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PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÊNCIA. ATIVIDADE URBANA EXERCIDA PELO ESPOSO NO P...

Data da publicação: 20/07/2024, 07:01:23

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. CARÊNCIA. ATIVIDADE URBANA EXERCIDA PELO ESPOSO NO PERÍODO. RENDA SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. BENEFÍCIO INDEVIDO. 1. O juiz é o destinatário da prova e cabe somente a ele, nos termos do art. 480 do CPC, aferir sobre a necessidade ou não da sua realização. 2. Caso em que a realização da prova testemunhal se mostrou desnecessária em face da utilização de prova emprestada, regulamente produzida, sob o crivo do contraditório e ampla defesa. 3. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER. 4. Não basta o trabalho campesino para configurar a condição de segurada especial da Previdência Social. Para tanto, tal labor deve ser imprescindível e preponderante para o sustento familiar, mesmo existente outra fonte de renda. 5. Hipótese em que o trabalho rural exercido pela autora consistia em complementação à renda familiar, haja vista a percepção pelo esposo de remuneração superior a dois salários mínimos, decorrente do exercício de atividade urbana. (TRF4, AC 5005814-20.2019.4.04.7201, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 12/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005814-20.2019.4.04.7201/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: MARIA BENTA GADOTTI (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença de parcial procedência do pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade, de acordo com a parte dispositiva (evento 97, SENT1):

Diante do exposto,

1. JULGO PROCEDENTE o pedido de reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar no intervalo de 14.07.1968 a 01.01.1977 (art. 487, I, do CPC);

2. JULGO IMPROCEDENTE o pedido de reconhecimento de atividade rural em regime de economia familiar nos intervalos de 14.07.1965 a 13.07.1968 e de 01.12.1994 a 19.06.2012 (art. 487, I, do CPC).

Por consequência, a parte autora não faz jus à concessão de aposentadoria por idade rural perseguida nestes autos.

A recorrente sustenta, em preliminar, cerceamento de defesa em face do indeferimento da produção de prova testemunhal. Aduz que o juízo dispensou a realização de audiência de instrução e julgamento por conta da utilização de prova emprestada do processo judicial nº 5015356-67.2016.4.04.7201, ajuizado para a concessão de benefício por incapacidade. No mérito, afirma que os documentos comprovam o exercício de atividade rural, de forma individual, nas terras de seu esposo no período de carência. Cita que os contratos, mesmo sem autenticação cartorária, servem como início de prova material, uma vez que foram complementados pelos demais documentos e declarações juntadas no processo administrativo. Pede o retorno à origem para a produção de prova testemunhal para a comprovação da atividade rural nos períodos de 14/07/1965 a 13/07/1968 e de 01/12/1994 a 19/06/2012 (evento 104, APELAÇÃO1).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

PreliminarCerceamento de defesa

A autora alega cerceamento de defesa por não ter sido produzida a prova testemunhal requerida na inicial.

Tenho que não merece prosperar a preliminar arguida.

No despacho proferido pelo juízo de origem no evento 37, DESPADEC1 foi cancelada a audiência de instrução em face do aproveitamento da prova oral relativa à qualidade de segurada especial, coligida no processo ajuizado pela autora (5015356-67.2016.4.04.7201/SC) para a concessão de benefício por incapacidade.

Além disso, cuidou o juízo a quo de esclarecer que não obstante naqueles autos seria necessária a prova da qualidade de segurada nos doze meses antecedentes ao ano de 2016, resta perceptível a prova oral abordou todo o período de atividade rural sustentado pela autora no presente processo (desde criança até 2016).

O art. 370 do Código de Processo Civil estabelece que caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo, fundamentadamente, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

O juiz é o destinatário da prova e cabe somente a ele, nos termos do art. 480 do CPC, aferir sobre a necessidade ou não da sua realização.

No caso, a repetição da prova, conforme pretensão autoral, mostra-se despicienda, considerando que a prova emprestada foi regulamente produzida, sob o crivo do contraditório e ampla defesa, tendo abordado, com profundidade, todo o período de atividade rural alegado pela autora (desde criança até o ano de 2016|).

Ademais, trata-se de decisão preclusa, uma vez que a parte autora interpôs agravo de instrumento (evento 1, INIC1), não acolhido nos termos do evento 36, RELVOTO1 e evento 36, ACOR2, com trânsito em julgado em 26/01/2021.

