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APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N. º 1. 657. 156/RJ. TEMA 106 DO...

Data da publicação: 26/12/2020, 11:01:15

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO STJ. DARATUMUMABE. MIELOMA MÚLTIPLO. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. 1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência, do esgotamento ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. In casu, o jurisperito foi categórico no sentido de que a droga pleiteada é insubstituível por outras fornecidas pelo SUS, referenciando, para tanto, completo parecer técnico-científico constante do repositório público da plataforma e-NatJus. 4. O fato de a responsabilidade financeira de custear droga antineoplásica recair sobre a União não impede o acionamento dos corréus, haja vista o multicitado vínculo de solidariedade existente entre os ocupantes do polo passivo. De tal constatação apenas decorre, em verdade, que o Estado de Santa Catarina deve ser ressarcido na hipótese de ter despendido recursos financeiros com a execução da tutela, e não que deve ser excluídos da lide ou que suas obrigações estejam adstritas, de forma apriorística, ao armazenamento, manuseio, aplicação ou entrega do fármaco requestado. (TRF4 5002391-97.2020.4.04.7207, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 18/12/2020)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5002391-97.2020.4.04.7207/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: RUTE MARIA CORREA BURIGO DOMINGOS (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária movida por Rute Maria Correa Burigo Domingos contra a União e o Estado de Santa Catarina, objetivando o fornecimento gratuito do medicamento DARATUMUMABE (Dalinvi) para tratamento de doença oncológica da qual é portadora (Mieloma Múltiplo – CID C 90.0).

Saneado e devidamente instruído o feito, a magistrada a quo, ao proferir sentença, em 10-09-2020 (evento 67), julgou procedente o pedido, confirmando, inclusive, a tutela de urgência anteriormente deferida, e condenou os réus ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% do valor atualizado da causa.

Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação (evento 87), alegando que os tratamentos oncológicos são de responsabilidade exclusiva da União, de modo que não caberia ao ente estadual responder por obrigação que não é de sua atribuição. Nesse sentido, pleiteia a modificação da sentença, determinando-se exclusivamente que a União financie e adquira o medicamento e que o Estado de Santa Catarina seja o responsável pelo armazenamento, manuseio e aplicação deste. Pugna, outrossim, pela redução dos honorários advocatícios para valor não superior a R$ 1.000,00, pro rata.

A União também apelou (evento 74), requerendo a reforma do decisum hostilizado para o fim de que seja julgada improcedente a demanda. Para tanto, alega, em síntese, a existência de política pública para tratamento da patologia que assola a autora, apontando a necessidade de prova de seu esgotamento ou de sua ineficácia. Afirma, citando o Enunciado n.º 99 da Súmula desta Corte, que a parte autora não realiza tratamento perante CACON/UNACON, preferindo fazê-lo no âmbito da rede particular de saúde. Discorre sobre o alto custo do fármaco, o processo de incorporação de novas tecnologias ao SUS e os contornos da tese firmada pelo STJ no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106). Alternativamente, pleiteia o direcionamento da obrigação de fazer ao Estado de Santa Catarina, com repartição pro rata do ônus financeiro, assim como o arbitramento de honorários advocatícios por apreciação equitativa.

Apresentadas as contrarrazões (evento 89) e também por força do reexame oficial, ascenderam os autos a esta Egrégia Corte.

É o sucinto relatório.

VOTO

Reexame necessário

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foram interpostos recursos voluntários por todos os entes públicos ocupantes do polo passivo desta demanda, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.

A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).

Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)

No mesmo sentido, inclusive, pronunciou-se esta Turma Julgadora:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO. 1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal. 2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade. 3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão. 4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, TRS/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).

Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interpostas apelações pela União e pelo Estado de Santa Catarina, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

Superada tal questão, passo ao exame do thema decidendum.

