação Fiduciária em Garantia no SFH - Sistema Financeiro da Habitação", em 23/05/2014 (evento 1, CONTR4). O referido contrato conta com o seguro obrigatório para casos de morte ou invalidez permanente (vide Cláusula 19), que, por sua vez, foi contratado junto à Caixa Seguradora S/A.

Outrossim, consignou a Requerente que apenas tomou conhecimento de suas patologias em dezembro de 2017, quando foi hospitalizada e diagnosticada com infarto agudo subendocárdico do miocárdio (CID10 I21.4); doença isquêmica crônica do coração não especificada (CID10 I25.9); e hiperlipidemia não especificada (CID10 E78.5). Relatou que, após esse período, foi hospitalizada, por mais de uma vez, no ano de 2018.

Por isso é que, diante dessa conjuntura, em 01/08/2018, a Requerente submeteu-se a exame pericial para fins de constatação da invalidez, junto ao Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Porto Alegre (ev. 1, PERICIA15), de modo a que lhe fosse concedida a isenção do imposto de renda. Tal isenção foi certificada, ressalte-se, considerando-se a Autora isenta, desde 05/01/2018 (ev. 1, OUT10). Por esta razão, defende que o dia da perícia marca a data em que passou a ter ciência inequívoca do sinistro - invalidez permanente.

A Demandante, então, entrou com pedido administrativo voltado à utilização do seguro para quitação do débito em 22/08/2018 (ev. 27, OUT5). Relatou, no entanto, que apenas teve ciência da negativa de cobertura securitária do contrato em novembro de 2019, em que pese lhe tenha sido enviado documento datado de 24/04/2019 (ev. 1, OUT7). Em razão disso, em 12/11/2019, foi interposta a presente demanda.

A Caixa Seguradora, em sua peça de defesa, indicou, como termo inicial para a contagem do prazo prescricional, o dia 21/12/2017 - data de ocorrência do sinistro. Considerando, então, que o sinistro fora comunicado à seguradora apenas em 22/08/2018, ou seja, oito meses após a ocorrência - quando, então, suspendeu-se o prazo prescricional -, e que o referido prazo voltou a correr em 24/04/2019 (quando emitido o Termo de Negativa de Cobertura), apontou a prescrição da pretensão, já que a ação foi ajuizada depois do prazo de um ano, em 12/11/2019.

Não assiste razão à Demandada, todavia, quanto à configuração da prescrição da pretensão autoral.

De início, no que concerne ao prazo, esclareço que este Magistrado, em muitos julgados, aplicou prazo prescricional diferenciado em casos congêneres, tendo em vista, essencialmente, o perfil diferenciado das apólices vinculadas aos contratos firmados no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação. Além disso, o seguro obrigatório tem como segurado o próprio agente financeiro, que verá seu direito creditício satisfeito na hipótese de ocorrência de algum dos sinistros declinados na apólice compreensiva habitacional. Ao mutuário são repassados os custos da operação mediante o pagamento dos prêmios ajustados, eis que ocupa a posição de beneficiário da avença. Eventual indenização securitária acarreta quitação proporcional das obrigações assumidas pelo devedor.

No entanto, atentando para as novas diretrizes impostas pela Lei Processual Civil e para a necessidade urgente de uniformização dos julgados, alinho-me ao entendimento reiterado, emanado das Cortes Superiores, em especial do Superior Tribunal de Justiça que, em 18/08/2017, publicou o entendimento quanto ao ponto em sua página virtual:

Prazo prescricional das ações do mutuário contra seguradora para cobertura de sinistro relacionado a contrato de mútuo do SFH – Para o STJ, às ações ajuizadas por segurado/beneficiário em desfavor de seguradora, visando à cobertura de sinistro referente a contrato de mútuo celebrado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação, aplica-se o prazo prescricional anual, nos termos do artigo 178, parágrafo 6º, II, do Código Civil de 1916, ou do artigo 206, parágrafo 1º, II, “b”, do CC/02. (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Dez-novos-temas-s%C3%A3o-destaque-na-Pesquisa-Pronta)

O entendimento foi reafirmado em 07/11/2017, com a publicação do entendimento através da ferramenta "Jurisprudência em Teses":

(...)

A outra estabelece que o prazo para o exercício da pretensão de cobrança da indenização contratada no seguro obrigatório habitacional é de um ano. O tema também foi analisado pela Quarta Turma no AgInt no AREsp 878.843, sob a relatoria do ministro Marco Buzzi. (http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/SFH-%C3%A9-tema-da-nova-edi%C3%A7%C3%A3o-de-Jurisprud%C3%AAncia-em-Teses)

Quanto ao prazo prescricional para o segurado requisitar sua garantia de cobertura à seguradora, portanto, regula o Código Civil:

Art. 206. Prescreve:

§ 1o Em um ano:

II - a pretensão do segurado contra o segurador, ou a deste contra aquele, contado o prazo:

a) para o segurado, no caso de seguro de responsabilidade civil, da data em que é citado para responder à ação de indenização proposta pelo terceiro prejudicado, ou da data que a este indeniza, com a anuência do segurador;

b) quanto aos demais seguros, da ciência do fato gerador da pretensão;

Embora o prazo não esteja estipulado expressamente no instrumento contratual, insta destacar que a prescrição é matéria de ordem pública, e os seus prazos não podem ser alterados por acordo das partes (artigo 192, do CC/02), não se prestando a alegação de desconhecimento da lei como argumento válido a afastar a incidência da norma.

Nessa linha, dois marcos devem ser observados: a data do sinistro versus a data em que segurado/beneficiário comunicou a Seguradora/Agente Financeiro; e a data em que foi comunicado do indeferimento versus a data do ajuizamento da ação.

Com efeito, o prazo prescricional decorrente de contrato de seguro tem início na data em que o segurado tem conhecimento inequívoco do sinistro. É o que se depreende, aliás, da leitura do Enunciado nº 278 da Súmula do STJ, que preleciona: "O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral."