Rejeito, pois, a preliminar.

Aposentadoria por Idade Rural

O art. 201, II, § 7º da Constituição Federal assegura a aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019).

A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo.

O art. 39, I da Lei de Benefícios prevê que, para os segurados especiais referidos no inciso VII do caput do art. 11, fica garantida a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário-mínimo.

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Do Caso Concreto

A parte autora, nascida em 14/07/1956, completou 55 anos de idade na data de 14/07/2011. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural precisa comprovar o exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, formulado em 19/07/2011, ou seja, de 1996 a 2011.

No caso, consta na sentença (evento 97, SENT1):

Quando a autora completou o requisito etário, em 2011, exigia-se o recolhimento de 180 contribuições (15 anos). Dessa forma, tendo a autora completado a idade exigida em 14.07.2011, deve comprovar o exercício da atividade rural em regime de economia familiar ao menos desde 14.07.1996.

Compulsando os autos verifico que o demandante apresentou os seguintes documentos tendentes a comprovar o desempenho de atividade campesinas no período controvertido (estão listados somente os documentos relevantes para a análise do mérito):

- Recibos de ITR intermitentes relativos aos anos de 1997 a 2010, em nome do marido da autora (relativo a imóvel situado em São João do Itaperiú/SC);

- Ficha de inscrição da autora como produtora rural na Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina, em que o cultivo de arroz consta como atividade econômica principal (data de cadastramento: 20.03.2007);

- INFBEN indicando que o marido da autora é aposentado como industriário desde 1994, com renda mensal de R$ 2.257,19 em julho de 2012;

- Notas fiscais de venda de arroz em nome da autora e de seu marido relativas aos anos de 2006 a 2013;

- Controle de notas fiscais de produtor rural da Secretaria de Estado da Fazenda de Santa Catarina indicando que a autora emitiu notas nos anos de 1998, 2000, 2005 e 2007;

- Carteira de membro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de São João do Itaperiú/SC em nome da autora, com admissão em 16.09.2009;

- Carteira de registro de Produtor Rural emitida pela Secretaria de Estado da Fazenda em nome da autora emitida em 14.04.2005;

- Contrato de parceria agrícola firmado entre o marido da autora e Marcos Paulo Gobbi em 2007, em que houve outorga de metade da propriedade da família para exploração por Marcos Gobbi pelo prazo de dez anos (o marido da autora receberia 40% da produção nos primeiros cinco anos e 20% nos últimos cinco);

- CCIR de imóvel rural situado em São João do Itaperiú/SC em nome do marido da autora relativo ao ano de 1992;

- Certidão de casamento da autora, cuja cerimônia ocorreu em 01.01.1977 e teve o noivo qualificado como auxiliar de administração;

- Escritura pública de compra e venda, lavrada em 05.1974, em que o marido da autora, qualificado como coordenador e residente em São Paulo/SP, adquiriu imóvel rural situado em São João do Itaperiú/SC;

- Escritura pública de compra e venda, lavrada em 02.1994, em que o marido da autora, qualificado como técnico em mecânica, adquiriu imóvel rural situado em São João do Itaperiú/SC;

- Certidão do INCRA indicando que o marido da autora possuiu imóvel rural situado em Barra Velha/SC entre 1992 e 2006;

- Ficha de inscrição do pai da autora no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Barra Velha/SC, dom data de admissão em 04.01.1970 e pagamento de anuidades até 1983;

- Certidão do INCRA indicando que o pai da autora possuiu imóvel rural situado em Barra Velha/SC entre 1965 e 1991;

- Certidão de casamento dos pais da autora, com cerimônia realizada em 1961, em que o noivo foi qualificado como lavrador;

- Certidões de nascimento de irmãos da autora, nascidos entre 1962 e 1964 em Barra Velha/SC, em que seu pai foi qualificado como lavrador;

- Certidão de transcrição de transmissão imobiliária indicando que o pai da autora, qualificado como lavrador, adquiriu, por escritura pública, imóvel rural situado Barra Velha/SC (hoje São João do Itaperiú/SC) em 1965;

- Processo administrativo do NB 41/193.348.498-2, de titularidade de irmã da autora, em que o INSS reconheceu labor rural entre 16.02.1970 e 12.12.1979.

