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PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ESPOSO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. REMUNERAÇÃO SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. MAIOR PARTE DO PERÍODO DE CARÊ...

Data da publicação: 18/04/2024, 07:01:18

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ESPOSO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. REMUNERAÇÃO SUPERIOR A DOIS SALÁRIOS MÍNIMOS. MAIOR PARTE DO PERÍODO DE CARÊNCIA. PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL DESCARACTERIZADA. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ). 3. Caso em que descabido o reconhecimento da qualidade de segurada especial da autora, em face da remuneração como contribuinte individual do esposo em grande parte do período de carência (valores excedentes a dois salários-mínimos) e da situação patrimonial incompatível com o trabalho rural em regime de economia familiar - propriedade de terrenos rurais e de dois veículos automotores, um deles de valor considerável. (TRF4, AC 5019919-13.2020.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 10/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5019919-13.2020.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA FURLANETO CANCELLIER

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta em face de sentença de procedência do pedido de concessão do benefício de aposentadoria por idade (evento 67, OUT1).

Recorre o INSS sustentando, em síntese, ser incabível a utilização de provas referentes ao cônjuge falecido da autora, uma vez que era segurado urbano e como tal foi aposentado, na qualidade de contribuinte individual (comerciário). Cita estar descaracterizada a qualidade de segurada especial da autora, em face da ausência do exercício de atividade agrícola em regime de subsistência., considerando que a família possui dois veículos de passeio, sendo um deles um Fiat Toro Diesel 2018/2019, com valor superior a R$ 100.000,00. Afirma que eventual atividade rural desempenhada pela autora tinha cunho complementar, não se comprindo o período de carência para a concessão do benefício (evento 71, APELAÇÃO1).

Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Juízo de Admissibilidade

O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.

Aposentadoria por Idade Rural

O art. 201, II, § 7º da Constituição Federal assegura a aposentadoria no Regime Geral de Previdência Social para os trabalhadores rurais e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher. (Redação dada pela Emenda Constitucional 103/2019).

A concessão de aposentadoria por idade rural, pressupõe (art. 48, § 1º, da Lei 8.213/1991): (a) idade [60 anos para homens e 55 anos para mulher] e (b) atividade desenvolvida exclusivamente como trabalhador rural [como segurado especial, empregado rural ou contribuinte individual rural], exigindo-se, tal qual para a aposentadoria por idade urbana anterior à EC 103/2019, período de carência de 180 meses, observada também a tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Para esta espécie de aposentadoria a carência deve ser cumprida no período imediatamente anterior ao preenchimento do requisito etário ou imediatamente anterior à DER.

A exigência do preenchimento do requisito carência imediatamente antes da idade/DER decorre de expressa previsão do § 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991, assim como da lógica do sistema. A aposentadoria com redução etária [de no mínimo cinco anos] visa proteger o trabalhador rural que, em razão da idade, perde o vigor físico, dificultando a realização das atividades habituais que garantem a sua subsistência. Não se pode perder de vista, igualmente, que a benesse ao segurado especial [ausência de contribuição mensal] foi concebida pelo constituinte originário fulcrada na dificuldade de essa gama de segurados efetuarem contribuições diretas ao sistema, e, especialmente, na importância social e econômica da permanência desses trabalhadores no campo.

O art. 39, I da Lei de Benefícios prevê que, para os segurados especiais referidos no inciso VII do caput do art. 11, fica garantida a concessão de aposentadoria por idade no valor de 1 (um) salário-mínimo.

Do Tempo de Serviço Rural

Acerca do reconhecimento de tempo de serviço rural, o art. 55, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991, com a redação dada pela Lei 13.846/2019, exige a apresentação de início de prova material (documental):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

[...]

§ 2º O tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência desta Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência, conforme dispuser o Regulamento.

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os fins desta Lei, inclusive mediante justificativa administrativa ou judicial, observado o disposto no art. 108 desta Lei, só produzirá efeito quando for baseada em início de prova material contemporânea dos fatos, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, na forma prevista no regulamento.

A jurisprudência a respeito da matéria encontra-se pacificada, retratada na Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça, que possui o seguinte enunciado: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito de benefício previdenciário.

O reconhecimento do tempo de serviço rural exercido em regime de economia familiar aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da Lei 8.213/1991 (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU 10/11/2003).

A relação de documentos referida no art. 106 da Lei 8.213/1991 para comprovação do tempo rural é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02/02/2006, p. 524).

Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19/12/2012).

O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25/10/2011, DJe 11/11/2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).

No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27/06/2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".