Trazendo esta premissa para o caso concreto, de logo já se observa que não deve ser considerada a data do sinistro (21/12/2017) como data da ciência inequívoca da invalidez. Tanto é assim, que a Autora ainda foi hospitalizada outras vezes no ano de 2018, o que indica o agravamento de suas enfermidades. Foi toda essa conjuntura que culminou no pedido de isenção do imposto de renda, tendo sido a sua incapacidade atestada, finalmente, em 01/08/2018, após a realização de perícia pelo Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos de Porto Alegre. Claro é, dessa maneira, que este marco revela-se muito mais apropriado para a fixação do termo inicial para a contagem do prazo prescricional.

Ultrapassado este ponto, explique-se, ainda, que o prazo prescricional ânuo suspende-se entre a comunicação do sinistro à seguradora (portanto, 22/08/2018) e a data da ciência do segurado acerca da recusa do pagamento da indenização ou da cobertura, nos termos da do Enunciado nº 229 da Súmula 229 STJ: "O pedido do pagamento de indenização à seguradora suspende o prazo de prescrição até que o segurado tenha ciência da decisão."

Cabe à Seguradora, por seu turno, demonstrar a data em que comunicou o requerente do indeferimento.

Ora, no caso dos autos, é certo que a seguradora não se desincumbiu do ônus de comprovar a efetiva comunicação à parte Autora acerca do indeferimento da pretensão de cobertura securitária, na mesma data em que expedido o Termo de Negativa (24/04/2019). Em outras palavras, não há, nos autos, nenhum documento que comprove que o retrocitado termo foi enviado à Requerente, seja por carta com AR, seja por outra via que lhe permitisse conhecer da denegação do pagamento.

Por outro lado, informa a Requerente que apenas teve ciência da recusa em novembro de 2019, após ela mesma ter buscado a Seguradora Ré para obter retorno quanto ao seu procedimento administrativo, motivo pelo qual será esta a data considerada como termo final pelo Juízo, para fins de retorno da contagem do prazo prescricional após a suspensão. Ajuizada a ação, portanto, em 12/11/2019, não haveria que se falar em prescrição da pretensão autoral, porquanto não exaurido o prazo de um ano.

À parte disso, importa elucidar que coaduno com o entendimento jurisprudencial segundo o qual a invalidez da mutuária renova-se diariamente, de modo que eventual prescrição não atingiria o fundo do direito. Por esta razão, se a Autora, de fato, tivesse formulado requerimento administrativo para concessão da cobertura securitária mais de um ano após a constatação da invalidez - o que, ressalte-se, não é o caso, pelos motivos exposados supra -, ao meu ver, não seria o caso de afastar o seu direito à percepção do seguro.

Nesse sentido, já decidiu o E.TRF4:

DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO INTERNO. PRONUNCIAMENTO DO ÓRGÃO COLEGIADO. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. NÃO-OCORRÊNCIA. EVENTUAL NULIDADE SANADA. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. COBERTURA SECURITÁRIA. PRESCRIÇÃO. AGRAVO - INSUFICIENTE COMBATE AOS FUNDAMENTOS DECISÓRIOS. PREQUESTIONAMENTO. 1. Resta sanada qualquer má utilização da faculdade prevista no art. 557, caput, do CPC, quando a decisão monocrática do relator é confirmada pelo colegiado em sede de agravo interno. 2. A parte autora começou a perceber aposentadoria por invalidez em data de 15/10/2011; em data de 30/01/2013 comunicou ao agente financeiro e formalizou requerimento administrativo; em data de 04/2013, houve a negativa de cobertura securitária do contrato; em data de 20/06/2014, foi proposta a demanda. A invalidez do mutuário renova-se diariamente e o fato de o mesmo ter proposto a demanda para cobertura securitária um ano e dois meses após a negativa administrativa de cobertura securitária, não afasta o seu direito à percepção da mesma. 3. Solucionada a lide com espeque no direito aplicável, tem-se por afastada a incidência da legislação em confronto, senão pela total abstração, com as adequações de mister, resultando, assim, prequestionada, sem que isso importe sua violação. 4. Agravo improvido. (TRF4 5001674-44.2013.4.04.7106, TERCEIRA TURMA, Relator CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, juntado aos autos em 21/05/2015) (grifei)

Desta forma, reputo que o requerimento administrativo de cobertura securitária em situações de invalidez pode ser formulado a qualquer momento até o término do contrato, com a seguinte ressalva no que diz respeito à data de incidência da cobertura: se o pleito for realizado até 01 (um) ano da data da ciência inequívoca da incapacidade laboral, a quitação retroage à data da caracterização da invalidez permanente; se o pedido for formulado após o período de 01 (um) ano, a quitação incidirá na data do requerimento administrativo.

Na forma da fundamentação até então disposta, vê-se que é o primeiro, o caso dos autos.

Diante disso, afasto a prejudicial aventada pela Ré.

Mérito.

Da Incidência da Legislação Consumerista.

No entendimento deste juízo, o CDC não seria aplicável aos contratos firmados no âmbito do SFH, vinculados ou não ao FCVS, pois se trata de relações jurídicas reguladas por legislação específica, de natureza eminentemente pública, consolidada em um sistema próprio.

Todavia, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é firme no sentido de que há relação de consumo entre o mutuário e o agente financeiro do Sistema Financeiro de Habitação - SFH (REsp nºs 678.431/MG e 612243/RS; Súmula 297).

Já decidiu, também, o E. STF, quando do julgamento da ADI n. 2591-1, que as instituições financeiras são "alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor."

Este reconhecimento, entretanto, não resulta em constatação de ilegalidade de plano. Não equivale à presunção de que houve desequilíbrio na relação contratual ou ofensa aos princípios que norteiam o sistema consumerista. Insuficientes são as alegações genéricas quanto à abusividade das cláusulas contratuais. Tampouco há que se falar em lesão presumida decorrente da circunstância de se tratar de contrato "de adesão".

Da Inversão do Ônus da Prova.