Como salientado, houve produção de prova oral nos autos do processo n. 5015356-67.2016.4.04.7201 (arquivos anexados no evento 46). De tais oitivas, pode-se concluir que o relato efetuado pelo Excelentíssimo Juiz da 4ª Vara Federal resumiu com precisão o conteúdo dos depoimentos:

[...] Em seu depoimento pessoal ela afirmou que a plantação de arroz nas terras de sua propriedade é feita exclusivamente por maquinário do Sr. Marcos Gobbi. Também a autora afirmou que a principal fonte de renda da família é a aposentadoria do marido, que o valor oriundo da parceria agrícola e do cultivo de arroz era destinado à despesas excepcionais, como reformas da casa, e que os produtos que eram por ela cultivados eram destinados ao consumo próprio. As testemunhas confirmaram as alegações da autora e também relataram que não era auferida renda dos produtos (horta, árvores frutíferas e palmeiras) cultivados pela autora e que a aposentadoria do marido dela era a principal fonte de renda da família.

Do conjunto probatório constante dos autos, concluí-se ser verdadeira a alegação de exercício de atividades campesinas por parte da demandante, desde tenra idade, nas terras de propriedade de seu pai, situadas no interior do município de São João do Itaperiú/SC, sem auxílio de empregados ou diaristas, e com finalidade principal de auto-sustento, até a data de seu casamento, isto é, até 01.01.1977. Há nos autos diversos documentos revestidos da qualidade de prova material que permitem tal reconhecimento.

O reconhecimento, entretanto, deve iniciar-se em 14.07.1968, quando a autora completou doze anos de idade. Quanto ao pedido de reconhecimento de labor rural anterior aos 12 anos de idade, cabe destacar que há farta jurisprudência no sentido da impossibilidade de tal reconhecimento, como indicam, exemplificativamente, a súmula n. 5 da TNU e o acórdão dos Embargos Infringentes n. 2001.04.01.025230-0/RS (TRF4, Terceira Seção, julgado em 12.03.2003). As razões para tal entendimento são as diretrizes relativas ao trabalho dos menores previstas nos artigos 157, IX, da CF de 1946 e 165, X, da CF de 1967, que vedavam, respectivamente, qualquer trabalho aos menores de 14 e 12 anos de idade.

De se salientar, ainda, que trabalho rural no seio familiar eventualmente desempenhado por menores de 12 anos, ainda que possível na prática, seguramente não revela relevância e/ou indispensabilidade para o sustento do grupo, consistindo mero auxílio e até mesmo a maneira de educação da época.

Friso, ainda, que não há que se falar que a aplicação das regras das CFs de 1946 e 1967, que buscavam proteger os menores, acabaria por penalizá-los no caso de não reconhecimento do trabalho rural antes dos 12 anos. Isso porque o trabalho dentro do grupo familiar, se existente, tinha muito mais relação com a identidade cultural da época que com a exploração do trabalho com fins econômicos - e, acima de tudo, era a forma de manutenção do convívio entre as gerações familiares e o modo de educar os filhos menores.

Nessa linha, filio-me à jurisprudência já citada e entendo não ser possível o reconhecimento de labor rural em período no qual o segurado tivesse menos de 12 anos de idade, como é o caso dos autos.

De outra parte, do conjunto probatório constante dos autos concluo que a demandante não era segurada especial entre 01.12.1994 e 19.06.2012, uma vez que não existiam os pressupostos para o reconhecimento do trabalho rural em regime de economia familiar, aliás, exatamente como como foi decidido pelo Juizo Federal da 4ª Vara Federal no processo n. 5015356-67.2016.4.04.7201 (arquivos anexados no evento 46).

É que, bem se diga, toda a instrução indica que a autora e seu marido efetivamente cultivavam terras e vendiam a produção oriunda de tal cultivo mas o trabalho rural seguramente não era o principal responsável pelo sustento do grupo familiar. De efeito, a aposentadoria do marido da autora, em 2012, equivalente a cerca de 4 salários mínimos, era o sustentáculo financeiro da família - como indicado claramente pela própria demandante em seu depoimento. De se notar, ainda, que a família retornou ao campo somente no ano de 1994, quando o marido da autora já estava aposentado, a demonstrar que decisão de voltar à vida campesina dependeu da segurança que a jubilação do marido da autora representava.

