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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PERÍODO ANTERIOR AOS 12 ANOS. CONJUNTO PROBATÓRIO DESFAVOR...

Data da publicação: 04/09/2024, 07:01:10

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PERÍODO ANTERIOR AOS 12 ANOS. CONJUNTO PROBATÓRIO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 DO STJ. 1. O art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, exige a apresentação de início de prova material para o reconhecimento do tempo rural. Ainda, a Súmula 149 do STJ confirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário. 2. Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial. Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração. 3. O conjunto probatório indica que até seus 12 anos a parte autora realizava atividades próprias da idade, como o estudo. Logo, eventual trabalho rural realizado não tem o condão de caracterizar a condição de segurado especial. 4. Hipótese em que não foram apresentados elementos de prova materiais suficientes ao reconhecimento do exercício de atividade rural pela parte autora no período posterior aos 12 anos de idade. 4. Ante a ausência de início de prova material do trabalho rural, aplica-se o Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, em que firmada a tese de que a ausência de conteúdo probatório eficaz para instruir o pedido implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários. (TRF4, AC 5003192-65.2019.4.04.7007, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 28/08/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003192-65.2019.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: ADELAR BINSFELD (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta pelo autor em face de sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos, nos seguintes termos (evento 40, SENT1):

Ante o exposto, julgo parcialmente procedente o pedido, dando por resolvido o mérito da causa (art. 487, I, do CPC). Como consequência, condeno o INSS a averbar, como tempo de serviço urbano o período de 03/09/1986 a 31/12/1986.

O recorrente sustenta, preliminarmente, que deve ser afastada a prescrição quinquenal, uma vez que não foi comunicado acerca do indeferimento administrativo do pedido. No mérito, alega ser possível o cômputo do tempo de atividade rural anterior aos 12 anos. Aduz que juntou início de prova material suficiente, corroborado pelas provas testemunhais, do exercício do labor rural no intervalo de 15/01/1974 a 31/05/1980. Requer a averbação do período, bem como a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição desde a DER (evento 46, APELAÇÃO2).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Prescrição Quinquenal

Com relação à prescrição, deve ser observado o contido na Súmula 85 do Superior Tribunal de Justiça:

Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação.

Na hipótese, o benefício foi indeferido em 28/07/2012 e houve ciência da decisão em 24/08/2012, data em que os documentos retidos pelo INSS foram devolvidos ao segurado (evento 1, PROCADM7, p. 17). Logo, ajuizada a ação em 05/09/2019, prescritas as parcelas anteriores a 05/09/2012.

Mérito

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

De ressaltar que a ausência de notas fiscais de comercialização de gêneros agrícolas não impede o reconhecimento de atividade rural como segurado especial, não apenas porque a exigência de comercialização dos produtos não consta da legislação de regência, mas também porque, num sistema de produção voltado para a subsistência, é normal que a venda de eventuais excedentes aconteça de maneira informal (TRF4, 3ª Seção, EIAC 199804010247674, DJU 28/01/2004, p. 220).

Tempo Rural Anterior aos 12 Anos de Idade

É certo que a Sexta Turma do Tribunal Regional da 4ª Região, no julgamento proferido na Ação Civil Pública 5017267-34.2013.404.7100/RS, decidiu pela possibilidade do cômputo de período de trabalho realizado antes dos doze anos de idade.

Extrai-se da ementa do acórdão:

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA MOVIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARA AFASTAR A IDADE MÍNIMA PREVISTA NO ART. 11 DA LEI 8.213/91 PARA FINS DE RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO E DE CONTRIBUIÇÃO. INTERESSE DE AGIR DO MPF. RECONHECIMENTO. EFEITOS JURÍDICOS DA SENTENÇA. ABRANGÊNCIA NACIONAL DA DECISÃO PROLATADA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 16 DA LEI. 7.347/85. INTERPRETAÇÃO DO ART. 7º, XXXIII DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TRABALHO INFANTIL X PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA. REALIDADE FÁTICA BRASILEIRA. INDISPENSABILIDADE DE PROTEÇÃO PREVIDENCIÁRIA ÀS CRIANÇAS. POSSIBILIDADE DE SER COMPUTADO PERÍODO DE TRABALHO SEM LIMITAÇÃO DE IDADE MÍNIMA. ACP INTEGRALMENTE PROCEDENTE. JULGAMENTO PELO COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942 DO CPC. RECURSO DO MPF PROVIDO. APELO DO INSS DESPROVIDO.

