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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. VÍNCULO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. INDISPENSABILIDADE DO LABOR RURAL PARA O SUSTENTO DO GRUPO FAMIL...

Data da publicação: 15/02/2024, 07:17:16

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. VÍNCULO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. INDISPENSABILIDADE DO LABOR RURAL PARA O SUSTENTO DO GRUPO FAMILIAR. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. O fato de um dos membros do grupo familiar ser trabalhador urbano ou titular de benefício previdenciário urbano não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar em relação aos demais membros do grupo familiar. 2. Entretanto, aquele que trabalha em regime individual e possui família somente pode ser considerado segurado especial se comprovar a indispensabilidade do labor rural para a manutenção do seu grupo familiar, devendo necessariamente demonstrar a "relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar", pois "se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a renda proveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais", já que "a produção rural pode se caracterizar como irrelevante para sustento básico da família". 3. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados por força da sucumbência recursal. (TRF4, AC 5046838-15.2020.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 07/02/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5046838-15.2020.4.04.7000/PR

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5046838-15.2020.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: VALDIVIA DE CRISTO LARA (AUTOR)

ADVOGADO(A): MÁRCIO DESSANTI (OAB PR046628)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a averbação de tempo de trabalho rural, com a consequente concessão do benefício de aposentadoria por idade rural.

Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:

III. Dispositivo

Ante o exposto, acolho a prejudicial de prescrição quinquenal, suscitada pelo demandado, e, no mérito propriamente dito, julgo improcedentes os pedidos, nos termos da fundamentação, com fulcro no art. 487, I, do Código de Processo Civil.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas e dos honorários de sucumbência, estes fixados em 10% do valor da causa. O pagamento permanecerá suspenso enquanto perdurar a condição de necessitado (justiça gratuita já deferida no evento 5).

Eventual apelação interposta fica recebida no duplo efeito, desde que tempestiva. Verificado tal requisito, intime-se a parte adversa para contra-arrazoar em quinze dias. Vencido este prazo, remetam-se os autos ao E. TRF4.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Oportunamente, arquivem-se.

A parte autora apela, alegando que comprovou cabalmente o exercício de suas atividades rurais, conforme documentos de prova material carregados nos autos, corroborados pelas autodeclarações anexadas no evento 20 dos autos.

Diz que foi comprovado que suas atividades rurais revertiam em renda em favor da família, revelando o potencial econômico da atividade.

Explica que sempre houve a comercialização dos excedentes da produção, no entanto, em razão da informalidade do trabalho do campo, não havia emissão de notas fiscais regulares.

Aponta que o fato de constar informações no CNIS do marido da apelante, que o mesmo exerceu atividades urbanas e se aposentou nesta condição, não permite a restrição do direito social fundamental da parte autora. Que tal fato não permite sequer a conclusão de que o sustento da família não provinha da atividade rural ou que era “dispensável” para a subsistência do grupo familiar, especialmente porque o INSS não produziu nenhuma prova nos autos capazes de elidir o trabalho rural da autora.

Pede que seja provido o recurso com a consequente reforma da sentença.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

MÉRITO

APOSENTADORIA POR IDADE RURAL

A apreciação de pretensão de concessão de aposentadoria por idade, no caso do trabalhador rural qualificado como segurado especial (inciso VII do artigo 11 da Lei nº 8.213/91), deve ser feita à luz do disposto nos artigos 48, §§ 1º e 2º, 25, II, 26, III e 39, I, da Lei nº 8.213/91.

O artigo 201, inciso II, § 7º da CF assegura a aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 103, de 2019).

Assim, os requisitos para a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais filiados à Previdência à época da edição da Lei nº 8.213/91 são os seguintes: (a) idade mínima de 60 anos para o homem e 55 anos para a mulher (art. 48, § 1.º); e (b) exercício de atividade rural, ainda que descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência exigida nas aposentadorias em geral, independente do recolhimento de contribuições.

Quanto ao ano a ser utilizado para verificação do tempo de atividade rural necessário à obtenção do benefício, nos termos da tabela prevista no artigo 142 da Lei nº 8.213/91, como regra deverá ser aquele em que o segurado completou a idade mínima, desde que até então já disponha de tempo rural suficiente para o deferimento do benefício, sendo irrelevante, neste caso, que o requerimento tenha sido efetuado em anos posteriores, ou que na data do requerimento o segurado não esteja mais trabalhando, em homenagem ao princípio do direito adquirido (Constituição Federal, artigo 5º, XXXVI, e Lei de Benefícios, artigo 102, §1º).