Por fim, há que se notar que as terras da família eram extensas (mais de 150.000 m²), sendo suficientes para sustentar a lavra pela própria família e mais o arrendamento de metade da propriedade a terceiros. Isto é, além de não dependerem do trabalho rural, a autora e seu marido possuíam propriedade com características que os afastam da ideia de subsistência ínsita ao segurado especial.

De tudo que foi exposto, conclui-se, sem margem de dúvidas, que a autora seguramente é agricultora e cultiva suas terras, delas aferindo renda. Entretanto, constata-se também que isso não se dá através de regime de economia familiar, porque, de um lado, a família tem como fonte de renda primária a aposentadoria do marido da autora e, de outro, a propriedade e o trabalho nela desempenhado possuem características que superam a mera subsistência.

Destarte, diante das provas apresentadas, conclui-se que a parte autora efetivamente trabalhou como segurada especial (trabalhadora rural), em regime de economia familiar, no período de 14.07.1968 a 01.01.1977, devendo o pedido de reconhecimento ser julgado procedente neste ponto. Por outro lado, não é possível reconhecer o trabalho rural em regime de economia familiar entre 14.07.1965 a 13.07.1968 (período anterior aos 12 anos) e de 01.12.1994 a 19.06.2012, de forma que, em relação a este tema, o pedido deve ser julgado improcedente.

Não vejo razões para a reforma da sentença.

Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou os documentos referidos na sentença (evento 1, PROCADM7, p. 5-24, 35, 46-67, evento 1, PROCADM8, p. 5-10, 13-14, 19-51, 55, 63-78 e evento 89, PROCADM1).

Em que pese terem sido trazidos à colação documentos que indicam a vinculação da parte autora ao campo, o conjunto probatório denota que a parte autora não ostenta a qualidade de segurada especial.

De acordo com a prova produzida nos autos do processo ajuizado pela autora (5015356-67.2016.4.04.7201/SC) com vistas à concessão de benefício de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez, utilizada como prova emprestada pelo juízo a quo, ficou evidenciado que a autora manteve atividade rural com os seus pais até a data do seu casamento (01/01/1997), em São João do Itaperiú/SC.

Depois de casada, mudou-se para a cidade de São Caetano do Sul, em virtude de vínculo empregatício do cônjuge na General Motors do Brasil Ltda, mantido de 12/07/1973 a 30/11/1994, quando em 30/11/1994 foi aposentado por tempo de contribuição (evento 17, INFBEN3).

A autora, em seu depoimento pessoal (evento 46, VIDEO3), informou que retornou ao campo no mês de novembro de 1994, logo depois da aposentadoria do esposo, vindo a residir nas mesmas terras que antes eram dos sogros, que foram pelo casal adquiridas poucos anos antes.

Colhe-se, ainda, da declaração da autora que havia uma pequena lavoura ao redor da casa, mas que a principal fonte de renda da família era constituída pelo salário do marido, Osmar Gadotti, e posteriormente pelos proventos de aposentadoria.

Não basta o trabalho campesino para configurar a condição de segurada especial da Previdência Social. Para tanto, tal labor deve ser imprescindível e preponderante para o sustento familiar, mesmo existente outra fonte de renda.

A respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012):

O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

A contrario sensu, demonstrada a dispensabilidade do trabalho rural para o sustento da família, não é possível reconhecer a condição de segurado especial - categoria que é legalmente dispensada do recolhimento das contribuições previdenciárias para a concessão de benefícios, em face das dificuldades inerentes à vida do pequeno produtor rural.

Neste sentido, cabe referir que o Desembargador Federal Celso Kipper, na fundamentação do voto que proferiu na AC 5008361-74.2012.404.7202, expõe estar consagrada na jurisprudência desta Casa que são aceitáveis, a título de remuneração percebida pelo cônjuge de segurado especial, sem descaracterizar tal condição, valores equivalentes a dois salários mínimos:

(a) reconhece-se a atividade agrícola desempenhada na condição de segurado especial quando os rendimentos do cônjuge não retiram a indispensabilidade daquela para a subsistência da família (normalmente rendimentos que não superem o valor de dois salários mínimos): Apelação Cível Nº 0007819-29.2011.404.9999, 6ª Turma, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, sessão de 14-09-2011, D.E. 26-09-2011; Apelação Cível Nº 0006403-26.2011.404.9999, 6ª Turma, Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, por unanimidade, sessão de 10-08-2011, D.E. 22-08-2011; AC 0000314-84.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, sessão de 08-06-2011, D.E. 16-06-2011; AC 0014562-55.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, sessão de 09-11-2011, D.E. 21-11-2011; TRF4, AC 0008495-11.2010.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, sessão de 12-07-2011, D.E. 21/07/2011 (6ª T, julgado em 21/05/2014).