Apesar da incidência do CDC no caso dos autos e ainda que se possa falar, em tese, em inversão do ônus da prova, necessário que fique concretamente demonstrada a ocorrência das circunstâncias excepcionais descritas no art. 6º, VIII, da legislação consumerista, do que aqui não se trata.

A aplicação do CDC, por si só, não dispensa a parte Autora de apontar, concretamente, na forma do art. 373, I, do CPC, a existência de eventual ônus excessivo no contrato, desvantagem exagerada, enriquecimento ilícito por parte do fornecedor, nulidade de cláusula contratual, ofensa aos princípios da transparência e da boa-fé etc.

Da Cobertura pelo Seguro

Das Doenças Preexistentes

Uma vez afastada a tese da prescrição suscitada pela Ré para a negativa da concessão da utilização do seguro, pende analisar as condicionantes da doença que acarretou a invalidez da mutuária.

A parte Autora objetiva a quitação do contrato de mútuo firmado com a CEF por força da utilização do seguro compreensivo, em razão de invalidez permanente, decorrente do diagnóstico de doenças cardiovasculares em 21/12/2017.

A Seguradora negou o pedido de cobertura securitária nº 106100153423, sob o seguinte fundamento (ev. 1, OUT7):

"Após análise da documentação, concluímos que o diagnóstico das doenças que provocaram a invalidez da segurada foram firmados em período anterior à assinatura do contrato de financiamento firmado em 23/05/2014.

De acordo com a proposta de seguro (Anexo I do contrato de financiamento), a segurada não informou que possuiu ou possuía qualquer doença que fosse de seu conhecimento no ato da concessão do financiamento.

Por esta razão, seu pedido de indenização não foi aprovado. (...)".

Com relação à preexistência da doença, oportuno mencionar que o entendimento jurisprudencial vigente nos tribunais pátrios é no sentido da necessidade da exigência, pela seguradora, de exames médicos prévios à assinatura do contrato, ou de prova da má-fé para aplicação da cláusula de exclusão da cobertura no caso de doença preexistente. Trata-se de entendimento que encontra guarida em decisões proferidas pelo STJ (v.g AgRg no AREsp 177.250/MT). A matéria, inclusive, já foi abordada no enunciado nº 609, sumulado pelo STJ em 2018:

A recusa de cobertura securitária, sob a alegação de doença preexistente, é ilícita se não houve a exigência de exames médicos prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado. (Súmula 609, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/04/2018, DJe 17/04/2018)

O teor do enunciado de súmula e dos julgados do STJ que resultaram na edição da súmula levam à interpretação de que, em caso de inexistência de diagnóstico da doença em data anterior à contratação do seguro, a indenização é devida, mesmo o segurado estando acometido da enfermidade, ou seja, mesmo que a doença seja preexistente. Neste caso, a menos que a seguradora tivesse exigido atestados médicos, presume-se a boa-fé do segurado.

A situação é diversa nos casos em que o segurado já possui ciência da doença, busca o financiamento e não declina a sua existência. Porque aqui sim poderia restar afastada a boa-fé do segurado, que, ciente da sua potencial incapacidade laborativa, utiliza-se do sistema securitário para obter vantagem indevida (quitação do mútuo pela seguradora) para si ou para seus sucessores.

Ou seja, o enunciado não pode ser interpretado como uma porta aberta para fraudes, como uma liberação automática para a cobertura securitária independente da existência e ciência de doença preexistente, porque os julgados que a precederam sempre focaram na boa-fé do contratante, o que no entendimento deste julgador restaria afastado em caso de ciência inequívoca de doença incapacitante.

Neste ponto, mostra-se relevante a análise da situação clínica do segurado no momento da contratação, porque, mesmo que acometido por alguma enfermidade, nem sempre a mesma ocasionará a incapacidade laborativa ou mesmo o óbito. Uma doença, se devidamente tratada, nem sempre implicará em limitações ao trabalho ou redução da expectativa de vida. A medicina permite, na atualidade, a manutenção da qualidade de vida de pessoas com enfermidades que, em décadas passadas, sequer eram conhecidas ou tratadas.

Desta forma, a simples constatação de uma doença não traz como consequência inarredável a comprovação da má-fé do segurado. É preciso que a seguradora demonstre que o segurado encontrava-se em situação de progressividade da doença que tornaria inevitável a incapacidade laborativa já no momento da contratação.

Feitas essas considerações, passo ao exame do caso concreto.

A documentação médica acostada aos autos indica que, em 21/12/2017, a Autora deu entrada no Instituto de Cardiologia da Fundação Universitária de Cardiologia, em Porto Alegre, referindo dor torácica, tendo sido, após exames, indicada a sua internação (ev. 1, OUT8, p. 2).

Em 22/12/2017, a Requerente passou por procedimento de cateterismo e cinecoronaroigrafia, tendo sido constatada Lesão severa ACX e ACD (reestenose severa intra-stent)" e "Lesão severa de ADA" (ev. 1, OUT8, p. 5).

Em 26/12/2017, após ser submetida a Ecocardiograma, concluiu-se, em apertada síntese, que as funções do miocárdio segmentar da Autora encontravam-se comprometidas, por fator isquêmico (ev. 1, OUT8, p. 7).

Ainda hospitalizada, em 04/01/2018, houve indicação de procedimento cirúrgico para a paciente, em decorrência do diagnóstico de cardiopatia isquêmica, para revascularização miocárdica, enxerto de artéria mamária e colocação de ponte de safena (ev. 1, OUT8., p. 12). Recebeu alta em 15/01/2018, conforme documentos acostados (ev. 1, OUT9, p. 2).

A Postulante, então, foi novamente internada, em 15/02/2018, após constatação de patologia cirúrgica, permanecendo internada até 04/03/2018.

