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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. ASPECTO SOCIOECONÔMICO. COMPROVAÇÃO. TRF4. 5000936-14.2022.4.04...

Data da publicação: 22/12/2023, 15:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. ASPECTO SOCIOECONÔMICO. COMPROVAÇÃO. 1. É devido o benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. O art. 20, §2º da LOAS introduzido pela Lei 12.470/2011, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. 3. Os requisitos da incapacidade e sócio-econômico, a partir da alteração do artigo 20 da LOAS em 2011, passaram a ser tratados como aspectos integrantes e correlacionados de um mesmo pressuposto para a concessão do benefício de prestação continuada. 4. É possível a aferição da vulnerabilidade da pessoa com deficiência ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, isso porque reconhecida a inconstitucionalidade deste critério legal objetivo (Recurso Extraordinário 567.985 submetido à repercussão geral). (TRF4, AC 5000936-14.2022.4.04.7115, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 14/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000936-14.2022.4.04.7115/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

APELANTE: MARILISE MARQUES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MARLI MARQUES SZEREGA (Curador) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra a sentença (evento 90, SENT1), publicada na vigência do Código de Processo Civil de 2015 em que foi julgado parcialmente procedente o pedido, com dispositivo de seguinte teor:

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na inicial, nos termos do art. 487, I, do Código de Processo Civil, para os efeitos de:

1) CONDENAR o INSS a conceder o benefício assistencial de prestação continuada, em favor da parte autora, desde o dia 09/01/2023 (DIB), observando-se as revisões periódicas;

2) CONDENAR o INSS ao pagamento referente às parcelas vencidas (a partir de 09/01/2023 até a DIP - ora fixada na data da efetiva implantação do benefício pelo INSS), atualizadas monetariamente e acrescidas de juros moratórios nos termos da fundamentação.

As prestações vincendas deverão ser pagas na via administrativa, reportando-se à data imediatamente posterior à efetiva implantação do benefício.

Condeno o INSS a ressarcir os honorários das perícias realizadas no feito a favor da Justiça Federal de 1ª Instância da Seção Judiciária do RS.

Defiro a tutela provisória, para determinar que o INSS, no prazo padronizado junto ao sistema EPROC, conforme ato administrativo do TRF4, implante o benefício assistencial em favor da parte autora, devendo comprovar o cumprimento da medida em tal lapso.

Considerando a sucumbência, que reputo recíproca, condeno cada uma das partes ao pagamento dos honorários advocatícios da ex adversa, a serem calculados de acordo com o patamar mínimo estabelecido nos incisos do § 3º do art. 85 do CPC, quando da liquidação da presente sentença, em conformidade com o art. 85, § 4º, II, do CPC, respondendo cada uma por 50% (cinquenta por cento) dessa verba, sendo vedada a sua compensação conforme art. 85, § 14, também do CPC/2015. Saliente-se, contudo, que a condenação compreende as parcelas vencidas até a data da prolação desta sentença, na forma da Súmula nº 111 do STJ e Súmula 76 do TRF da 4ª Região. Ressalto que tal valor, no que diz respeito ao tocante devido pela parte autora, resta suspenso em virtude dos efeitos da gratuidade da justiça deferida.

Não cabe condenação do réu em custas processuais, porque inexistente adiantamento pela parte autora, bem como à vista da sua isenção legal (artigo 4º, inciso I, da Lei n° 9.289/96).

Sentença dispensada do reexame necessário.

Alega a parte autora em seu apelo que estão presentes os pressupostos à concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência, a partir da DER 13/01/2017, porquanto demonstrado o impedimento de longo prazo, bem como a situação de vulnerabilidade social do grupo familiar. Assim, requer provimento do recurso, com a retroação da DIB.

Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.

O MPF ofertou parecer pelo desprovimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Benefício assistencial à pessoa com deficiência

Os critérios de concessão do benefício assistencial estão previstos na Lei nº 8.742/1993, que assim dispõe:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

§ 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia.

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.

§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento.

(...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

(...)

Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:.

I – o grau da deficiência;.

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e.

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida..

§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento..

§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo..

§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei..

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.

Consoante se depreende da leitura desses dispositivos legais, a avaliação atinente ao impedimento de longo prazo da pessoa com deficiência deve ser feita considerando mais do que as condições médico-biológicas do requerente.

Incorporando o significado de pessoa com deficiência já previsto na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (promulgada pelo Decreto 6.949, de 25 de agosto de 2009), a nova redação dada ao artigo 20, §2º da LOAS pela Lei 12.470/2011 passou a associar o conceito de incapacidade a "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas", do que se infere que a análise dos requisitos ao benefício deve alcançar fatores sociais, ambientais e familiares cuja influência seja tão negativa no desempenho da pessoa a ponto de impedir sua inserção na sociedade em igualdade de condições com os demais.