[...]

4. Mérito. A limitação etária imposta pelo INSS e que o Ministério Público Federal quer ver superada tem origem na interpretação que se dá ao art. 7º, XXXIII da Constituição Federal, que veda qualquer trabalho para menores 16 anos, salvo na condição de aprendiz. 5. Efetivamente, a aludida norma limitadora traduz-se em garantia constitucional existente em prol da criança e do adolescente, vale dizer, norma protetiva estabelecida não só na Constituição Federal, mas também na legislação trabalhista, no ECA (Lei 8.079/90) em tratados internacionais (OIT) e nas normas previdenciárias. 6. No entanto, aludidas regras, editadas para proteger pessoas com idade inferior a 16 anos, não podem prejudicá-las naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional e legal, efetivamente, trabalharam durante a infância ou a adolescência. 7. Não obstante as normas protetivas às crianças, o trabalho infantil ainda se faz presente no seio da sociedade. São inúmeras as crianças que desde tenra idade são levadas ao trabalho por seus próprios pais para auxiliarem no sustento da família. Elas são colocadas não só em atividades domésticas, mas também, no meio rural em serviços de agricultura, pecuária, silvicutura, pesca e até mesmo em atividades urbanas (vendas de bens de consumos, artesanatos, entre outros). 8. Além disso, há aquelas que laboram em meios artísticos e publicitários (novelas, filmes, propagandas de marketing, teatros, shows). E o exercício dessas atividades, conforme a previsão do art. 11 da Lei nº 8.213/91, enseja o enquadramento como segurado obrigatório da Previdência Social. 9. É sabido que a idade mínima para fins previdenciários é de 14 anos, desde que na condição de aprendiz. Também é certo que a partir de 16 anos o adolescente pode obter a condição de segurado com seu ingresso no mercado de trabalho oficial e ainda pode lográ-lo como contribuinte facultativo. 10. Todavia, não há como deixar de considerar os dados oficiais que informam existir uma gama expressiva de pessoas que, nos termos do art. 11 da LBPS, apesar de se enquadrarem como segurados obrigatórios, possuem idade inferior àquela prevista constitucionalmente e não têm a respectiva proteção previdenciária. 11. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) no ano de 2014, o trabalho infantil no Brasil cresceu muito em comparação com os anos anteriores, quando estava em baixa. 12. E, de acordo com o IBGE, no ano de 2014 havia 554 mil crianças de 5 a 13 anos trabalhando. Na atividade agrícola, nesta mesma faixa etária, no ano de 2013 trabalhavam 325 mil crianças, enquanto no ano de 2014 passou a ser de 344 mil, um aumento de 5,8%. Já no ano de 2015, segundo o PNAD (IBGE) houve novamente uma diminuição de 19,8%. No entanto, constatou-se o aumento de 12,3% do 'trabalho infantil na faixa entre 5 a 9 anos'. 13. O Ministério do Trabalho e Previdência Social - MPTS noticia que em mais de sete mil ações fiscais realizadas no ano de 2015, foram encontradas 7.200 crianças em situação de trabalho irregular. Dos 7.200 casos, 32 crianças tinham entre 0 e 4 - todas encontradas no Amazonas. Outras 105 estavam na faixa etária de 5 a 9 anos e foram encontradas, também, no Amazonas (62) e nos estados de Pernambuco (13), Pará (7) Roraima (5), Acre (4) Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul (3 em cada Estado), Bahia e Sergipe (2 em cada Estado). Na Paraíba, Rio de Janeiro, Rondônia e Tocantins encontrou-se uma criança em cada Estado com essa faixa etária de 5 a 9 anos. 14. Insta anotar que a realidade fática revela a existência de trabalho artístico e publicitário com nítido objetivo econômico e comercial realizados com a autorização dos pais, com a anuência do Poder Judiciário, de crianças recém nascidas, outras com 01, 2, 3, 4 e 5 anos de idade. Aliás, é possível a proteção previdenciária nesses casos? No caso de eventual ocorrência de algum acidente relacionado a esse tipo de trabalho, a criança teria direito a algum benefício previdenciário, tal como o auxílio acidente? 15. No campo da seguridade social extrai-se da norma constitucional (art. 194, parágrafo único) o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento que preconiza que a proteção social deve alcançar a todos os trabalhadores do território nacional que dela necessitem. Por corolário lógico, incluem-se nessa proteção social aquelas crianças ou adolescentes que exerceram algum tipo de labor. 16. A despeito de haver previsão legal quanto ao limite etário (art. 13 da Lei 8.213/91, art. 14 da Lei 8.212/91 e arts. 18, § 2º do Decreto 3.048/99) não se pode negar que o trabalho infantil, ainda que prestado à revelia da fiscalização dos órgãos competentes, ou mediante autorização dos pais e autoridades judiciárias (caso do trabalho artístico e publicitário), nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT, configura vínculo empregatício e fato gerador do tributo à seguridade, nos termos do inciso I do art. 195 da Constituição Federal. 17. Assim, apesar da limitação constitucional de trabalho do infante (art. 157, IX da CF/46, art. 165, X da CF/67 e art. 7º, XXIII, da CF/88), para fins de proteção previdenciária, não há como fixar também qualquer limite etário, pois a adoção de uma idade mínima ensejaria ao trabalhador dupla punição: a perda da plenitude de sua infância em razão do trabalho realizado e, de outro lado, o não reconhecimento, de parte do INSS, desse trabalho efetivamente ocorrido. 18. Ressalte-se, contudo, que para o reconhecimento do trabalho infantil para fins de cômputo do tempo de serviço é necessário início de prova material, valendo aquelas documentais existentes em nome dos pais, além de prova testemunhal idônea. 19. Desse modo, para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, mostra-se possível ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja sem a fixação de requisito etário. 20. Recurso do INSS desprovido. Apelação do MPF provida. (TRF4, AC 5017267-34.2013.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora para Acórdão SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, juntado aos autos em 12/04/2018) - Sem grifos no original.