Pode acontecer, todavia, que o segurado complete a idade mínima, mas não tenha o tempo de atividade rural exigido pela lei, observada a tabela do artigo 142 da Lei nº 8.213/91. Neste caso, a verificação do tempo de atividade rural necessária ao deferimento do benefício não poderá mais ser feita com base no ano em que implementada a idade mínima, devendo ser verificado o implemento do requisito "tempo equivalente à carência" progressivamente, nos anos subsequentes ao implemento do requisito etário, de acordo com a tabela do mencionado artigo 142 da Lei de Benefícios.

Em qualquer caso, o benefício de aposentadoria por idade rural será devido a partir da data do requerimento administrativo ou, inexistente este, mas caracterizado o interesse processual para a propositura da ação judicial, da data do respectivo ajuizamento (STF, RE 631.240, com repercussão geral, Plenário, Rel. Ministro Luís Roberto Barroso, julgado em 03/09/2014).

Em se tratando de aposentadoria por idade rural do segurado especial, tanto os períodos posteriores ao advento da Lei n.º 8.213/91 como os anteriores podem ser considerados sem o recolhimento de contribuições.

Oportuno registrar o entendimento do STJ sobre o exercício da atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.354.908/SP, vinculado ao Tema nº 642, representativo de controvérsia, assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. COMPROVAÇÃO DA ATIVIDADE RURAL NO PERÍODO IMEDIATAMENTE ANTERIOR AO REQUERIMENTO. REGRA DE TRANSIÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 143 DA LEI 8.213/1991. REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS DE FORMA CONCOMITANTE. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Tese delimitada em sede de representativo da controvérsia, sob a exegese do artigo 55, § 3º combinado com o artigo 143 da Lei 8.213/1991, no sentido de que o segurado especial tem que estar laborando no campo, quando completar a idade mínima para se aposentar por idade rural, momento em que poderá requerer seu benefício. Se, ao alcançar a faixa etária exigida no artigo 48, § 1º, da Lei 8.213/1991, o segurado especial deixar de exercer atividade rural, sem ter atendido a regra transitória da carência, não fará jus à aposentadoria por idade rural pelo descumprimento de um dos dois únicos critérios legalmente previstos para a aquisição do direito. Ressalvada a hipótese do direito adquirido em que o segurado especial preencheu ambos os requisitos de forma concomitante, mas não requereu o benefício. 2. Recurso especial do INSS conhecido e provido, invertendo-se o ônus da sucumbência. Observância do art. 543-C do Código de Processo Civil (REsp 1354908/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09/09/2015, DJe 10/02/2016. (Grifou-se.)

Da demonstração da atividade rural

O tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, considerando-se como tal os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade rural, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida, exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/1991, Súmula nº 149 do STJ e REsp nº 1.321.493/PR, Rel. Ministro Herman Benjamin, 1ª Seção, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012 (recurso representativo da controvérsia). Ainda que o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo.

Não se exige prova documental plena da atividade rural de todo período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas início de prova material (como notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, etc.), que juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.

Ademais, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016) que 'É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.'

Além disso, as certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar (STJ, AgRg no AREsp 31.676/CE, Quinta Turma, Rel.Ministro Gilson Dipp, julgado em 28/08/2012).

No entanto, segundo precedente do Superior Tribunal de Justiça em recurso repetitivo, embora possível para fins de comprovação da atividade rural, a extensão de prova material em nome de um dos membros do núcleo familiar a outro, a extensibilidade da prova fica prejudicada no caso de o cônjuge em nome do qual o documento foi emitido passar a exercer labor incompatível com o trabalho rural, como no meio urbano (STJ, RESP 1.304.479/SP, Primeira Seção, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 10/10/2012).

Por outro lado, comprovado o desempenho de atividade rural por meio de documentos em nome do segurado ou de ente familiar que permaneça na lida rural, corroborado por prova testemunhal, o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais. Assim, o fato por si só do cônjuge ter exercido labor urbano e hoje perceber aposentadoria de origem urbana ou permanecer trabalhando em atividade que não a rural, não afasta a condição de segurado especial, da parte interessada, desde que esta disponha de início de prova material independente do cônjuge.