Registre-se que a segurada apresentada histórico de doenças crônicas desde 2005, dentre as quais merecem ser destacadas: Hipertensão Arterial Sistêmica - HAS, Diabetes Mellitus, e Hipotireoidismo, tratando-se com endocrinologia. Vale ressalvar, ainda, que a Demandante já havia sofrido quadro de infarto agudo do miocárdio, diagnosticado em 19/07/2014, o que resultou na colocação de 4 stents coronários (HMD), naquele ano (ev. 1, OUT8, p. 2).

Justamente pelas razões esposadas no parágrafo supra, após solicitação de parecer médico pela Seguradora, o assessor médico indicou a realização de perícia por clínico geral, o que resultou na abertura de sindicância e análise médico securitária da Requerente, em 25 de fevereiro de 2019. Concluiu-se, na oportunidade, pela ausência de invalidez (e. 27, OUT6, p. 12).

Além disso, importa, para a análise do caso, trazer à lume trecho do relatório de sindicância, especificamente no que tange ao primeiro infarto sofrido pela Autora, em 2014 (ev. 27, OUT6, p. 34):

"12/04/2019

Recebemos o retorno do Hospital Mãe de Deus, onde efetuamos a retirada das cópias do prontuário solicitado, onde foi verificado que a paciente, Sra. Rosana Vinadé Ferraz, deu entrada pela emergência na data de 20/06/2014, onde ficou internada e passou por procedimento de angioplastia/cateterismo, para desobstrução de Lesões Severas nas artérias descendentes anterior e coronária direita e em pequeno ramo diagonal. Ventrículo com discreta disfunção sistólica global.

Obs: Trata-se de procedimento realizado 27 dias após a contratação do seguro, porém constam informações de que a paciente tem história previa de HAS, Diabetes e hipotireoidismo. Segue o prontuário em anexo, para análise".[grifei]

De mais a mais, de modo a ilidir quaisquer dúvidas remanescentes quanto à preexistência ou não das doenças que acometem a Postulante, foi determinada, por este Juízo, a realização de perícia técnica.

Em suas conclusões (ev. 89, LAUDO1), o perito referiu que a Requerente, de fato, encontrava-se incapacitada para o trabalho, sendo tal incapacidade de natureza permanente. Aduziu, também, que o histórico de doenças cardiológicas da Autora iniciou em 19/07/2014 quando sofreu o primeiro episódio de Infarto Agudo do Miocárdio, por uma associação de fatores de risco - Fumo + Hipertensão arterial + diabete mélito. Questionado, ainda, acerca de diagnósticos precedentes, o especialista do Juízo declarou:

8. Com base nos documentos constantes nos autos, constate-se que a periciada, desde meados de 2005, já era portadora de cardiopatia, dislipidemia, diabetes mellitus tipo II. Confirma-se tal diagnóstico? Favor justificar. R- Sim. A autora refere que desde esta data era portadora de hipertensão arterial e diabete, porém não tinha Cardiopatia nesta data.

Relatou, em seguida, que a paciente sofreu "o segundo episódio em 20/12/2017", tendo sido, assim, submetida a cirurgia de revascularização miocárdica em 04/01/2018. Consignou, no entanto, que "A doença da autora não preenche critérios cardiológicos para Cardiopatia grave segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia.".(ev. 89, LAUDO1).

Estas são as premissas a serem consideradas.

Perceba-se, em primeiro lugar, que a Autora infartou, pela primeira vez, em 19/07/2014, momento, portanto, em que, de fato, foi diagnosticada com cardiopatia, inexistente anteriormente. O contrato de mútuo, por outro lado, foi assinado em 23/05/2014, ou seja, cerca de 2 meses antes. Ora, basta uma análise simples das datas apresentadas, para que se conclua que não há que se falar em doença preexistente à celebração do negócio jurídico.

Além disso, ainda que se considere que a cardiopatia tenha resultado de uma associação de fatores, dentre os quais destacam-se doenças pregressas, diagnosticadas em 2005, como diabetes e hipertensão arterial, seria por demais extremo caracterizar tais condições como incapacitantes, à época da contratação do seguro. Indo mais além, entendo que sequer seria possível assumir que tais patologias resultariam em eventos adversos de tamanha gravidade no futuro, porquanto não é certa a evolução destas enfermidades para quadros de invalidez ou mesmo óbito, principalmente em face do avançar da medicina.

Além disso, não há, nos autos, nenhum outro indício de que a segurada tenha sofrido complicações outras decorrentes da cardiopatia diagnosticada em julho de 2014 (ou mesmo das doenças diagnosticadas em 2005), passando por um período de acompanhamento médico regular, é certo, por demandas naturais impostas pelo seu estado de saúde, mas também por um período de estabilidade. Isso, até a ocorrência do segundo infarto, em 21/12/2017, tido como causa principal da invalidez, anos depois, portanto, da colocação dos stents.

Sendo assim, embora já tivesse sido subetida anteriormente a tratamento médico, não há provas contundentes de que as enfermidades diagnosticadas em 2005 se mostravam como eventos incapacitantes à época da contratação do seguro. Muito menos havia, à época, indicação de progressão das doenças, passível de levar a Autora à invalidez. O mesmo se diga do diagnóstico de cardiopatia isquêmica, que apenas foi dado em julho de 2014, após a assinatura do contrato, portanto. Ainda assim, a paciente foi submetida a procedimento médico que levou, novamente, ao equilíbrio de sua saúde por anos, até, finalmente, em dezembro de 2017, ser diagnosticada com a CID I25. 5, o que a tornou inválida.