Depreende-se da leitura do julgado que o objetivo é proteger a criança que, não obstante a proibição constitucional e legal de trabalho infantil, efetivamente exerceu atividade laborativa para auxiliar no sustento familiar, em detrimento das atribuições próprias da idade, incluindo estudo e lazer.

No entanto, não é possível confundir o labor infantil com o mero auxílio prestado pelos filhos aos pais, sem prejuízo da alfabetização e das demais atividades inerentes à faixa etária.

Não se olvida que em algumas regiões do País, em casos específicos, são impostas às crianças rotinas de trabalhos equivalentes às de um adulto, situação que, então, pode ensejar a vinculação à Previdência Social e o reconhecimento do tempo de serviço.

Trata-se, porém, de situação excepcional, que não corresponde à realizada comumente vivenciada no meio rural, principalmente na região sul do País.

Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial.

Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.

É preciso também que essa criança tenha sido exigida a ponto de não conseguir frequentar regularmente a escola local ou dispor de momentos de lazer, para convivência com outras crianças da mesma localidade ou com a própria família.

Disso tudo, parece claro que a análise do tempo rural anterior aos 12 anos não se resume à apresentação de início de prova material em nome dos pais e testemunhos genéricos acerca da vinculação da família ao meio rural.

Do Caso Concreto

O ponto controvertido cinge-se ao reconhecimento do tempo rural no intervalo de 15/01/1974 (10 anos) a 31/05/1980, anterior ao primeiro vínculo de emprego que consta no CNIS (evento 3, CNIS4), mantido de 01/06/1980 a 30/11/1984.