A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:

a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);

b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;

c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;

d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.

Trabalhador rural "boia-fria"

O INSS alega que o trabalhador boia-fria não pode ser considerado segurado especial e sim contribuinte individual, devendo efetuar o recolhimento de sua contribuição previdenciária.

Contudo, tal diferenciação já foi há muito superada no âmbito da jurisprudência deste Tribunal, pois o trabalhador rural boia-fria, diarista ou volante se equipara ao segurado especial.

Nesse sentido, os seguintes precedentes (destaquei):

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. BOIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. REAFIRMAÇÃO DA DER. TEMA 995. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CONSECTÁRIOS LEGAIS. TUTELA ESPECÍFICA. 1. A jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) já pacificou o entendimento de que o trabalhador rural bóia-fria deve ser equiparado ao segurado especial, de que trata o art. 11, VII, da 8.213/91, sendo dispensado o recolhimento das contribuições para fins de obtenção do benefício. 2. Tema STJ 995: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir. 3. Em relação ao termo inicial do benefício, tem-se que é devido a partir da data em que implementados os requisitos para a sua concessão, ou seja, a partir da DER reafirmada, que será, portanto, a Data de Início do Benefício - DIB. 4. Quanto aos juros de mora, há duas situações possíveis de se considerar: (a) se a DER for reafirmada para data anterior ao ajuizamento da ação, os juros de mora incidirão a partir da citação; (b) se a DER for reafirmada para data posterior ao ajuizamento da ação, os juros de mora incidirão apenas sobre o montante das parcelas vencidas e não pagas a partir do prazo de 45 dias para a implantação do benefício. 5. No tocante aos honorários advocatícios, considerando que o INSS se opôs ao pedido, à luz do fato novo, é cabível a condenação em honorários advocatícios. 6. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). 7. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC. (TRF4, AC 5008320-46.2017.4.04.7004, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 10/02/2022)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. BOIA-FRIA. CONSECTÁRIOS. IMPLANTAÇÃO. 1. Equiparação do trabalhador rural boia-fria, diarista ou volante ao segurado especial, para fins de concessão de aposentadoria por idade rural. Precedentes deste Tribunal. 2. Correção monetária pelo INPC a partir de 30/06/2009. 3. Cobrança de custas conforme a legislação do Estado do Rio Grande do Sul. 4. Ordem para implantação do benefício. (TRF4, AC 5025518-98.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 08/07/2020)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA. SEGURADO ESPECIAL. EQUIPARAÇÃO. 1. (...) 2. O trabalhador rural boia-fria se equipara ao segurado especial, para fins de carência, não lhe sendo exigível o recolhimento de contribuição. 3. Para a comprovação do exercício de atividade rural, na condição de segurado especial, basta a apresentação de início de prova material complementado por prova testemunhal idônea. 4. Demonstrada a qualidade de trabalhador rural boia-fria de quem postula o benefício e comprovada a sua incapacidade temporária para o trabalho habitual, é devida a concessão do auxílio-doença. (TRF4 5025144-82.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 04/10/2019).

Além disso, para esses trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. As tarefas são executadas geralmente por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou boias-frias.

Assim, nos casos dos trabalhadores rurais conhecidos como "boias-frias", diaristas ou volantes, considerando a informalidade com que é prestado o trabalho no meio rural, que dificulta a comprovação documental da atividade, o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça é de que o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material referente ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, quando necessária ao preenchimento de lacunas, não sendo admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto quando demonstrada a ocorrência de caso fortuito ou força maior, os termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, bem como da Súmula nº 149 do STJ e do REsp nº 1.321.493/PR (Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, j. 10.10.2012, recurso representativo da controvérsia).

A propósito, nesse sentido manifestou-se o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro por ocasião do julgamento do RESP nº 72.216-SP, em 19-11-1995 (DJU de 27-11-1995), afirmando que o Poder Judiciário só se justifica se visar à verdade real. Corolário do princípio moderno de acesso ao Judiciário, qualquer meio de prova é útil, salvo se receber o repúdio do Direito. A prova testemunhal é admitida. Não pode, por isso, ainda que a lei o faça, ser excluída, notadamente quando for a única hábil a evidenciar o fato. Os negócios de vulto, de regra, são reduzidos a escrito. Outra, porém, a regra geral quando os contratantes são pessoas simples, não afeitas às formalidades do Direito. Tal acontece com os chamados 'boias-frias', muitas vezes impossibilitados, dada à situação econômica, de impor o registro em carteira. Impor outro meio de prova, quando a única for a testemunhal, restringir-se-á a busca da verdade real, o que não é inerente do Direito Justo.