No caso, o esposo da autora apresenta registro de vínculo de emprego no CNIS entre 1974 e 1994, com remuneração superior a dois salários-mínimos. A partir de 30/11/1994 recebe aposentadoria por tempo de contribuição, com proventos atuais de R$ 4.487,60, também superiores a dois salários-mínimos (evento 17, CNIS2 e evento 17, INFBEN3 ).

​Neste contexto, eventual atividade rural exercida pela autora teria o condão, apenas, de complementar a renda familiar.

Reitero. A remuneração urbana do marido, superior a dois salários-mínimos, descaracteriza a qualidade de segurada especial, não sendo possível a concessão do benefício pretendido, de acordo com o conjunto probatório carreado aos autos.

Além dessa renda, depreende-se que a autora arrendava 76.000,00m2, cerca de metade da área rural de 151.845,00m2, a Marcos Paulo Gobbi, parceiro rural, para o plantio e cultivo de arroz, em lavoura mecanizada, de acordo com instrumento de contrato de parceria agrícola, firmado em 06 de agosto de 2007, com vigência até 06/08/2017 (evento 10, RESPOSTA1, p. 26-27). Nesse sentido, convergiu a prova testemunhal (evento 46, VIDEO4, evento 46, VIDEO5 e evento 46, VIDEO6).

Anoto que a proteção previdenciária destina-se primordialmente ao pequeno agricultor, que tira da terra o sustento da família e realiza a venda/permuta do excedente, mesmo que de modo informal.

No caso em exame, não há como considerar a parte autora como segurado especial, categoria que é legalmente dispensada do recolhimento das contribuições previdenciárias para a concessão de benefícios, em face das dificuldades inerentes à vida do pequeno produtor rural.

Logo, não há que se falar na concessão do benefício de aposentadoria pretendido.

Honorários Sucumbenciais

Considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do CPC, majoro a verba honorária para 12%, mantida a suspensão por conta da justiça gratuita deferida.

Prequestionamento

No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da autora.



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5005814-20.2019.4.04.7201
40004544020.V64


Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:23.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005814-20.2019.4.04.7201/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: MARIA BENTA GADOTTI (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA TESTEMUNHAL. INOCORRÊNCIA. aposentadoria por idade rural. CARÊNCIA. ATIVIDADE URBANA EXERCIDA PELO ESPOSO no período. RENDA SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS-MÍNIMOS. BENEFÍCIO INDEVIDO.

1. O juiz é o destinatário da prova e cabe somente a ele, nos termos do art. 480 do CPC, aferir sobre a necessidade ou não da sua realização.

2. Caso em que a realização da prova testemunhal se mostrou desnecessária em face da utilização de prova emprestada, regulamente produzida, sob o crivo do contraditório e ampla defesa.

3. A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

4. Não basta o trabalho campesino para configurar a condição de segurada especial da Previdência Social. Para tanto, tal labor deve ser imprescindível e preponderante para o sustento familiar, mesmo existente outra fonte de renda.

5. Hipótese em que o trabalho rural exercido pela autora consistia em complementação à renda familiar, haja vista a percepção pelo esposo de remuneração superior a dois salários mínimos, decorrente do exercício de atividade urbana.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de julho de 2024.



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5005814-20.2019.4.04.7201
40004546443 .V8


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/07/2024 A 10/07/2024

Apelação Cível Nº 5005814-20.2019.4.04.7201/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS

APELANTE: MARIA BENTA GADOTTI (AUTOR)

ADVOGADO(A): JEAN MICHEL POSTAI DE SOUZA (OAB SC029984)

ADVOGADO(A): GEORGE WILLIAN POSTAI DE SOUZA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/07/2024, às 00:00, a 10/07/2024, às 16:00, na sequência 670, disponibilizada no DE de 24/06/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA AUTORA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2024 04:01:23.

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