Mérito

A fim de evitar tautologia e, ao mesmo tempo, cumprir o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, com homenagem ao princípio da economia processual, transcrevo, no que interessa, excerto da decisão monocrática proferida pela ilustre Juíza Federal Eliana Paggiarin Marinho - no bojo da qual restou analisado o quadro fático subjacente a esta causa - nos autos do Pedido de Efeito Suspensivo à Apelação n.º 5045604-46.2020.4.04.0000, oportunidade em que a magistrada convocada manteve os efeitos da tutela provisória deferida na sentença, a saber (evento 2, DESPADEC1):

[...]

A Constituição da República Federativa do Brasil, no que interessa ao deslinde desta causa, assim preconiza:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

[...]

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III - participação da comunidade.

§ 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Exsurge dos dispositivos acima colacionados que o direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público dos indivíduos de exigir do Estado prestações positivas, passíveis de garantia pela via judicial. Nesse aspecto, a velha concepção de que os preceitos constitucionais alusivos à matéria encerrariam diretrizes de caráter meramente programático restou há muito superada em face da necessidade imperiosa de que as normas definidoras das prerrogativas fundamentais, a exemplo dos direitos à vida e à saúde, tenham aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, §1º, da Magna Carta, o que autoriza, por consectário, a interferência do Poder Judiciário, quando chamado a atuar, na concretização de tais direitos.

Inobstante, a problemática da judicialização do direito à saúde faz transparecer, à evidência, o conflito entre o que se convencionou denominar “mínimo existencial” e “reserva do possível”. Noutras palavras, em razão da carência de suportes financeiros suficientes à satisfação de toda e qualquer necessidade social, cumpre ao Poder Público, notadamente ao Legislativo e Executivo, enquanto formuladores e executores de políticas sanitárias, estabelecer prioridades e realizar escolhas alocativas, pautadas por critérios de macrojustiça. Doutro vértice, quando o Judiciário, norteado, a rigor, por parâmetros de microjustiça, entrega certa prestação de saúde a um determinado indivíduo que a postulou, acaba, por vezes, ignorando as consequências globais da destinação de recursos públicos em benefício de certa parte, com invariável prejuízo para o todo.

Nesse cenário, a tomada de decisão em matéria de saúde exige do magistrado notável racionalidade para compatibilizar, tanto quanto possível, direitos individuais indispensáveis à realização prática da dignidade da pessoa humana com a máxima efetividade das políticas públicas destinadas à coletividade.

Veja-se, pois, que a legislação infraconstitucional atinente à dispensação de fármacos (Lei n.º 8080/90), ao regular o comando normativo expresso no artigo 197 da Carta da República, tratou de vincular as ações do Sistema Único de Saúde à corrente intitulada de “Medicina com base em evidências”. Confira-se:

Art. 5º São objetivos do Sistema Único de Saúde SUS:

I - a identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde;

II - a formulação de política de saúde destinada a promover, nos campos econômico e social, a observância do disposto no § 1º do art. 2º desta lei;

III - a assistência às pessoas por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, com a realização integrada das ações assistenciais e das atividades preventivas.

Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):

I - a execução de ações:

[...]

d) de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica;

[...]

Art. 19-M. A assistência terapêutica integral a que se refere a alínea d do inciso I do art. 6o consiste em: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - dispensação de medicamentos e produtos de interesse para a saúde, cuja prescrição esteja em conformidade com as diretrizes terapêuticas definidas em protocolo clínico para a doença ou o agravo à saúde a ser tratado ou, na falta do protocolo, em conformidade com o disposto no art. 19-P; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

[...]