Quanto às contribuições do trabalhador rural "boia-fria" em casos como o presente, que não trata de aposentadoria por tempo de contribuição, aplica-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de sua inexigibilidade:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias. 4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1762211/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T. DJe 07.12.2018)

Desempenho de atividade urbana

Os registros de atividade urbana não são incompatíveis com a concessão da aposentadoria pleiteada. Conforme o art. 143 da Lei n° 8213/91 e jurisprudência do STJ, o exercício da atividade rural pode ser descontínuo e o trabalho urbano intercalado ou concomitante ao trabalho campesino, não retira a condição de segurado especial.

Havendo prova de desempenho de atividade rural em período imediatamente anterior ao requerimento administrativo, que se mostre significativo, ou seja, de no mínimo 1/3 do total da carência necessária (prazo previsto no parágrafo único do artigo 24 da Lei 8.213/91), suficiente para permitir a conclusão de que o segurado, efetivamente, passou a sobreviver de forma estável dos frutos de seu trabalho junto à terra, deve ser admitido o direito ao benefício com o cômputo de períodos anteriores descontínuos.

O parâmetro, de 1/3 do total da carência necessária, não deve ser compreendido de forma absoluta, pois trata-se de apenas um referencial para balizar a atividade do julgador, no sentido de verificar se o trabalhador efetivamente retornou à condição de rurícola.

No caso, admitida a descontinuidade e estando a parte autora desempenhando o labor rural em período superior a 1/3 da carência anterior ao requerimento administrativo, não é possível que se adote entendimento restritivo quanto ao conceito de descontinuidade, o que acabaria por deixar ao desamparo segurados que desempenharam longos períodos de atividade rural, mas por terem intercalado períodos significativos de atividade urbana ou mesmo de inatividade, restam excluídos da proteção previdenciária.

Ainda, para disciplinar eventuais períodos descontínuos de atividade rural do segurado especial, a Lei nº 11.718/2008, modificando o inciso III do § 9º do art. 11 da Lei n. 8.213/1991, permite o exercício de atividade remunerada pelo segurado especial, em período de entressafra ou do defeso não superior a 120 (cento e vinte) dias:

§ 9º Não é segurado especial o membro de grupo familiar que possuir outra fonte de rendimento, exceto se decorrente de: (Incluído pela Lei n. 11.718, de 2008) (...)

III – exercício de atividade remunerada em período de entressafra ou do defeso, não superior a 120 (cento e vinte) dias, corridos ou intercalados, no ano civil, observado o disposto no § 13 do art. 12 da Lei n o 8.212 (...)

Contudo, por não existir, antes do advento da Lei nº 11.718/2008, parâmetro legal que definisse a expressão "ainda que de forma descontínua", a referida regra, por ser mais gravosa, não pode ser aplicada retroativamente.

Suprindo a omissão, a Primeira Turma do STJ decidiu pela aplicação analógica do art. 15 da Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre a manutenção da qualidade de segurado àquele que, por algum motivo, deixa de exercer a atividade contributiva durante o denominado "período de graça", como segue:.