Do Caso Concreto

A parte autora, nascida em 23/02/1964, completou 55 anos de idade na data de 23/02/2019. Assim, para a concessão do benefício de aposentadoria por idade rural precisa comprovar o exercício de atividade rural pelo período de 180 meses, contados de forma imediatamente anterior ao cumprimento do requisito etário ou ao requerimento administrativo, formulado em 26/02/2019, ou seja, de 2004 a 2019.

No caso, consta na sentença (evento 67, OUT1):

Diante de tais considerações, verifico que, no caso dos autos, há início de prova material. Para tanto, a parte autora, dentre os documentos acostados à inicial, juntou aos autos: [a] notas fiscais de produtor rural em nome da requerente e de seu marido datados a partir de 31/01/2002 (Evento 1 - NFISCAL13); [b] cópia da CTPS, que demonstra que a autora nunca exerceu outra atividade profissional (Evento 1 - PROCADM6 - fls. 6/8); [c] declaração de exercício de atividade rural (Evento 1 - PROCADM6 - fls. 9/14); [d] recibo de inscrição do imóvel rural no CAR (Evento 1 - PROCADM6 - fls. 20/22); [e] documentos relativos a ITR do imóvel (Evento 1 - PROCADM6 - fl. 15); [f] matrícula do imóvel (Evento 1 - PROCADM6 - fl. 19), entre outros.

Portanto, tenho que os documentos juntados acima mencionados, em especial as notas fiscais em nome da parte autora e de seu marido emitidos a partir de 2002, trazem indícios da veracidade das suas alegações.

Somando-se às provas documentais, as testemunhas inquiridas foram unânimes em afirmar que conhecem a parte autora há mais de 50 anos, bem como que essa sempre trabalhou na agricultura, o que faz deduzir como verídica a alegação contida na inicial de que sempre laborou no meio rural.

A testemunha Ellete Helena Tavares de Nes afirmou que vive na mesma localidade que a autora, comunidade de Palmeira Baixa, Estrada Geral, Orleans, sendo que sua propriedade fica a menos de 1 (um) quilômetro da propriedade da autora; Que vive na mesma localidade desde que casou, há 53 (cinquenta e três) anos, tendo conhecido os pais da autora, vez que moravam na mesma comunidade; Que os pais da autora eram agricultores, plantavam diversas culturas locais, como feijão, milho e principalmente fumo, possuindo estufa de fumo; Que os pais da autora tiveram 5 (cinco) filhos, sendo que todos eles trabalhavam na roça; Que, após casar, a autora continuou morando na localidade trabalhando na agricultura, criando vaca de leite, granja de frango, cuidando dos gados, bem como da plantação de milho; Que a autora e o marido nunca trabalharam na cidade, apenas no interior; Que a autora é viúva, mas continua morando na comunidade, cuidando dos gados e tocando a granja de frangos; Que conhece a autora desde pequena.

No mesmo sentido, a testemunha Janes Aparecida de Lorenzi de Oliveira, quando ouvida em juízo, confirmou conhecer a requerente de longa data; Que mora na comunidade Palmeira do Meio, tendo nascido e crescido no mesmo local; Que conhece a autora desde pequena, pois são de comunidades próximas, bem como ambas faziam juntas o caminho da escola da comunidade rural; Que conheceu os pais da autora, os quais eram agricultores; Que os pais da autora plantavam milho, feijão, fumo e possuiam uma estufa; Que a autora tinha 5 (cinco) irmãos, sendo que todos trabalhavam na roça com os pais; Que a autora casou e continuou morando na mesma comunidade; Que a autora e seu marido trabalharam sempre com agricultura e depois com granja de frangos; Que a autora e o marido nunca trabalharam em outro lugar e que o ponto de ônibus mais próximo fica a 5 (cinco) quilômetros da comunidade; Que a autora é viúva, todavia continua suas atividades de agricultura familiar, especialmente aviário, e que mora na mesma comunidade rural.

Ainda, a testemunha Valmor Mazuco ratificou todas as informações expostas pelas demais testemunhas, afirmando que mora na localidade de Palmeiras Baixa e que conheceu a família da autora, vez que eram da mesma comunidade; Que os pais da autora trabalhavam com agricultura familiar e que a autora tinha 4 (quatro) irmãos, sendo 5 (cinco) ao total; Que depois que casou, a autora continuou morando na comunidade, já que seu marido também era da mesma localidade; Que depois do casamento a autora continuou trabalhando na agricultura, plantando milho, fumo e possuindo uma granja de frangos; Que a autora criou os filhos na comunidade rural; Que a autora continua morando e trabalhando na roça e que nunca trabalhou na cidade; Que a comunidade é totalmente rural.