Há que se ponderar sobre a história de vida do requerente, seu contexto social e familiar, estabelecendo-se como premissa um conceito ampliado de impedimento de longo prazo, que traduza a situação capaz de comprometer a funcionalidade do indivíduo na tentativa de prover o próprio sustento, quando não há também a possibilidade de tê-lo provido pelos seus familiares.

A nova legislação não tratou separadamente os requisitos da incapacidade e socioeconômico, mas tomando-os como aspectos integrantes e correlacionados de um mesmo pressuposto para a concessão do benefício de prestação continuada.

Do aspecto socioeconômico

O art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.

No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto, cabendo a análise da situação de necessidade à luz das circunstâncias em concreto.

Reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, avaliar os aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família.

Quanto ao parágrafo único do art. 34, que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte que violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de pessoa com deficiência ou de qualquer outro previdenciário. Em consequência, o STF afastou a restrição, com o que, qualquer benefício previdenciário ou assistencial, de até um salário mínimo, não deve ser considerado na renda familiar per capita.

Do caso concreto

A questão cinge-se à concessão do benefício assistencial à pessoa com deficiência a partir de DER 13/01/2017.

Realizado o laudo pericial judicial em 09/11/2022, constatou o perito, especialista em psiquiatria, que a autora apresenta - F20.3 - Esquizofrenia indiferenciada. Reconheceu a incapacidade total e permanente.

De acordo com o perito:

Conclusão: com incapacidade permanente para toda e qualquer atividade

- Justificativa: Há incapacidade total e permanente.

A autora é portadora de quadro compatível com o diagnóstico de esquizofrenia, com sintomas graves, havendo evidência de prejuízo maior em sua capacidade de autonomia, de organização, de tomada de decisões e de juízo crítico.


Há presença de características, do ponto de vista psiquiátrico, que possa ser enquadrada no conceito de deficiência, nos termos do art. 4º do Decreto nº 3.298/99, do art. 4º do decreto 6.214/07 ou do art. 20 da lei 8.742/93, havendo impedimento de longo prazo de natureza mental, obstruindo sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. A avaliação conforme a CIF se enquadra no código b139.3, havendo prejuízo no domínio mental.
Está em tratamento psiquiátrico regular e adequado.

Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas:

DID: meados de 2014

DII: 01/2020
A parte autora esteve incapaz de forma permanente desde 01/2020.
Não há necessidade de acompanhamento de terceiros.Há incapacidade para atos da vida civil.

Não há possibilidade de reabilitação.

A doença é a mesma ou se vincula àquela que levou ao requerimento do benefício na esfera administrativa.

O quadro clínico permanece inalterado desde a data do requerimento administrativo.

Essa doença implica impedimentos que geram limitações para o desempenho de atividade laborativa e restringe a participação social em igualdade de condições com as demais pessoas.

O impedimento observado ocasiona a incapacidade para as atividades (laborativas ou próprias da faixa etária) pelo prazo mínimo de dois anos, havendo chance de se estender por prazo mais longo.

A moléstia não demanda utilização de produtos / equipamentos especiais.

A incapacidade não teve origem em acidente de qualquer natureza.

- DII - Data provável de início da incapacidade: 01/2020

- Data a partir da qual foi possível constatar que a incapacidade era permanente: 01/2020

- Justificativa: A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.

- Há necessidade de acompanhamento permanente de terceiros? NÃO

- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? SIM

- O(a) examinado(a) é capaz de administrar os valores mensais necessários à subsistência cotidiana? NÃO

- O(a) examinado(a) é capaz de administrar os valores que vier a receber a título de atrasados? NÃO

- A incapacidade de administração é temporária ou permanente? Permanente

No caso, o perito judicial apontou o início da incapacidade permanente em janeiro de 2020. Assim, cabível fixar o impedimento de longo prazo da pessoa com deficiência partir de janeiro/2020.

Cumpre ressaltar que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora o juiz não fique adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente feito, porquanto não há documentos, tampouco laudo administrativo demonstrando o impedimento de longo prazo a partir 13/01/2017, como pretende a parte autora.

A evolução do marco normativo aplicável à pessoa com deficiência tornou necessária a avaliação conjunta dos indicadores de renda e de deficiência, para se avaliar em que medida comprometem, em interação com uma ou mais barreiras, a participação plena e efetiva da parte requerente na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

De acordo com a perícia social (evento 59, PERÍCIA1) realizada em 09/01/2023, o grupo familiar é composto pela autora, seu irmão Daniel Marques (24 anos de idade) e a genitora (65 anos de idade). A autora tem um filho que reside com o pai. O irmão da autora não é alfabetizado, é pessoa com deficiência e frequentou APAE.