Em situações semelhantes, aliás, já decidiu o E.TRF4:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO SECURITÁRIA. INVALIDEZ PERMANENTE. PRESCRIÇÃO. DOENÇA PRÉ-EXISTENTE. DANOS MORAIS. A Caixa Econômica Federal é parte legítima no processo, uma vez que é ela quem define, ao início do contrato, o prêmio mensal de seguro, acrescendo-o à prestação mensal, sendo, ainda, responsável por sua cobrança. É de um ano o prazo legal para requerimento da ativação da cobertura securitária em financiamento habitacional (art.178, §6º, II do CC 1916, e art. 206,§1º, II do CC 2002). No caso, não se reconhece a prescrição. No caso dos autos, não há que se falar em prescrição, eis que demanda foi ajuizada em quando transcorrido apenas 6 meses e 29 dias do prazo prescricional. A simples existência da doença, mesmo que anterior ao contrato, não configura sua preexistência para os fins da incidência da norma contratual impeditiva da cobertura securitária, o que somente deve ocorrer quando se tratar de doença incapacitante ou quando haja grandes indícios de que a incapacidade venha a ocorrer logo na sequência da assinatura do contrato. [...] (TRF4, AC 5007872-56.2015.4.04.7000, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 20/10/2017)

Não fosse isso suficiente para afastar a preexistência, note-se que a Instituição Financeira e a seguradora assumiram os riscos de firmar o contrato de mútuo sem exigir a realização de exames e sem que a mutuária tivesse sequer preenchido o campo relacionado a doenças ou situações INCAPACITANTES, senão vejamos: (ev. 1, ANEXO5, p. 3):

Com efeito, a jurisprudência do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem se firmando no sentido de que se faz necessária a exigência, por parte da seguradora, de atestados ou exames prévios, assim como a constatação de má-fé do segurado para justificar a negativa da cobertura securitária, conforme sobredito. Para exemplificar, cito os seguintes precedentes:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. SEGURO DE VIDA. EXCLUDENTE DE DOENÇA PREEXISTENTE. AUSENCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. FINANCIAMENTO HABITACIONAL. A doença preexistente só pode ser oposta pela seguradora ao segurado como negativa para prestar a cobertura securitária, mediante a realização de prévio exame médico ou prova inequívoca de má-fé. Na hipótese, restou comprovado que não houve má-fé por parte do mutuário falecido. (TRF4, AC 5005296-06.2014.4.04.7104, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 20/06/2017)

EMENTA: SFH. SEGURO. DOENÇA PREEXISTENTE. DOENÇA PREEXISTENTE. DOLO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. Para a exclusão do dever de indenizar deve a seguradora provar que o segurado dolosamente ocultou a doença preexistente ou ter exigido, na ocasião da contratação, a apresentação de exames prévios de saúde pelo segurado. (TRF4, AC 5003814-98.2015.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 02/06/2016)

Nesse mesmo sentido, cito jurisprudência do STJ:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO COMPROVAÇÃO DE MÁ-FÉ. REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado 2 do Plenário do STJ: 'Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.' 2. Nos termos da jurisprudência do STJ: 'Não comprovada a má-fé do segurado quando da contratação do seguro saúde e, ainda, não exigida, pela seguradora, a realização de exames médicos, não pode a cobertura securitária ser recusada com base na alegação da existência de doença pré-existente' (AgRg no AREsp 177.250/MT, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 30/10/2012). 3. Mediante análise do conjunto fático-probatório dos autos, tem-se que o eg. Tribunal de origem concluiu que o segurado não procedeu de má-fé por ocasião da contratação do seguro. Nesse contexto, afigura-se inviável rever tal conclusão, tendo em vista o óbice da Súmula 7/STJ. 4. Agravo regimental improvido (AINTARESP 201503060622 AINTARESP - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 826988 Relator(a) RAUL ARAÚJO Sigla do órgão STJ Órgão julgador QUARTA TURMA Fonte DJE DATA:03/06/2016)

Fato é, portanto, que, no caso em tela, a Instituição Financeira e a seguradora aceitaram firmar o contrato de financiamento sem a realização de exames, recebendo o valor do prêmio e assumindo os riscos de ocorrência de sinistro.

Pelas razões já expostas, a mutuária, de boa-fé, não teria como dizer que estava acometida de doença incapacitante. Se a seguradora quisesse concluir a preexistência e excluir o risco, deveria ter solicitado laudos médicos no momento da contratação, conforme o supratranscrito Enunciado nº 609 da Súmula do STJ.

Consequentemente, no caso em apreço, entendo que não existe comprovação de que a Autora tenha omitido, dolosamente, a existência de doença preexistente, não havendo como imputar má-fé na sua conduta.

Reforça a ausência de má-fé quando da contratação do financiamento e do seguro o pagamento de R$ 145.000,00 com recursos próprios (ev. 1, CONTR4, item B5 do quadro-resumo) - o que representava, aproximadamente, 36% do valor da compra e venda -, bem como o pagamento das prestações e ausência de débitos ao longo do prazo de contratação, exceto pela parcela do mês de janeiro, já no ano de 2020 (ev. 24, ANEXO2).

Por todos estes argumentos, assim, é que refuto a tese da parte Ré, acerca da preexistência das doenças que levaram a Autora à incapacidade.

Todavia, tais constatações, isoladamente consideradas, não são suficientes para a justa resolução da lide, devendo os dados até então apresentados ser conjugados às demais conclusões do perito e aos outros elementos de prova constantes do processo.

Da Incapacidade Parcial

Deveras, no presente caso, a problemática maior gira em torno da extensão da incapacidade/invalidez da parte Autora, porquanto elemento indispensável para a fixação da incidência ou não da cobertura originada pela apólice compreensiva habitacional. Explique-se.

Para fins de contextualização e melhor compreensão das conclusões a serem expostas, útil se faz elucidar o conceito de incapacidade total, o qual é passível de busca, por exemplo, no âmbito do Direito Previdenciário.

É dizer, neste ramo do direito, para outorga de aposentadoria por invalidez, deverá restar comprovada, justamente, a incapacidade total e permanente do segurado por meio de perícia oficial. Assim, tratou a Lei n° 8.213/91:

Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.

§ 1º A concessão de aposentadoria por invalidez dependerá da verificação da condição de incapacidade mediante exame médico-pericial a cargo da Previdência Social, podendo o segurado, às suas expensas, fazer-se acompanhar de médico de sua confiança.