19-Q. A incorporação, a exclusão ou a alteração pelo SUS de novos medicamentos, produtos e procedimentos, bem como a constituição ou a alteração de protocolo clínico ou de diretriz terapêutica, são atribuições do Ministério da Saúde, assessorado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011) 1o A Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, cuja composição e regimento são definidos em regulamento, contará com a participação de 1 (um) representante indicado pelo Conselho Nacional de Saúde e de 1 (um) representante, especialista na área, indicado pelo Conselho Federal de Medicina. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

§ 2o O relatório da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS levará em consideração, necessariamente: (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

I - as evidências científicas sobre a eficácia, a acurácia, a efetividade e a segurança do medicamento, produto ou procedimento objeto do processo, acatadas pelo órgão competente para o registro ou a autorização de uso; (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

II - a avaliação econômica comparativa dos benefícios e dos custos em relação às tecnologias já incorporadas, inclusive no que se refere aos atendimentos domiciliar, ambulatorial ou hospitalar, quando cabível. (Incluído pela Lei nº 12.401, de 2011)

À vista de tal regramento, é possível concluir não haver direito incondicional a qualquer medicamento disponível no mercado, sob pena de gerar grave lesão à ordem administrativa e comprometer o próprio funcionamento do Sistema Único de Saúde. Além do que uma medicação em desconformidade com os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do SUS deve ser vista com cautela, porquanto tende, em princípio, a contrariar um consenso científico vigente a respeito.

De toda sorte, o Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175/CE, em 17-03-2010, estabeleceu, de forma paradigmática, critérios para solução judicial dos casos concretos envolvendo o direito à saúde. Naquela oportunidade, o Relator, Ministro Gilmar Mendes, concluiu que, a rigor, "deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente".

A propósito, o Superior Tribunal de Justiça, reverberando a inteligência externada pelo Pretório Excelso, firmou entendimento de que a indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. (STJ, AgRg no AREsp 697.696/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe de 26-06-2015; STJ, AgRg no REsp 1.531.198/AL, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 08-09-2015; STJ, AgRg no AREsp 711.246/SC, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, DJe de 21-08-2015; STJ, AgRg no AREsp 860.132/RS, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Segunda Turma, DJe de 13-04-2016).

Em idêntico sentido, transcrevo precedentes desta Corte:

MEDICAMENTOS. NÃO DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS EXISTENTES. 1. Somente fará jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 2. Inexistente a prova de que tenha se esgotado a possibilidade de tratamento pelo estabelecimento da rede de atenção oncológica com aqueles medicamentos fornecidos a todos indistintamente, não há evidência nos autos acerca da presença dos requisitos autorizadores da tutela pretendida. (TRF4, Terceira Turma, Apelação n.º 50066499720174047000, rel. Desembargadora Fededal Marga Inge Barth Tessler, j. 06-03-2018)

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. CONCESSÃO DE MEDICAMENTO. INDISPENSABILIDADE DO FÁRMACO. 1. O direito à saúde se traduz em um direito subjetivo público dos indivíduos de exigir do Estado prestações positivas, passíveis de garantia pela via judicial. Nesse aspecto, a velha concepção de que os preceitos constitucionais alusivos à matéria encerrariam diretrizes de caráter meramente programático restou há muito superada em face da necessidade imperiosa de que as normas definidoras das prerrogativas fundamentais, a exemplo dos direitos à vida e à saúde, tenham aplicação imediata, nos termos do artigo 5º, §1º, da Magna Carta, o que autoriza, por consectário, a interferência do Poder Judiciário, quando chamado a atuar, na concretização de tais direitos. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência, do esgotamento ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 3. In casu, à luz do acervo probatório anexado aos autos originários, notadamente a prova pericial, restaram demonstradas a necessidade e adequação da medicação requerida. (TRF4, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Apelação Cível n.º 5000303-03.2017.4.04.7204, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, j. 28-08-2019)

Impende salientar, ainda, que a egrégia Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em 25-04-2018, concluiu, sob a sistemática dos recursos repetitivos (art. 1.036, CPC/2015), o julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), de relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, acerca da obrigatoriedade do poder público de fornecer medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, ocasião em que foi firmada a seguinte tese jurídica:

A concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos:
i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;
ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito;
iii) existência de registro na ANVISA do medicamento.