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, § 9º, III, DA LEI 8.213/91 COM A REDAÇÃO ANTERIOR À LEI 11.718/08. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE URBANA NO PERÍODO DE CARÊNCIA. ADOÇÃO, POR ANALOGIA, DOS PRAZOS DO PERÍODO DE GRAÇA. ART. 15 DA LEI 8.213/91. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Os arts. 39, I, e 143 da Lei 8.213/91 dispõem que o trabalhador rural enquadrado como segurado obrigatório no Regime Geral de Previdência Social na forma da VII do art. 11 [segurado especial], tem direito a requerer aposentadoria por idade, no valor de um salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, em número de meses idêntico à carência do referido benefício. 2. A norma previdenciária em vigor à época do ajuizamento da ação, antes do advento da Lei 11.718/08, não especificava, de forma objetiva, quanto tempo de interrupção na atividade rural seria tolerado para efeito da expressão legal "ainda que de forma descontínua". 3. A partir do advento da Lei 11.718/08, a qual incluiu o inciso III do § 9º do art. 11 da Lei 8.213/91, o legislador possibilitou a manutenção da qualidade de segurado especial quando o rurícola deixar de exercer atividade rural por período não superior a cento e vinte dias do ano civil corridos ou intercalados, correspondentes ao período de entressafra. Todavia, a referida regra, mais gravosa e restritiva de direito, é inaplicável quando o exercício da atividade for anterior à inovação legal. 4. A teor do disposto nos arts. 4º e 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro – LINDB, diante da ausência de parâmetros específicos indicados pelo legislador originário, mostra-se mais consentânea com o princípio da razoabilidade a adoção, de forma analógica, da regra previdenciária do art. 15 da Lei 8.213/91, que garante a manutenção da qualidade de segurado, o chamado "período de graça". 5. Demonstrado que a parte recorrente exerceu atividade urbana por período superior a 24 (vinte e quatro) meses no período de carência para a aposentadoria rural por idade, forçosa é a manutenção do acórdão recorrido .6. Agravo regimental não provido (AgRg no REsp 1354939/CE, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16/06/2014, DJe 01/07/2014).

Além disso, o trabalhador boia-fria equipara-se ao segurado especial e "a existência de pequenos períodos de vínculo urbano intercalados com o labor rural, não descaracteriza a condição de segurado especial, uma vez que se trata de curto período em relação a todo o tempo de dedicação à atividade rural comprovado, enquadrando-se à hipótese na previsão contida nos arts. 39 e 143 da Lei nº 8.213/91, segundo os quais é admitida a descontinuidade do exercício de atividade rural." (TRF4 5036739-83.2015.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 11/10/2017).

Ainda, no mesmo sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. DESCONTINUIDADE DO LABOR RURAL. POSSIBILIDADE. TEMPO DE GOZO DE BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CÔMPUTO PARA FINS DE CARÊNCIA. CABIMENTO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado mediante início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. O fato de a parte autora ter exercido atividade de caráter urbano por curtos períodos não impede a concessão do beneficio pleiteado, porquanto o art. 143 da LBPS permite a descontinuidade do trabalho campesino. 3. É possível a contagem para fins de carência de período em que o segurado esteve em gozo de benefício por incapacidade, desde que intercalado com períodos contributivos (art. 55 , II , da Lei 8.213 /91).Precedentes do STJ e da TNU. 4. Comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural, no período de carência é de ser concedida a Aposentadoria por Idade Rural à parte autora, a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei 8.213/91. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). (TRF4, AC 5000573-59.2020.4.04.7127, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 18/02/2022)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. EXISTÊNCIA. PROVA ORAL. SUFICIÊNCIA AO CONVENCIMENTO. 1. Comprovando a prova oral a prática de atividades agrícolas do autor como diarista/safrista/temporário durante o período de carência e havendo sido juntados aos autos início de prova matérial substancial do desempenho das lidas rurais, restam preenchidos os requisitos necessários para a concessão da aposentadoria por idade rural. 2. Os vínculos de labor urbano mantido pelo autor, por passageiros, não tem o condão de descaracterizar sua condição de segurado especial, mesmo porque o segurado, após as curtas temporadas de trabalho urbano, retornava para o campo para retomar suas atividades habituais nas atividades agrícolas, demonstrando, assim, que sua intenção era a de ali permanecer, somente afastando-se esporadicamente. (TRF4 5022216-27.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, juntado aos autos em 13/05/2020)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL COMPLEMENTADA PELA PROVA TESTEMUNHAL. BOIA-FRIA. BREVE VÍNCULO URBANO. CONDENAÇÃO - CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. JULGAMENTO DO RE 870.947/SE, TEMA 810, PELO STF. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SOBRE O VALOR DA CONDENAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO IMPLÍCITO. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. Procede o pedido de aposentadoria rural por idade quando atendidos os requisitos dos artigos 11, VII, 48, § 1º e 142, da Lei nº 8.213/91, ou seja, comprovado o implemento da idade mínima (60 anos para o homem, e de 55 anos para a mulher), e o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, por tempo igual ao número de meses correspondentes à carência. 2. O contexto probatório deve permitir a formação de juízo seguro de convicção, uma vez que está pacificado nos Tribunais que não é exigível a comprovação documental, ano a ano, do período pretendido 3. A qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar" na certidão de casamento não desconfigura sua condição de segurada especial, seja porque na maioria das vezes acumula tal responsabilidade com o trabalho no campo, seja porque, em se tratando de labor rural desenvolvido em regime de economia familiar, a condição de agricultor do marido contida no documento estende-se à esposa. 4. O exercício temporário de atividade urbana pela autora, por curta duração durante o período de carência, não descaracteriza o trabalho rural, cuja descontinuidade é admitida no inciso I, do art. 39, e no art. 143, da Lei de Benefícios. 5. (...) (TRF4 5046543-41.2016.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 30/11/2017)