A sentença não reconheceu o exercício de atividade rural pela parte autora no intervalo em questão, pelas seguintes razões:

Dentre os documentos apresentados, destacam-se os seguintes para o período controvertido:

- Certidão do Registro de Imóveis constando que uma chácara com 2,45 ha localizada no município de Planalto-Pr foi adquirida pelo pai do autor, Inacio Biensfeld em 15.09.1970;

- Escritura pública de permuta de imóveis urbanos de valores iguais por meio da qual o pai do autor permuta com outro, uma chácara localizada no município de PlanaltoPR, datada de 15.09.1970;

- Cópia da matrícula da área de 2,45 ha localizada em Planalto-Pr, de propriedade do pai do autor, constando a inclusão em área urbana e posterior subdivisão, em junho de 2006;

- Certidão do INCRA constando que em nome de Inacio Binsfeld foi cadastrada área de 2,4 ha localizada no município de Planaltor-PR no período de 1972 a 2011;

- Histórico escolar do autor, comprovando que frequentou escolas do município de Planalto-Pr nos anos de 1972 a 1981.

Prova oral

A prova oral foi produzida em audiência perante este juízo. O resumo dos depoimentos segue abaixo.

Em síntese, o autor afirmou ter trabalhado como agricultor desde criança em imóvel rural de seus familiares no interior do município de PlanaltoPR. Nessa época, a propriedade da família tinha pouco mais de um alqueire e a produção se destinava principalmente para o consumo da família. Depois, por volta de dezoito ou dezenove anos, deixou da propriedade da família para trabalhar como instrutor do plantio de fumo. Declarou que sua família sobrevivia somente da renda auferida com a atividade agrícola. Disse que não havia contratação permanente de mão de obra de terceiros.

As testemunhas confirmaram ter conhecido o autor ainda criança, no interior do município de Planalto-PR. Arifmaram que a família era proprietária de pequna área de terras de um ou dois alqueires cultivados manualmente. Confirmaram que o trabalho foi realizado em regime de economia familiar, ressaltando, ademais, a inexistência de contratação de empregados eventuais ou permanentes, em todo o período controvertido.

Análise da prova

Relativamente ao pedido de averbação da atividade rural realizada desde os dez anos de idade (15/01/1974), não obstante os posicionamentos da Turma Nacional de Uniformização bem como os precedentes do Superior Tribunal de Justiça quanto ao ponto, entendo que o pedido, no caso em apreço, não merece prosperar.

Embora reconheça a necessidade de preservar, na essência, o caráter protecionista do limite legal para a atividade do menor, entendo que ainda na infância, a criança não possui vigor físico suficiente para o exercício pleno da atividade rural, sendo que a sua participação, ainda que comum, deve ser considerada como auxílio, apresentando caráter limitado, o que não configura o efetivo labor rural a ponto de justificar o acolhimento da pretensão.

A prova testemunhal revela que a parte autora morava com seus pais e tres irmãos. Os pais possuíam função ativa na produção rural, sendo certo que era o demandante quem dependia dos pais e não o contrário. Além disso, observa-se que o demandante dedicava parte do seu tempo aos estudos e a brincadeiras inerentes a sua idade. Tais dados corroboram o caráter de mero auxílio de eventual labor rurícola desenvolvido pela demandante no período em questão. Não havia, portanto, essencialidade no trabalho, que não pode ser presumido.

Assim, entendo razoável o critério instituído quanto ao reconhecimento da atividade rurícola apenas a partir dos doze anos de idade, por considerar que somente então a pessoa está apta a desenvolver as atividades rurais contribuindo razoavelmente com o seu labor para o desenvolvimento do grupo familiar.

No caso dos autos, porém, mesmo em relação ao pedido posterior aos quatorze anos de idade, entendo que o pedido do autor não merece prosperar.

Como o autor defende que a família dependia exclusivamente da agricultura para sobreviver, seria exigível, então, que apresentasse provas concretas sobre a vida no campo. Isso porque é natural que o agricultor formalize alguns eventos do cotidiano, indicando que explora a atividade rural, como ocorre com as notas fiscais apontando que comercializa produtos agrícolas.