§ 2º A doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito à aposentadoria por invalidez, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão. (grifei e sublinhei)

A propósito, o TRF da 4ª Região ratifica esse entendimento:

DIREITO ADMINISTRATIVO. DIREITO CIVIL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO - SFH. CONTRATO DE MÚTUO HABITACIONAL. INVALIDEZ PERMANENTE. COBERTURA SECURITÁRIA. DOENÇA INCAPACITANTE. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. PRECEDENTES. . Para a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez é necessário que esteja comprovada a incapacidade total e permanente do segurado. (TRF4, AC 5019296-23.2014.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 08/04/2016)

Não é diferente, no que toca ao Sistema Financeiro da Habitação e, em específico, à cobertura securitária do seguro compreensivo. Esta cinge-se à incapacidade total e definitiva para o exercício da ocupação principal e de qualquer outra atividade laborativa, nos termos do item 4.1.2, cláusula 4ª da Circular SUSEP nº 111, de 3 de dezembro de 1999, Capítulo II, que dispõe acerca das Condições Particulares para os Riscos de Morte e Invalidez Permanente, e desde que posterior à contratação, nos termos das cláusulas abaixo:

CLÁUSULA 3ª - RISCOS COBERTOS

3.1 - Estão cobertos por estas Condições os riscos a seguir discriminados:

(...)

b) invalidez permanente das pessoas físicas indicadas no item 1.1 da Cláusula 1ª destas Condições, que ocorrer posteriormente à data em que se caracterizarem as operações respectivas, causada por acidente ou doença, que será comprovada com a apresentação, à Seguradora, de declaração do Instituto de Previdência Social para o qual contribuía o Segurado, ou do laudo emitido por perícia médica custeada pela Seguradora, no caso de não existir vinculação a órgão previdenciário oficial. - grifos meus.

CLÁUSULA 4ª - RISCOS COBERTOS

Os riscos cobertos pela presente Apólice ficam enquadrados em duas categorias:

4.1 - DE NATUREZA PESSOAL

(...)

4.1.2 Invalidez Permanente do Segurado, como tal considerada a incapacidade total e definitiva para o exercício da ocupação principal e de qualquer outra atividade laborativa, causada por acidente ou doença, desde que ocorrido o acidente, ou adquirida a doença que determinou a incapacidade. [Grifei]

Pois bem, no caso concreto, verifica-se que não existem registros de concessão de quaisquer benefícios (por exemplo, aposentadoria por invalidez) em decorrência da incapacidade para o labor, a não ser pela isenção do imposto de renda, desde o ano de 2018, deferida após realização de perícia pelo Departamento Departamento Municipal de Previdência dos Servidores Públicos do Município de Porto Alegre (PREVIMPA). Sabe-se, entretanto, que os critérios para a concessão da isenção mencionada são distintos daqueles utilizados para se aferir a invalidez no que concerne às coberturas securitárias, inclusive no âmbito do SFH.

Outrossim, importante observar que a Requerente já se encontrava aposentada ao tempo da contratação, por motivos dissociados da invalidez. Na verdade, a Autora se aposentou, por tempo de contribuição, no ano de 2010, ou seja, quando ainda não havia o diagnóstico da cardiopatia. Tais informações constam não apenas do instrumento contratual (ev. 1, CONTR4, item A2, em que se verifica sua qualificação como professora aposentada), como também do próprio ato de aposentadoria, publicado no Diário Oficial do Município de Porto Alegre (ato 302 de 01/06/2010 23/06/2010), trazido aos autos pela Caixa Seguradora (ev. 27, OUT5, páginas 135 a 137).

A corroborar, registre-se que, instada a complementar a prova para análise do pleito de concessão do benefício da Justiça Gratuita, a parte Autora juntou comprovante da renda recebida no mês de novembro de 2019, por meio de documento expedido pelo Departamento de Previdência de Porto Alegre, que denota a sua aposentadoria, quanto ao cargo/função de especialista em educação/magistério (ev. 8, CHEQUE3).

Diante desta conjuntura, não estaria ao alcance deste Juízo reputar que a cessação do exercício da atividade laboral teria tido qualquer relação com a condição de inválida da Postulante. Em verdade, não parece ter sido este o caso. Entender de maneira diversa, a bem dizer, implicaria em um paradoxo, porque, conforme já exaustivamente explicitado em tópico anterior, não foram verificadas doenças preexistentes ou, em específico, cardiopatia capaz de levá-la a tal condição.

E não só isso. Para se conferir ainda maior substrato à fundamentação deste decisium, cumpre associar tais constatações às conclusões do expert do Juízo, no que tange às limitações da Requerente.

De acordo com o laudo pericial constante do evento 89 dos autos (LAUDO1), resta claro que a Autora foi acometida de patologias que resultaram em invalidez. Deste fato jamais olvidou o Órgão Julgador. Senão vejamos algumas das respostas apresentadas aos quesitos do Juízo, a título ilustrativo (páginas 2 e 3):

a) apresenta o autor doença ou moléstia que o incapacite para o exercício de atividade laborativa?

R- Sim. A autora está incapacitada para o trabalho.

b) em caso positivo, qual o CID da doença de que está acometido o autor? R- CID I25. 5

d) a incapacidade laborativa do demandante é de natureza permanente ou temporária? Em caso de incapacidade temporária, qual a expectativa de recuperação?

R- Permanente

Todavia, devem ser consideradas outras particularidades, trazidas à lume a seguir.

Em resposta aos quesitos da parte Autora, declarou o expert que não há, in casu, diagnóstico de cardiopatia grave (que se encontra, por sua vez, expressamente consignado no relatório da perícia médica que corroborou o deferimento da isenção do imposto de renda - ev. 1, PERICIA15). Vejamos (ev. 89, LAUDO1, p. 3)

"É possível o experta afirmar que a autora apresenta episódio de Infarto Agudo Subendocárdico do Miocárdio (CID10 I21.4) e Doença Isquêmica Crônica do Coração (CID10 I25.9)–Cardiopatia Grave? Caso positivo, tais moléstias são causadoras de invalidez?