CASO CONCRETO

A parte autora, nascida em 11/03/1956 (Evento 1, RG3), completou a idade mínima para a obtenção da aposentadoria rural (55 anos) em 11/03/2011.

Assim, deve comprovar o efetivo exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 180 meses que antecedem o implemento do requisito etário (11/03/2011), ou anteriores ao requerimento administrativo (06/10/2011), o que lhe for mais favorável.

No caso em apreço, para fazer prova do exercício de atividade rural a parte autora juntou aos autos cópia dos seguintes documentos:

a) certidão de casamento da autora, onde o marido consta qualificado como lavrador, em 13.5.1972;

b) escritura pública de cessão de direitos possessórios referente a um terreno rural situado na localidade de São Domingos, município de Iraperuçu, em que o marido da autora, qualificado como caldeireiro, figura como outorgado cessionário comprador - 18.7.1996;

c) CCIR 2006/2009 e 2010/2014;

d) ITR dos exercícios de 2015 a 2019;

e) notas de produtor rural em nome da autora - 2020;

f) título de domínio;

g) carteira de associada ao STR de Itaperuçu em nome da autora, onde não consta a data de admissão;

h) contrato de arrendamento por meio do qual o marido da autora arrendou para seu irmão 6 alqueires de um imóvel rural de sua propriedade, com área total de 10 alqueires, pelo prazo de 10 anos, tendo início em 30.7.1996;

i) CNIS do marido da autora, demonstrando que ele possui vínculos urbanos de 1973 a 1997, bem como que se aposentou, por tempo de contribuição, no ano de 1996;

j) declaração do STR de Itaperuçu/PR;

k) três autodeclarações no evento 20. Uma delas se refere ao período postulado de 11.3.1968 a 13.5.1972, em que alega ter trabalhado na lavoura com os pais de criação (evento 20, DECL2). A outra abrange o período de 14.5.1972 a 18.7.1996, em que alega ter trabalhado nas terras do sogro (evento 20, DECL3). E, por fim, a última diz respeito ao período de 19.7.1996 até os dias atuais, em que afirma ter trabalhado em terras próprias (evento 20, DECL4).

A parte autora apela, alegando que comprovou cabalmente o exercício de suas atividades rurais, conforme documentos de prova material carregados nos autos, corroborados pelas autodeclarações anexadas no evento 20 dos autos.

Diz que foi comprovado que suas atividades rurais revertiam em renda em favor da família, revelando o potencial econômico da atividade.

Explica que sempre houve a comercialização dos excedentes da produção, no entanto, em razão da informalidade do trabalho do campo, não havia emissão de notas fiscais regulares.

Aponta que o fato de constar informações no CNIS do marido da apelante, que o mesmo exerceu atividades urbanas e se aposentou nesta condição, não permite a restrição do direito social fundamental da parte autora. Que tal fato não permite sequer a conclusão de que o sustento da família não provinha da atividade rural ou que era “dispensável” para a subsistência do grupo familiar, especialmente porque o INSS não produziu nenhuma prova nos autos capazes de elidir o trabalho rural da autora.

Não possui razão a parte autora.