No caso dos autos, os documentos apresentados indicam que durante todo o período em questão, o pai do autor manteve a propriedade de pequena área de terras - chácar urbana, que media aproximadamente 2,4 hectares.

Embora comprovada a pequena propriedade da família e também a atividade rurícola, os elementos constantes dos autos também indicam a existência de outra fonte de renda no grupo familiar.

Nesse sentido, observa-se que o pai do autor possuía uma empresa atuando no ramo de serraria ou madeireira desde 1972. O requerimento administrativo do benefício previdenciário concedido ao irmão do demandante (Ilson Binsfeld - evento 16), por sua vez, indica que ele foi empregado da empresa de seu pai a partir de junho de 1977 como motorista, sendo que o autor também foi empregado da referida empresa no período posterior a junho de 1980, na condição de servente.

No caso em apreço, considerando o tamanho da área da família e sua localização, e ainda, que a empresa do pai do autor mantinha-se ativa durante o período, tanto é que possuía empregados, forçoso concluir que a renda proveniente da agricultura, se de fato existia, não era a principal fonte de recursos que mantinha a família do demandante.

Desta forma, inviável o reconhecimento pretendido vez que os dados apontados indicam que o sustento familiar não era viabilizado com o trabalho rural, restando, por conseguinte, desqualificado o exercício de atividade em regime de economia familiar.

Nesse contexto, julgo improcedente o pedido de reconhecimento do exercício de atividade rural pela parte autora entre 15/01/1974 a 31/05/1980.

Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou os documentos mencionados na sentença (evento 1, PROCADM4, p. 2-12 e 16).

Com relação ao período de 15/01/1974 a 14/01/1976, anterior aos 12 anos, ainda que houvesse um eventual auxílio da parte autora na agricultura, o labor exercido não era indispensável para o sustento da família e eventual trabalho prestado se dava em termos de mera colaboração, sem imprescindibilidade para o sustento de todos.

Com efeito, o autor apresentou histórico escolar demonstrando que cursou o ensino fundamental de 1972 e 1981 (​evento 1, PROCADM4​, p. 2), o que reforça que eventual trabalho prestado se dava em termos de mera colaboração, sem imprescindibilidade para o sustento de todos.

Justamente por se tratar de exceção, o trabalho rural infantil, para ser comprovado, demanda conjunto probatório mais consistente, o que não se verifica no presente caso, de modo que não há como ser acolhido o recurso da parte autora.

Quando ao período posterior aos 12 anos de idade, verifica-se que o autor se casou somente em 1988 (evento 1, PROCADM3, p. 16), de modo que anteriormente ao matrimônio pertencia ao núcleo familiar do pai.

Embora os pais do autores tenham sido qualificados como agricultores na Escritura Pública de Permuta de Imóveis Urbanos em 1970 (evento 1, PROCADM4, p. 7) e na ficha de matrícula escolar do irmão do autor em 1973 (evento 1, PROCADM4, p. 37), inexistem documentos probatórios da continuidade do labor agrícola.

Com efeito, não foram apresentados registros civis com a profissão dos genitores ou notas fiscais de venda da produção rural ou de compra de insumos agrícolas.

Além disso, o genitor tinha uma empresa no ramo de atividade de serraria e madeireira, na qual o irmão do autor exerceu a atividade de motorista de caminhão nos períodos de 01/06/1977 a 30/01/1982 e de 02/01/1986 a 28/02/1989 (evento 16, PROCADM1, p. 36). Posteriormente, o próprio autor passou a trabalhar na empresa (10/06/1980 a 31/11/1984), conforme consta do CNIS (evento 3, CNIS4).

Observa-se que as provas colacionadas aos autos estão em nome do genitor e se referem, na maioria, à pequena propriedade rural, não havendo nenhum documento em nome próprio demonstrando efetivo exercício das atividades rurais pelo autor.

Nesse sentido, considerando a tese firmada no Tema 533 do STJ de que "a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana", é inviável o reconhecimento do período de atividade rural pretendido.