R- Sim. A autora apresentou episódio de Infarto Agudo Subendocárdico do Miocárdio e é portadora de Doença Isquêmica Crônica do Coração, embora não tenha apresentado documentos relativos a estes eventos, pode-se concluir sua existência pelos exames apresentados. A doença da autora não preenche critérios cardiológicos para Cardiopatia grave segundo as Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia". [Grifei]

Somado a isso, asseverou que não seria possível afirmar que a Autora é portadora de doenças outras aptas a qualificarem a invalidez (ev. 89, LAUDO1).

Em resposta aos quesitos da Caixa, ademais, o perito foi claro em atestar que a incapacidade verificada, a despeito de permanente, é apenas PARCIAL para as funções de professora (funções estas que, aparentemente, desempenhou ao longo de toda a sua vida), NÃO HAVENDO, AINDA, LIMITAÇÕES PARA SUA PROFISSÃO (sustentanto que apenas não pode realizar atividades que exijam esforço demasiado). Mister se faz trazer à baila a trasncrição de tais respostas (ev. 89, LAUDO1, páginas 4 a 6):

"4. A lesão/doença que acomete a periciado causa redução da sua capacidade laborativa para a sua profissão? Caso positivo a redução da capacidade laborativa é parcial ou total?

R- Os exames apresentados mostram que a autora tem incapacidade parcial para a profissão de professora

5. Eventual limitação reduz a sua capacidade laboral para todo e qualquer trabalho ou existe a possibilidade de reabilitação para outra função? Favor considerar idade, instrução escolar e condições físicas do periciado.

R- Não há limitação para sua profissão.

13. Em virtude das supostas doenças/lesões do periciado questionam-se quais atividades que esta não consegue realizar?

R- A autora não pode realizar atividades que exijam esforço físico demasiado".

Ora, constatado que não é a Requerente TOTALMENTE incapaz para o exercício do seu trabalho habitual de educadora, pode-se refutar a tese do cumprimento dos requisitos para o deferimento da cobertura securitária.

Com razão, portanto, a Caixa Seguradora, ao explicitar que a apólice aderida pela Autora somente cobre o risco de invalidez total e permanente, como manda a Circular SUSEP supramencionada, restando excluída a cobertura para invalidez parcial, nos termos das cláusulas 5ª e 8ª do referido documento (evento 27, OUT7), in verbis:

"CLÁSULA 5ª. COBERTURAS DE NATUREZA CORPORAL

5.1. Acham-se cobertos por este seguro os seguintes riscos de natureza corporal: [...]

b) Invalidez total e permanente do segurado para o exercício da sua atividade laborativa principal, entendendo-se como invalidez permanente aquela para a qual não se pode esperar recuperação ou reabilitação com os recursos terapêuticos disponíveis no momento da sua constatação, causada por acidente ou doença, desde que ocorrido o acidente, ou contraída a doença que determinou a incapacidade, após a assinatura do instrumento contratual de financiamento com o estipulante, salvo doença preexistente sem conhecimento do segurado e, portanto, não declarada na proposta de seguro.

CLÁUSULA 8ª - RISCOS EXCLUÍDOS DAS COBERTURAS DE NATUREZA CORPORAL

8.1Acham-se excluídos da cobertura do presente seguro os seguintes riscos de natureza corporal: [...]

c) A invalidez total e temporária ou invalidez parcial do segurado, despesas médicas e hospitalares em geral, pagamento de honorários nas intervenções cirúrgicas e despesas de remoção e correlatas".

Não fossem todas essas considerações o bastante para fundamentar a negativa, cumpre atentar-se para o já referido fato de que, à data da assinatura do contrato, a parte Autora já se encontrava aposentada por tempo de contribuição, desde 2010, restando, inclusive, assim qualificada no instrumento contratual (ev. 1, CONTR4).

Diante desta condição, assume-se, conforme já destrinchado, que não há como se conceber que a invalidez tenha sido causa da cessação do labor (seja pelo período em que diagnosticada a cardiopatia, seja pelo próprio tipo de aposentadoria). Indo mais além, seria temeroso até mesmo justificar qualquer decréscimo em sua renda utilizando-se do argumento da incapacidade para o trabalho.

É dizer, ao tempo da assinatura do contrato e da composição da renda para o cálculo das parcelas, a Autora já havia declarado ser pessoa aposentada, ou seja, já auferia determinada quantia que não cessou nem foi reduzida abruptamente em decorrência da patologia que, em tese, a limitaria (parcialmente, ressalte-se) para o exercício do labor.

De outro lado, a quitação parcial do saldo devedor por intermédio do seguro habitacional compreensivo se presta a fazer frente ao decréscimo da renda do beneficiário, que se vê impossibilitado de trabalhar, de modo total e permanente, e, por consequência, de arcar com as prestações pactuadas em momento e condições, por óbvio e literalmente, muito mais saudáveis. É dizer, o seguro funciona de maneira a, pelo menos, atenuar a vulnerabilidade que, atestada a invalidez, sobrepuja o beneficiário.

Não parece ser esta a hipótese. Inclusive porque (e aqui, registre-se, não se quer estimular a inadimplência, mas apenas ilustrar as circunstâncias), mesmo após o diagnóstico de cardiopatia, em dezembro de 2017, o contrato continuou sendo devidamente cumprido e a Autora continuou a arcar com um valor considerável relativo à parcela do financiamento (aproximadamente R$ 3.000,00), ressalvada prestação em aberto referente ao mês de janeiro de 2020, conforme demonstrativo acostado ao feito pela Caixa Econômica Federal no evento 27 (OUT4).

Em suma, se fosse o caso de desconsiderar todos os pontos aqui traçados, chegaria-se facilmente à conclusão de que para nenhuma Instituição Financeira seria interessante conceder um financiamento a uma pessoa idosa, aposentada, ou, de qualquer modo, mais suscetível a doenças. Em outros termos, não seria vantajoso (quer dizer, representaria um risco exacerbado) liberar um financiamento justamente aos grupos mais vulneráveis, porque a seguradora se veria obrigada a "cobrir" qualquer limitação, independentemente de sua gravidade ou extensão, causas ou consectários, desvirtuando, em última análise, o Sistema Financeiro da Habitação, enquanto promotor do direito social à moradia, constitucionalmente assegurado.