Cumpre referir que o colegiado, na sessão de 12-09-2018, ao julgar os embargos de declaração opostos pelo Estado do Rio de Janeiro em face do acórdão que fixou a tese acima colacionada, entendeu por dar-lhes parcial provimento, sem efeitos infringentes, para o fim de esclarecer que onde se lê: "existência de registro na ANVISA do medicamento", leia-se: "existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência". Demais disso, houve por bem alterar o termo inicial da modulação de efeitos do recurso repetitivo para a data de publicação do aresto embargado, isto é, 04-05-2018.

A par da intelecção firmada pela Corte Superior de Justiça, considerando os princípios constitucionais da isonomia e segurança jurídica, e levando em conta que a presente ação foi ajuizada em 25-05-2020, posteriormente, portanto, ao citado marco modulatório, reputo inescusável o acatamento ao precedente estabelecido (art. 927, III, CPC/2015).

Assentadas tais premissas, passo ao exame do caso concreto.

Sublinho, desde já, não desconhecer que este Regional, em inúmeros julgados, externou entendimento no sentido de que, relativamente às patologias cancerígenas, a parte enferma, para fins de obtenção da medicação correlata, deveria necessariamente submeter-se a tratamento perante as unidades cadastradas na Rede de Atenção Oncológica (CACON ou UNACON). Do contrário, segundo iterativa jurisprudência deste Sodalício, inviável que se exigisse destes estabelecimentos apenas o fornecimento dos fármacos antineoplásicos.

Inobstante, verifico que a Corte Superior de Justiça, ao fixar a tese reportada alhures - cuja aplicação engloba medicamentos de qualquer natureza não constantes de atos normativos do SUS -, deixou de condicionar a dispensação de remédios oncológicos ao atendimento junto aos CACONs ou UNACONs. Vale dizer, configurados, de forma cumulativa, os três requisitos arrolados no repetitivo, resta aperfeiçoada a obrigação do Poder Público de fornecer a medicação vindicada em juízo, não havendo se falar, portanto, em um quarto pressuposto.

Nessa linha de conta, o STJ, em deliberação colegiada, tomada inclusive após a firmatura do aludido paradigma, nos autos do REsp n.º 1.682.973/RJ, reformou o acórdão recorrido para autorizar a concessão de medicamento destinado ao trato de câncer de próstata, dispensando a suposta necessidade de que o tratamento do doente ocorresse na rede pública. Eis a ementa do julgado:

RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO PARA TRATAMENTO DE NEOPLASIA MALIGNA. MEDICAMENTO NÃO DISPENSADO PELO INSTITUTO NACIONAL DO CÂNCER. MEDICAMENTO AUSENTE DA GRADE DE PADRONIZAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. PELO PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL. 1. Trata-se de recurso especial em que se busca a reforma do acórdão de origem, a fim de que as autoridades competentes se comprometam a fornecer ao recorrente medicamento específico não constante das listas do Sistema Único de Saúde – SUS (Zytiga 250mg), a ser utilizado no tratamento de câncer de próstata por ele apresentado. 2. O autor fez juntar aos autos relatório médico com registro da necessidade da medicação para seu tratamento e declaração emitida pelo Instituto Nacional do Câncer – INCA, informando que o medicamento pleiteado não é dispensado para pacientes por não constar na grade de medicamentos padronizados. 3. O acórdão encontra-se em dissonância com a jurisprudência desta Corte de Justiça, segundo a qual "o profissional da rede privada goza da mesma credibilidade que o médico da rede pública, até por estar mais próximo ao paciente e conhecedor de sua realidade e do quadro clínico a que está acometido, sendo seu laudo apto a sustentar o direito do paciente" (AgInt no RMS 51.629/MG, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 21/3/2018, DJe 26/3/2018). 4. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça concluiu o julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.657.156), relatado pelo ministro Benedito Gonçalves, que fixa requisitos para que o Poder Judiciário determine o fornecimento de remédios fora da lista do SUS. Os critérios estabelecidos só serão exigidos nos processos judiciais que forem distribuídos a partir desta decisão, sendo eles: 1 - Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; 2 - Incapacidade financeira do paciente de arcar com o custo do medicamento prescrito; e 3 - Existência de registro do medicamento na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). 5. Na presente hipótese, mesmo que a cumulação de tais requisitos não seja exigível, nos termos da modulação de efeitos realizada por ocasião do julgamento do recurso repetitivo, mister destacar que eles se encontram todos configurados, constituindo, pois, obrigação do poder público o fornecimento do aludido medicamento, mesmo que não incorporado em atos normativos do SUS. 6. Recurso especial provido para que sejam condenados os Réus, integrantes do SUS, ao fornecimento do medicamento Zytiga 250mg ao recorrente, na quantidade prescrita, enquanto comprovada a necessidade de seu uso. (STJ, REsp n.º 1.682.973/RJ, Segunda Turma, Relator Ministro Og Fernandes, j. 05/06/2018)