​O grupo familiar reside em casa própria, de construção mista, guarnecida com móveis e eletrodomésticos básicos e desgastados pelo uso. As condições de habitabilidade da moradia são precárias, conforme o registro fotográfico (evento 59, PERÍCIA1, p. 3).

​​​A renda mensal auferida pela autora é proveniente de programa de transferência de renda, na importância de R$ 600,00. A mãe da demandante recebe um benefício de pensão por morte, no valor de um salário mínimo. As despesas mensais da família perfazem o valor de R$ 900,00, aproximadamente, com alimentação, água, energia elétrica, telefone, internet. Recebem doação de roupas.

Portanto, considerando que a renda mensal percebida pela autora não deve ser considerada na renda bruta do grupo familiar, porquanto decorre de programa social, e a mãe da demandante é pessoa com idade avançada que também demanda cuidados com a saúde, bem como o irmão da autora, fica caracterizada a vulnerabilidade social do grupo familiar, que subsiste sob a dependência da genitora.

Ademais, o direito ao benefício de prestação continuada não pressupõe a verificação de um estado de pobreza extremo - bastando estar demonstrada a insuficiência de meios para o beneficiário, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

​Assim, o ​ conjunto probatório é apto a demonstrar a necessidade do benefício assistencial, que contribuirá, ainda que de forma insuficiente, para diminuir as barreiras para que a parte autora possa participar da vida social.

A propósito, a percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.

Em relação à data de início do benefício, em que pese a perícia social tenha sido realizada somente 2023, há nos autos declaração da composição do grupo familiar e da ausência de renda auferida, datada de março de 2017, bem como o cadastro único para programas sociais atualizado em janeiro/2016, informando renda per capita R$ 150,00, porquanto incluído o filho da demandante, que recebia pensão alimentícia de R$ 300,00.

Assim, reconhecido o impedimento de longo prazo da pessoa com deficiência, é cabível reconhecer o direito à concessão do benefício a partir de 01/01/2020.

Dessa forma, deve ser reformada em parte a sentença a fim de conceder o benefício desde a data de 01/01/2020.

Consectários e provimentos finais

- Correção monetária e juros de mora

A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).

- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.

Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.

Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.

Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).

Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.

Honorários Advocatícios

Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.

Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas vencidas, e tendo presente que o valor da condenação não excederá de 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ser fixados originariamente em 10% sobre as parcelas vencidas, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC. Conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça, a verba honorária deve incidir sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão).

Tutela específica - implantação do benefício

Considerando o teor do extrato do Sistema PLENUS acostado ao evento 116, INFBEN1, deixa-se de determinar a implantação do benefício.

Conclusão

Parcialmente provida a apelação da parte autora para conceder o benefício assistencial à pessoa com deficiência a partir de 01/01/2020. Nos demais pontos, mantida a sentença.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora.



Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004186013v28 e do código CRC 135358c4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 14/12/2023, às 14:3:29


5000936-14.2022.4.04.7115
40004186013.V28


Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:06.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000936-14.2022.4.04.7115/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

APELANTE: MARILISE MARQUES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MARLI MARQUES SZEREGA (Curador) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. impedimento de longo prazo. ASPECTO SOCIOECONÔMICO. COMPROVAÇÃO.

1. É devido o benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência e ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. O art. 20, §2º da LOAS introduzido pela Lei 12.470/2011, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

3. Os requisitos da incapacidade e sócio-econômico, a partir da alteração do artigo 20 da LOAS em 2011, passaram a ser tratados como aspectos integrantes e correlacionados de um mesmo pressuposto para a concessão do benefício de prestação continuada.

4. É possível a aferição da vulnerabilidade da pessoa com deficiência ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, isso porque reconhecida a inconstitucionalidade deste critério legal objetivo (Recurso Extraordinário 567.985 submetido à repercussão geral).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 13 de dezembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004186014v4 e do código CRC 5781f8bc.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 14/12/2023, às 14:3:29


5000936-14.2022.4.04.7115
40004186014 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:06.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/12/2023 A 13/12/2023

Apelação Cível Nº 5000936-14.2022.4.04.7115/RS

RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM

APELANTE: MARILISE MARQUES (Relativamente Incapaz (Art. 4º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELANTE: MARLI MARQUES SZEREGA (Curador) (AUTOR)

ADVOGADO(A): CELSO JOSÉ BRAUN RIBEIRO (OAB RS074504)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/12/2023, às 00:00, a 13/12/2023, às 16:00, na sequência 961, disponibilizada no DE de 24/11/2023.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:06.

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