Compreendo que os argumentos da parte autora já foram devidamente analisados pelo juiz de primeiro grau, pelo que considero que deve ser mantida a decisão irretocável proferida pelo juiz a quo, veja:

No entanto, verifico que, conforme alegado pelo INSS em sua contestação, o esposo da autora manteve, de fato, vínculos urbanos no período de 1973 a 1997 e, desde o ano de 1996, encontra-se aposentado por tempo de contribuição (NB 102.032.407-1), sendo que o valor por ele recebido a título de aposentadoria no mês de novembro de 2011 foi equivalente a R$ 2.395,19 (pág. 20 - PROCADM1, evento 11), valor este que correspondia a 4,39 salários mínimos vigentes à època. Além disso, consta da declaração apresentada pelo INSS (evento 10, DECL3) datada de janeiro de 2021 que o último pagamento recebido pelo esposo da autora foi no valor equivalente de R$ 4.174,02, correspondendo a 3,79 salários mínimos da época.

Percebe-se, assim, que durante o período postulado de 1973 até os dias atuais o esposo da autora auferiu rendimentos em virtude de trabalho no meio urbano, bem como provenientes de sua aposentadoria.

Quanto ao ponto, saliento que, em princípio, o fato de o marido da autora possuir vínculos urbanos ou receber benefício previdenciário concedido na condição de trabalhador urbano não seria fator impeditivo, por si só, para desconsiderar a condição de segurada especial daqueles que exercem atividade rurícola, seja em regime de economia familiar, seja individualmente.

O que a Lei 8.213/91 faz é excluir da condição de segurado especial o membro do grupo familiar que possui rendimento advindo da atividade urbana, salvo as exceções legais (art. 11, §9º). Nesse sentido, cito a Súmula 41 da Turma Nacionalde Uniformização:

A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica, por si só, a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, condição que deve ser analisada no caso concreto.

Porém, conforme ressalta a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, da Turma Nacional de Uniformização e da Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, não é possível desconsiderar totalmente a renda diversa advinda de tal membro do grupo familiar.

Deve ser analisado se, diante de tal renda, ocorre a indispensabilidade da atividade rurícola (ainda que esta não seja exclusiva e sim complementar), ou seja, "o regime de economia familiar somente restará descaracterizado se a renda obtida com a atividade urbana ou com o benefício urbano for suficiente para a manutenção da família, de modo a tornar dispensável a atividade rural, ou, noutros termos, se a renda auferida com a atividade rural não for indispensável à manutenção da família" (TNU, PEDILEF 2007.72.52.002472-3, DJe 29.5.2009).

Em outras palavras, cito o seguinte precedente da Turma Regional deUniformização da 4ª Região:

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE RURAL. VÍNCULO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. REGIME INDIVIDUAL. INDISPENSABILIDADE DO LABOR RURAL PARA O SUSTENTO DO GRUPO FAMILIAR. 1. Revisão do entendimento uniformizado no IUJEF nº 2007.70.64.000092-4 (D.E.07.01.2010) para alinhamento à jurisprudência assentada na TNU (vg PEDILEF nº 2010.72.64.0002470, Rel. Juiz Federal Rogério MoreiraAlves, DJe 20.09.2013) e no STJ (vg 1ª Seção, REsp nº1.340.479/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 19.12.2012; 2ª Turma,AgRg no AREsp nº 518.079/MS, Rel. Min. Humberto Martins, DJe27.06.2014; e 1ª Turma, AgRg no AREsp nº 363.462/RS, Rel. Min.Sérgio Kukina, DJe 04.02.2014). 2. O fato de um dos membros do grupo familiar ser trabalhador urbano ou titular de benefício previdenciário urbano não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar em relação aos demais membros do grupo familiar. 3. Entretanto, aquele que trabalha em regime individual e possui família somente pode ser considerado segurado especial se comprovar a indispensabilidade do labor rural para a manutenção do seu grupo familiar, devendo necessariamente demonstrar a "relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar", pois "se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a rendaproveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais", já que "a produção rural pode se caracterizar como irrelevante para sustento básico da família". 4. "Descaracterizado o regime de economia familiar, não se pode postular o reconhecimento de qualidade de segurado especial individual com desprezo do rendimento urbano auferido pelos demais membros da família", pois "o regime individual deve manter sua característica de complementaridade em relação ao regime de economia familiar", eis que "o produto do trabalho rural pode, em tese, ser tido como meramente complementar". 5. Pedido conhecido emparte, e, na parte conhecida, improvido. (IUJEF5001889-45.2012.404.7012, Rel. Jacqueline Michels Bilhalva, D.E.30.9.2014).