Dessarte, o fato de a autora não ter demonstrado, na espécie, que a prescrição farmacológica teve autógrafo de profissional vinculado à rede de atenção oncológica do SUS não lhe retira, por si só, o direito à medicação vindicada. Nesse sentido, a inteligência deste Órgão Julgador:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. DEFERIMENTO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Repetitivo 1.657.156, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, não condicionou a dispensação de medicamentos oncológicos ao atendimento junto à Rede de Atenção Oncológica - CACON ou UNACON. 2. Assim, mesmo em tratamentos fora do âmbito do SUS, a manutenção da tutela de urgência é a medida adequada. (TRF4, AG 5003277-23.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 08/04/2019, grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. CONCESSÃO DE MEDICAMENTOS ONCOLÓGICOS. TRATAMENTO PERANTE CACON/UNACON. DESNECESSIDADE. TUTELA PROVISÓRIA. MULTA COMINATÓRIA. 1. O fato de o autor/agravado não possuir matrícula em uma unidade cadastrada na Rede de Atenção Oncológica (CACON ou UNACON), não lhe retira, por si só, o direito à obtenção do fármaco reclamado. 2. A própria natureza sumária do juízo de cognição exarado em análise de eventual tutela provisória desobriga o julgador a revelar alto grau de certeza jurídica acerca da pretensão posta em juízo, bastando-lhe, para fins de sua outorga, a constatação da plausibilidade do direito material vindicado, assim como do perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 300, caput, do Novo Código de Processo Civil. 3. In casu, embora esta Turma venha, ordinariamente, fixando multa diária por atraso no valor de R$ 100,00 (cem reais), levando em conta a recalcitrância - concretamente demonstrada - dos entes públicos em dar cumprimento à medida satisfativa deferida na origem, o valor do sancionamento pecuniário deve ser consolidado em R$ 300,00 (trezentos reais). 4. Agravo de Instrumento parcialmente provido apenas para reduzir o valor da multa. (TRF4, AG 5037964-60.2018.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 03/04/2019, grifei)

Ora, o fato de qualquer jurisdicionado estar sendo assistido por plano de saúde de caráter privado não afasta a responsabilidade do Estado na dispensação de procedimentos terapêuticos, consoante o disposto no artigo 196 da Constituição da República, até porque as ações e serviços públicos de saúde devem obedecer aos princípios da universalidade de acesso e da igualdade da assistência, sem preconceitos ou privilégios de qualquer espécie, sendo de todo relevante salientar que a saúde constitui um ramo de caráter não contributivo da Seguridade Social, cujos serviços são acessíveis a todos os cidadãos.