Deste modo, observa-se que os depoimentos são idôneos e coerentes, bem como que não há nada que infirme as declarações por eles prestadas.

Portanto, considerando os depoimentos dos testigos ouvidos neste processo, aliados ao início de prova material apresentada, tenho que restou satisfatoriamente demonstrado, com a necessária certeza, que a parte autora trabalhou em atividades rurais, na condição de segurado especial, por mais de 15 (quinze) anos, tal como alegado na inicial.

Quanto ao requisito etário, a certidão juntada no Evento 1 é suficiente para demonstrar que a parte requerente contava, quando do requerimento na esfera administrativa, com mais de 55 anos.

Por outro lado, alega o INSS que o esposo da requerente, quando em vida, trabalhava como "carpinteiro" (trabalhador urbano), segurado da previdência na qualidade de contribuinte individual, bem como que seu falecimento deu azo à concessão de pensão por morte em favor da parte autora, o que, segundo entende, constitui forte indício de ausência do exercício da agricultura em regime de subsistência.

Razão não assiste ao requerido.

Primeiro, como já assentou a jurisprudência, em se tratando de reconhecimento da condição de segurado especial, "o fato de eventualmente um dos membros do respectivo núcleo possuir renda própria não afeta a situação dos demais" (TRF4, APELREEX 5032222-69.2014.404.9999, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão (auxílio Ricardo) Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 30/04/2015).

Assim, para afastar o reconhecimento da qualidade de segurada especial pretendida na inicial deveria haver prova de que o trabalho urbano do marido da autora era a fonte de renda preponderante, bem como que a atividade rural desempenhada pela requerente era dispensável para a subsistência do grupo familiar.

No entanto, a prova testemunhal produzida deu conta de que a autora efetivamente exercia a atividade rural com vistas a sua utilização para consumo próprio e venda, objetivando o sustento da família.

(...)

Assim, o fato de cônjuge da parte autora ter desempenhado atividade urbana no lapso de tempo rural reconhecido, e recebido remuneração em razão desse vínculo, não afasta a condição de segurada especial da parte demandante, uma vez que a percepção da referida renda não se mostra suficiente para afastar o trabalho dessa na lavoura, sendo certo, também, que incumbia à Autarquia Previdenciária a prova de que o trabalho desenvolvido pela requerente na agricultura não é "indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar", nos termos dispostos no § 1º do art. 11 da LBPS (Redação dada pela Lei 11.718, de 20-06-2008), o que não se verificou no presente caso.

É importante salientar que não há qualquer vedação ao acúmulo dos benefícios pensão por morte e aposentadoria por idade rural, consoante artigo 124 da Lei 8.213/91.

(...)

Ademais, frisa-se que o fato da autora possuir dois veículos, sendo um deles do modelo FIAT TORO, não caracteriza ausência do desempenho da atividade agrícola em regime de subsistência, uma vez que devidamente comprovado que a atividade rural desempenhada pela autora era fonte de renda familiar.

Assim, preenchidos os requisitos necessários à concessão da benesse almejada, vale dizer, o exercício de atividade rural, na condição de segurada especial, por mais de 15 (quinze) anos, bem como o requisito etário (no caso, 55 anos para mulher ou 60 anos para homem), a condenação do INSS à concessão da aposentadoria por idade rural à parte autora é medida que se impõe.

Entendo que o caso comporta solução diversa.

Para comprovar o exercício de atividade rural, a parte autora apresentou documentos, dentre os quais cito:

a) recibo de entrega de declaração de Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural, exercícios de 2018 e 2019, referente aos imóveis matrículas 13.185, 13.186, 13.187 e 16.320, em Palmeira Baixa, Orleans/SC, em nome do esposo da autora (evento 1, PROCADM6, p. 15 e ​evento 1, COMP8​, p. 5/12);

b) escritura de compra e venda de imóvel rural, com área de 54.617m2, em Palmeira Baixa, Orleans/SC, datados de 09/08/2006 e 05/09/2006, respectivamente, onde consta a autora e seu esposo como adquirentes (evento 1, PROCADM6, p. 16/18);

c) recibo de inscrição de imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural (CAR), matrículas 13.186, 13.185 e 13.178, cadastrados em 07/01/2016, em nome do esposo da autora (evento 1, PROCADM6, p. 20/22 e 32/34 e evento 1, PROCADM7, p. 2/4);

d) escritura de compra e venda de imóvel rural, com área de 89.085m2, em Palmeira Baixa, Orleans/SC, datada de 10/08/2006, onde consta a autora e seu esposo como adquirentes (evento 1, PROCADM6, p. 23/25);