No caso em tela, não passa despercebido que a própria autora reconheceu, por ocasião da entrevista rural realizada no âmbito administrativo, que o esposo trabalhou vários anos como empregado urbano e se aposentou em 1996, sendo a renda da família proveniente do emprego do marido e do pouco que vendia do feijão (pág. 30 - PROCADM7, evento 01), o que torna claro o papel de provedor do marido e o papel secundário da atividade rurícola que a autora alega exercer, de modo que não é possível qualificá-la como segurada especial.

Entendo, assim, comprovado nos autos que o trabalho urbano exercido pelo marido da autora era a principal fonte de renda da familia, com o que restou descaracterizada a sua condição de segurada especial no período postulado a partir de 1973, quando o esposo passou a trabalhar no meio urbano.

Nesse contexto, improcede o pleito quanto ao reconhecimento do período de 1973 em diante.

No tocante ao restante do período postulado, qual seja, de 11.3.1968 a 1972, improcede, igualmente, o pleito, tendo em conta que não foi apresentado um documento sequer vinculando a autora ao meio rural, junto de sua família de criação, de modo que a autodeclaração apresentada abrangendo o intervalo não restou corroborada por elementos de prova material, o que leva, igualmente, à improcedência do pedido no que diz com tal período.

Nesse contexto, a improcedência do pedido de concessão de aposentadoria por idade rural é medida que se impõe.

Assim, realmente o fato de o marido da autora exercer atividade urbana, não é por si só, motivação para o não reconhecimento da necessidade do labor rural para subsistência familiar. Entretanto, os valores dos salários e da aposentadoria do esposo da autora são de valores altos que impelem à conclusão de que não havia um labor rural em regime de economia familiar que fosse essencial para sobrevivência, requisitos esses demandados pela legislação previdenciária.

A sentença embasou-se em jurisprudência deste Tribunal, portanto, nego provimento ao apelo e mantenho a sentença por seus próprios fundamentos.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - SUCUMBÊNCIA RECURSAL

Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC.

PREQUESTIONAMENTO

Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.

CONCLUSÃO

Apelo da PARTE AUTORA: improvido.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004291224v11 e do código CRC ad54970d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
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5046838-15.2020.4.04.7000
40004291224.V11


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5046838-15.2020.4.04.7000/PR

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5046838-15.2020.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

APELANTE: VALDIVIA DE CRISTO LARA (AUTOR)

ADVOGADO(A): MÁRCIO DESSANTI (OAB PR046628)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. VÍNCULO URBANO DE MEMBRO DO GRUPO FAMILIAR. INDISPENSABILIDADE DO LABOR RURAL PARA O SUSTENTO DO GRUPO FAMILIAR. Manutenção da sentença. SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1. O fato de um dos membros do grupo familiar ser trabalhador urbano ou titular de benefício previdenciário urbano não descaracteriza, por si só, o regime de economia familiar em relação aos demais membros do grupo familiar.

2. Entretanto, aquele que trabalha em regime individual e possui família somente pode ser considerado segurado especial se comprovar a indispensabilidade do labor rural para a manutenção do seu grupo familiar, devendo necessariamente demonstrar a "relevância do trabalho na lavoura no orçamento familiar", pois "se algum membro integrante do grupo familiar auferir renda proveniente de atividade urbana, esse dado não pode deixar de ser considerado em comparação com a renda proveniente da atividade rural da família para efeito de definir se os familiares que exercem atividade rural podem se qualificar como segurados especiais", já que "a produção rural pode se caracterizar como irrelevante para sustento básico da família".

3. Sentença mantida. Honorários advocatícios majorados por força da sucumbência recursal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 06 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004291227v6 e do código CRC 5636ece8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 7/2/2024, às 14:9:18


5046838-15.2020.4.04.7000
40004291227 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 15/02/2024 04:17:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 29/01/2024 A 06/02/2024

Apelação Cível Nº 5046838-15.2020.4.04.7000/PR

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES

APELANTE: VALDIVIA DE CRISTO LARA (AUTOR)

ADVOGADO(A): MÁRCIO DESSANTI (OAB PR046628)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 29/01/2024, às 00:00, a 06/02/2024, às 16:00, na sequência 331, disponibilizada no DE de 18/12/2023.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO



Conferência de autenticidade emitida em 15/02/2024 04:17:15.

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