Tal entendimento ecoa, inclusive, em outras Turmas deste Tribunal:

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. EVEROLIMUS (AFINITOR®). ESCLEROSE TUBEROSA. PLANO DE SAÚDE. RESSARCIMENTO AO SUS. ART. 32 DA LEI 9.656/98. ADEQUAÇÃO DEMONSTRADA. (...) 4. O fato de alguém contratar um plano de saúde não exonera o Estado de prestar-lhe serviços de saúde, frente ao que dispõe o artigo 196 da Constituição Federal. 5. Assegurados mecanismos regressivos a fim de que os planos de saúde não se locupletem, simplesmente transferindo seus encargos para o poder público, em observância ao artigo 32 da Lei n.º 9.656/98. 6. Tendo em vista a indicação do fármaco Everolimus (Afinitor) para tratamento de esclerose tuberosa que acomete o paciente infante, entendo deva ser judicialmente deferida a dispensação do medicamento requerido. (TRF4, AC 5063140-52.2016.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/07/2018, grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. PRESTAÇÃO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REQUISITOS. TRATAMENTO PRIVADO. POSSIBILIDADE. 1. O abalo considerável à saúde da parte é suficiente para a caracterização do perigo de dano grave ou de difícil reparação. 2. A concessão de medicamento que não conste das listas de dispensação do SUS deve atender aos seguintes requisitos: (a) a inexistência de tratamento ou medicamento similar ou genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem resultado prático ao paciente ou sua inadequação a ele devido a peculiaridades que apresenta; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a moléstia que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA; e (d) a não configuração de tratamento experimental. 3. O direito à saúde deve ser garantido a todos, inclusive a quem - no mais das vezes, com considerável sacrifício pessoal - adere a plano de saúde ou custeia tratamento particular. (TRF4, AG 5035548-22.2018.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/02/2019, grifei)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TUTELA DE URGÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. USTEQUINUMABE. PSORÍASE. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS PELO PODER PÚBLICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. DEMONSTRAÇÃO DA (IM)PRESCINDIBILIDADE. PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA. (...) 4. Quanto ao fato de a parte autora contar com plano de saúde particular para o custeio de suas despesas médicas, tal circunstância, por si só, não constitui motivo para excluí-la da assistência prestada pelo Poder Público, mormente porque a imprescindibilidade da dispensação do medicamento, nesse momento, vem respaldada e reforçada pela perícia médica judicial, que além de especializada, é totalmente isenta e de confiança do juízo. Precedentes desta Corte. 5. No concernente ao pedido de realização de ressarcimento entre os entes federativos na via administrativa, inexistindo dúvida acerca da legitimidade passiva dos réus e sendo solidária a sua responsabilidade na ação, igualmente são responsáveis pelo fornecimento e pelo ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido. Não obstante, ainda que reconhecida a solidariedade, não cabe aqui declarar as atribuições ou direito de determinado réu em ressarcir-se dos demais quanto às despesas relativas ao cumprimento da obrigação. Eventual acerto de contas que se fizer necessário, em virtude da repartição de competências dentro dos programas de saúde pública e repasses de numerário ou restituições, deverá ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial. (TRF4, AG 5044114-57.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 04/04/2019, grifei)

Superada tal questão, atenho-me, doravante, ao exame da (im)prescindibilidade do tratamento requestado.

Embora o jurisperito - é verdade - tenha afirmado não ter sido possível aferir se autora fez uso dos medicamentos disponíveis na rede pública de saúde (evento 50, LAUDO1, fl. 3, quesito 8), foi, doutro vértice, categórico no sentido de que a droga pleiteada é insubstituível por outras fornecidas pelo SUS (quesito 9), referenciando, para tanto, completo parecer técnico-científico constante do repositório público da plataforma e-NatJus1.

Tal parecer, subscrito pelo Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde do renomado Instituto Nacional de Cardiologia (NATS/INC), encerrou conclusão favorável à pretensão autoral, a saber:

Veja-se, portanto, que a eficácia do medicamento foi cientificamente atestada não apenas para os casos de pacientes acometidos de mielomas refratários ou recidivados, mas, também, para aqueles recém diagnosticados (elegíveis ou não ao transplante de medula), o que parece ser a hipótese sub examine.