​e) ​escritura de compra e venda de imóvel rural, com área de 62.968m2, em Palmeira Baixa, Orleans/SC, datada de 10/08/2006, onde consta a autora e seu esposo como adquirentes (evento 1, PROCADM6, p. 27/28);

f) ficha de matrícula do registro imobiliário dos imóveis rurais, matrículas 13.186 e 13.185, datados de 05/09/2006, em nome da autora e seu esposo (evento 1, PROCADM6, p. 19 e 30/31);

g) escritura pública de divisão amigável de área rural de 372.971,50m2, em Palmeira Baixa, Orleans/SC, datada de 23/08/2006, tocando à autora e seu esposo o total de 116.393,25m2 (evento 1, PROCADM6, p. 35/38);

h) notais fiscais de produtor rural, em nome da autora e/ou seu esposo, relativas aos anos de 2002 a 2019 (​evento 1, PROCADM7​, 5/24 e ​evento 1, NFISCAL11​ a evento 1, NFISCAL66);

i) certificado de cadastro de imóvel rural junto ao INCRA, Palmeira Baixa, Orleans/SC, exercício de 2019, de área de 27,6762ha, em nome do esposo da autora (evento 1, COMP8, p. 2);

j) certificado de cadastro de imóvel rural junto ao INCRA, Palmeira Baixa, Orleans/SC, exercício de 2019, de área de 8,5344ha, em nome do esposo da autora, Vilmar Cancelier, na condição de proprietário/posseiro comum com Elza Cancelier de Lorenzi Canever e Ilza Cancelier Bernardo (evento 1, COMP8, p. 3);

k) certidão de óbito do esposo da autora, falecido em 06/06/2019, onde foi qualificado como avicultor (evento 1, AR10, p. 3).

Na audiência de instrução realizada em 02/06/2020 (evento 59, TERMOAUD1), foram ouvidas 3 testemunhas (evento 59, VIDEO2), as quais corroboraram o exercício do labor agrícola alegado.

Pois bem.

Sabe-se que o fato de o marido da autora ter desempenhado atividades remuneradas, na condição de contribuinte individual, não constitui óbice, por si só, ao enquadramento da autora como segurada especial.

Contudo, é cediço que não basta o trabalho campesino para configurar a condição de segurada especial da Previdência Social. Para tanto, tal labor deve ser imprescindível e preponderante para o sustento familiar, mesmo existente outra fonte de renda.

A respeito, decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Julgamento do Tema 532 (REsp 1304479/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2012, DJe 19/12/2012):

O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

A contrario sensu, demonstrada a dispensabilidade do trabalho rural para o sustento da família, não é possível reconhecer a condição de segurado especial - categoria que é legalmente dispensada do recolhimento das contribuições previdenciárias para a concessão de benefícios, em face das dificuldades inerentes à vida do pequeno produtor rural.

Neste sentido, cabe referir que o Desembargador Federal Celso Kipper, na fundamentação do voto que proferiu na AC 5008361-74.2012.404.7202, expõe estar consagrada na jurisprudência desta Casa que são aceitáveis, a título de remuneração percebida pelo cônjuge de segurado especial, sem descaracterizar tal condição, valores equivalentes a dois salários mínimos:

(a) reconhece-se a atividade agrícola desempenhada na condição de segurado especial quando os rendimentos do cônjuge não retiram a indispensabilidade daquela para a subsistência da família (normalmente rendimentos que não superem o valor de dois salários mínimos): Apelação Cível Nº 0007819-29.2011.404.9999, 6ª Turma, Des. Federal Celso Kipper, por unanimidade, sessão de 14-09-2011, D.E. 26-09-2011; Apelação Cível Nº 0006403-26.2011.404.9999, 6ª Turma, Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho, por unanimidade, sessão de 10-08-2011, D.E. 22-08-2011; AC 0000314-84.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, sessão de 08-06-2011, D.E. 16-06-2011; AC 0014562-55.2011.404.9999, Sexta Turma, Relator Luís Alberto D"azevedo Aurvalle, sessão de 09-11-2011, D.E. 21-11-2011; TRF4, AC 0008495-11.2010.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogerio Favreto, sessão de 12-07-2011, D.E. 21/07/2011 (6ª T, julgado em 21/05/2014).

No caso em tela, no entanto, depreendo que o esposo da autora exerceu atividade de contribuinte individual, com registro de contribuições ao RGPS, no período de 2004 a 2012, em valores aproximados de quatro salários-mínimos (evento 101, CNIS3), havendo, posteriormente, a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (ramo de atividade comerciário) no período de 12/11/2012 a 06/06/2019 (evento 101, INFBEN1), cessada na data de seu óbito (evento 1, AR10, p. 3).