Registro, nesta senda, que conceder a quitação total por intermédio do seguro, nos moldes pretendidos pela Postulante, implicaria em excessivo ônus às Rés, principalmente em se considerando o saldo devedor, que, em 23/02/20, ainda era de 215.756,56, tendo a Autora pago apenas 67 prestações, de um total de 258 (ev. 27, OUT4).

À vista de tudo isso, a improcedência dos pleitos autorais é medida impositiva.

Da Restituição das Parcelas Adimplidas.

Não havendo que se falar na quitação do contrato por intermédio do seguro, não há que se falar na restituição de valores adimplidos posteriormente à data do sinistro.

Da Tutela de Urgência.

Diante da conclusão pela improcedência dos pedidos, revogo a decisão do evento 15, quanto ao deferimento em parte das medidas antecipatórias.

3. Dispositivo.

Ante o exposto, afasto as preliminares suscitadas pelas Rés e, no mérito, julgo IMPROCEDENTES os pedidos vertidos na petição inicial, extinguindo a ação com julgamento do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do Código de Processo Civil.

Revogo os efeitos da antecipação de tutela concedida em parte.

Condeno a parte Autora ao pagamento das custas e de honorários advocatícios às Rés, Caixa Econômica Federal e Caixa Seguradora S/A, na proporção de 70% para a Caixa Seguradora e 30% para a Caixa Econômica Federal, os quais, considerando o disposto no § 4° do art. 20 do Código de Processo Civil, fixo em 10% sobre o valor atribuído à causa, atualizáveis monetariamente até a data do efetivo pagamento pelo IPCA-E. Suspensa a exigibilidade, contudo, enquanto perdurarem os motivos que ensejaram a concessão do benefício da Gratuidade da Justiça.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Interposto(s) o(s) recurso(s), caberá à Secretaria abrir vista à parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Transitada em julgado, certifique-se a secretaria e, nada mais sendo requerido, dê-se baixa.

Em que pesem os ponderáveis argumentos deduzidos pela parte apelante, não há reparos à decisão hostilizada, que deve ser mantida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Como bem ponderado pelo julgador, o autor não fez prova do fato constitutivo do seu direito (incapacidade total e permanente), e, também, como bem observado pelo r. julgador, a prova existente nos autos não demonstra a invalidez total e permanente do autor:

(...)

Em resposta aos quesitos da Caixa, ademais, o perito foi claro em atestar que a incapacidade verificada, a despeito de permanente, é apenas PARCIAL para as funções de professora (funções estas que, aparentemente, desempenhou ao longo de toda a sua vida), NÃO HAVENDO, AINDA, LIMITAÇÕES PARA SUA PROFISSÃO (sustentanto que apenas não pode realizar atividades que exijam esforço demasiado). Mister se faz trazer à baila a trasncrição de tais respostas (ev. 89, LAUDO1, páginas 4 a 6):

"4. A lesão/doença que acomete a periciado causa redução da sua capacidade laborativa para a sua profissão? Caso positivo a redução da capacidade laborativa é parcial ou total?

R- Os exames apresentados mostram que a autora tem incapacidade parcial para a profissão de professora

5. Eventual limitação reduz a sua capacidade laboral para todo e qualquer trabalho ou existe a possibilidade de reabilitação para outra função? Favor considerar idade, instrução escolar e condições físicas do periciado.

R- Não há limitação para sua profissão.

13. Em virtude das supostas doenças/lesões do periciado questionam-se quais atividades que esta não consegue realizar?

R- A autora não pode realizar atividades que exijam esforço físico demasiado".

Ora, constatado que não é a Requerente TOTALMENTE incapaz para o exercício do seu trabalho habitual de educadora, pode-se refutar a tese do cumprimento dos requisitos para o deferimento da cobertura securitária.

Irreparável portanto a sentença.

Sucumbência recursal

Em atenção ao disposto no art. 85, § 11, do CPC/2015, majoro os honorários advocatícios em favor do banco em 1% sobre o valor fixado pelo juízo. A condenação resta suspensa enquanto perdurarem as circunstâncias que justificaram a concessão da AJG.

Prequestionamento

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao apelo.



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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5082533-55.2019.4.04.7100/RS

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5082533-55.2019.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: ROSANA VINADE FERRAZ (AUTOR)

ADVOGADO: ISABEL TAMANCHIEVIZ ARGENTON (OAB RS110730)

ADVOGADO: ANDRE AZEVEDO DO NASCIMENTO RICCIARDI (OAB RS065507)

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)

EMENTA

CIVIL. CONTRATOS BANCÁRIOS. AÇÃO DE PROCEDIMENTO COMUM. SEGURO INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE. REQUISITOS NÃO PREENCHIDAS.

A análise da prova dos autos aponta que o autor não demonstrou a existência do fato constitutivo do seu direito (incapacidade total e permanente). De outro lado, a prova existente nos autos demonstra apenas a invalidez parcial e permanente do autor, não restando preenchidos portanto os requisitos para o acionamento da cobertura securitária.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 29 de setembro de 2021.



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5082533-55.2019.4.04.7100
40002801103 .V3


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/09/2021 A 29/09/2021

Apelação Cível Nº 5082533-55.2019.4.04.7100/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES

APELANTE: ROSANA VINADE FERRAZ (AUTOR)

ADVOGADO: ISABEL TAMANCHIEVIZ ARGENTON (OAB RS110730)

ADVOGADO: ANDRE AZEVEDO DO NASCIMENTO RICCIARDI (OAB RS065507)

APELADO: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF (RÉU)

APELADO: CAIXA SEGURADORA S/A (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/09/2021, às 00:00, a 29/09/2021, às 16:00, na sequência 554, disponibilizada no DE de 09/09/2021.

Certifico que a 4ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 4ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO APELO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO

Secretário



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