Destaco que não houve o reconhecimento de tempo rural em favor do irmão do autor (evento 16, PROCADM2, pp. 42/47), não obstante afirmado o contrário na apelação, e a prova testemunhal não é suficiente, por si só, para comprovar o exercício da atividade campesina.

Ante a ausência de início de prova material do trabalho rural no período de 15/01/1976 a 31/05/1980, aplica-se a tese firmada no Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, de que a ausência de conteúdo probatório eficaz para instruir o pedido implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem a resolução do mérito e a consequente possibilidade de a parte autora intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.

Direito à Aposentadoria

Não obstante o tempo urbano reconhecido na sentença e a existência de contribuições após o requerimento administrativo (evento 3, CNIS4), o autor não preenche os requisitos para o direito à aposentadoria integral, nem mesmo mediante reafirmação da DER.

Honorários Recursais

Não há majoração dos honorários (§ 11 do art. 85 do CPC), pois ela só ocorre se o recurso for integralmente desprovido (Tema STJ 1.059).

Prequestionamento

No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Conclusão

Dado parcial provimento ao recurso para julgar extinto o processo, sem resolução do mérito, em relação ao período de 15/01/1976 a 31/05/1980, de acordo com a tese firmada no Tema 629 do STJ.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento ao recurso do autor.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004592198v18 e do código CRC 8cdda3a8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 7/8/2024, às 19:15:15


5003192-65.2019.4.04.7007
40004592198.V18


Conferência de autenticidade emitida em 04/09/2024 04:01:09.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003192-65.2019.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: ADELAR BINSFELD (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. PERÍODO ANTERIOR AOS 12 ANOS. CONJUNTO PROBATÓRIO DESFAVORÁVEL. AUSÊNCIA DE PROVA MATERIAL CONTEMPORÂNEA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. TEMA 629 DO STJ.

1. O art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, exige a apresentação de início de prova material para o reconhecimento do tempo rural. Ainda, a Súmula 149 do STJ confirma que a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

2. Como regra, o trabalho rural de uma criança de 8, 9, 10, 11 anos de idade, até em razão da compleição física e das habilidades ainda em desenvolvimento, não se apresenta de modo indispensável ou relevante para o sustento da família, a ponto de caracterizar a condição de segurado especial. Por conta disso, para o reconhecimento do tempo rural antes dos 12 anos de idade, a prova deve demonstrar, de forma firme e clara, que o trabalho exercido era imprescindível para o sustento da família, não consistindo em mera colaboração.

3. O conjunto probatório indica que até seus 12 anos a parte autora realizava atividades próprias da idade, como o estudo. Logo, eventual trabalho rural realizado não tem o condão de caracterizar a condição de segurado especial.

4. Hipótese em que não foram apresentados elementos de prova materiais suficientes ao reconhecimento do exercício de atividade rural pela parte autora no período posterior aos 12 anos de idade.

4. Ante a ausência de início de prova material do trabalho rural, aplica-se o Tema 629 do Superior Tribunal de Justiça, em que firmada a tese de que a ausência de conteúdo probatório eficaz para instruir o pedido implica a carência de pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo, impondo sua extinção sem o julgamento do mérito e a consequente possibilidade de o autor intentar novamente a ação, caso reúna os elementos necessários.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso do autor, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 28 de agosto de 2024.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004592199v8 e do código CRC bb7965d1.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 28/8/2024, às 16:20:17


5003192-65.2019.4.04.7007
40004592199 .V8


Conferência de autenticidade emitida em 04/09/2024 04:01:09.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 21/08/2024 A 28/08/2024

Apelação Cível Nº 5003192-65.2019.4.04.7007/PR

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

APELANTE: ADELAR BINSFELD (AUTOR)

ADVOGADO(A): Lidiane Duarte Rech (OAB PR061324)

ADVOGADO(A): CLEVERSON LUIZ RECH (OAB PR062346)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 21/08/2024, às 00:00, a 28/08/2024, às 16:00, na sequência 593, disponibilizada no DE de 12/08/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 04/09/2024 04:01:09.

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