Desta forma, é descabido o reconhecimento da qualidade de segurada especial da autora, haja vista a remuneração urbana recebida pelo marido, em valores excedentes a dois salários-mínimos.

Importante destacar que, além da propriedade de três terrenos rurais, o marido da autora era proprietário de dois veículos, uma caminhonete Fiat Toro Diesel 2018/2019 (evento 9, CERT4) e um Fiat Palio 2012/2013 (evento 9, CERT5).

Embora a propriedade de veículo automotor não seja, em regra, suficiente para descaracterizar a condição de segurado especial conforme entendimento desta Corte (TRF4, AC 5031675-24.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, juntado aos autos em 04/09/2019; TRF4, AC 5042554-27.2016.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Luiz Antonio Bonat, juntado aos autos em 02/03/2018), o conjunto probatório coligido indica situação patrimonial incompatível com o trabalho rural em regime de economia familiar.

O enquadramento como segurado especial se destina ao produtor rural, agropecuário, extrativista vegetal ou pescador artesanal que não possui condições de contribuir com o Regime Geral de Previdência Social, tendo em vista que os frutos da atividade rural são destinados primordialmente à manutenção do grupo familiar.

No caso em análise, fica claro que a atividade rural não era desenvolvida em regime de subsistência, em face das contribuições vertidas pelo esposo da autora, da propriedade de terrenos rurais e de veículos automotores e do montante comercializado, de acordo com as notas fiscais de produtor colacionadas (evento 1, PROCADM7, p. 14/15, 17/19, 21/24; , evento 1, NFISCAL23, evento 1, NFISCAL24, evento 1, NFISCAL31, evento 1, NFISCAL32, evento 1, NFISCAL33, evento 1, NFISCAL35, evento 1, NFISCAL36, evento 1, NFISCAL37, evento 1, NFISCAL38, evento 1, NFISCAL39, evento 1, NFISCAL40).

De acordo com os depoimentos das testemunhas, a atividade rural era desenvolvida em uma granja de frangos. Logo, as notas fiscais apresentadas - em regra uma ou duas por ano - representam apenas uma fração do valor anual obtido com a produção rural. Portanto, fica descaracterizado o regime de subsistência e a qualidade de segurada especial da autora.

Em consequência, não é possível a concessão de aposentadoria por idade rural pretendida, porquanto não comprovado o exercício de atividade rural, como segurada especial, no período de 180 meses anteriores ao preenchimento do requisito etário e/ou ao requerimento administrativo 26/02/2019.

Honorários Sucumbenciais

Modificada a solução da lide, pagará a parte autora honorários advocatícios fixados em 10% do valor atualizado da causa, suspensa a exigibilidade por força da justiça gratuita deferida.

Prequestionamento

No que concerne ao pedido de prequestionamento, observe-se que, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.

Conclusão

Dar provimento ao recurso do INSS para julgar improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por idade rural (DER 26/02/2019).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso do INSS.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004394402v65 e do código CRC 4820c860.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 23/3/2024, às 11:33:18


5019919-13.2020.4.04.9999
40004394402.V65


Conferência de autenticidade emitida em 18/04/2024 04:01:17.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5019919-13.2020.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA FURLANETO CANCELLIER

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. aposentadoria por idade rural. esposo contribuinte individual. remuneração superior a dois salários mínimos. maior parte do período de carência. PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. QUALIDADE DE SEGURADA ESPECIAL DESCARACTERIZADA.

1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.

2. O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).

3. Caso em que descabido o reconhecimento da qualidade de segurada especial da autora, em face da remuneração como contribuinte individual do esposo em grande parte do período de carência (valores excedentes a dois salários-mínimos) e da situação patrimonial incompatível com o trabalho rural em regime de economia familiar - propriedade de terrenos rurais e de dois veículos automotores, um deles de valor considerável.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 10 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004395137v8 e do código CRC fce68a29.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Data e Hora: 10/4/2024, às 18:21:6


5019919-13.2020.4.04.9999
40004395137 .V8


Conferência de autenticidade emitida em 18/04/2024 04:01:17.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/04/2024 A 10/04/2024

Apelação Cível Nº 5019919-13.2020.4.04.9999/SC

RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA APARECIDA FURLANETO CANCELLIER

ADVOGADO(A): ENRICO BASTOS BIANCO (OAB SC029023)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/04/2024, às 00:00, a 10/04/2024, às 16:00, na sequência 698, disponibilizada no DE de 20/03/2024.

Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS

Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI

LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 18/04/2024 04:01:17.

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