Demais disso, o receituário médico revela que o DARATUMUMABE será associado a outro esquema medicamentoso, e não administrado de forma isolada (evento 1, RECEIT6, fl. 02):

A referida associação só reforça a adequabilidade do fármaco no controle do mal deletério que consterna a autora, pois as conclusões exaradas pelo NATS-INC vinculam a efetividade do DARATUMUMABE justamente a esquemas terapêuticos duplos ou triplos.

A par de todo o cenário esposado, havendo notícia de que a droga pleiteada tem registro na ANVISA e levando em conta que o custo de sua aquisição supera em muito os ganhos mensais da parte autora, não vislumbro, por ora, probabilidade de provimento do recurso, pelo que não merece prosperar a suspensão almejada.

Dispositivo

Ante o exposto, indefiro o pedido de efeito suspensivo à apelação.

Inexistem motivos para alterar o entendimento acima externado, razão pela qual se impõe a ratificação, no mérito, da sentença vergastada.

Responsabilidade financeira

A norma constitucional extraída do artigo 196 da Carta Magna consagra a responsabilidade solidária dos entes federativos em matéria de saúde pública, eis que o vocábulo "Estado", considerado em sua maior amplitude, retrata o Poder Público como um todo, alcançando, indubitavelmente, a União, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.

A reforçar tal ilação, o artigo 23, inciso II, bem como o artigo 198, caput e §1º, ambos do Texto Maior, trataram de firmar a competência comum das pessoas federativas com relação à prestação de serviços públicos de saúde e de instituir um Sistema Único de Saúde (SUS), cujo financiamento fosse levado a efeito a partir dos recursos orçamentários de todos os entes.

A jurisprudência corrente dos Tribunais Superiores orienta-se, de maneira uniforme, no sentido de que a responsabilidade dos entes federados traduz litisconsórcio passivo facultativo, de modo que, em ações deste jaez, é dado ao cidadão enfermo obter os medicamentos de que necessite perante quaisquer das pessoas políticas, cabendo-lhe, portanto, o direito subjetivo de demandá-las em conjunto ou isoladamente.

Nada obstante, destaco que o Supremo Tribunal Federal, na sessão de 23 de maio de 2019, ao julgar os embargos de declaração opostos pela União contra decisão do Plenário Virtual no RE n.º 855178/SE (Tema 793), com relatoria para o acórdão do Ministro Edson Fachin, fixou, por maioria, a seguinte tese de repercussão geral:

Os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro (grifei)

Embora a Corte Suprema tenha reafirmado sua jurisprudência prevalente - no sentido de reconhecer a responsabilidade solidária dos entes federados em matéria de direito à saúde -, tratou de inovar no cenário jurídico, ao exigir, de forma expressa, que o magistrado direcione o cumprimento da obrigação, segundo as normas de repartição de competências, assim como condene a pessoa política legalmente responsável pelo financiamento da prestação sanitária a ressarcir quem suportou tal ônus.

In casu, levando em conta que o objeto do expediente originário consiste no fornecimento de medicação oncológica, a responsabilidade financeira da aludida prestação é atribuível ao ente federal. Nessa toada, aludo aos seguintes julgados:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. DOENÇAS ONCOLÓGICAS. CACON/UNACON. PRESUNÇÃO DE ACERTO DA PRESCRIÇÃO MÉDICA. PERÍCIA JUDICIAL. SUBSTITUIÇÃO POR NOTA TÉCNICA SUBSCRITA POR NATJUS. VIABILIDADE. INEFICÁCIA DAS ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS DISPONÍVEIS NO SUS. MULTA DIÁRIA. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA. DIRECIONAMENTO DA OBRIGAÇÃO. JUÍZO DA EXECUÇÃO. 1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência. 2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS. 3. Este Tribunal tem entendimento cristalizado no sentido de que, em casos de tratamento de doenças oncológicas perante unidades credenciadas como CACON/UNACON, existe, a princípio, presunção de acerto da prescrição médica, razão pela qual, nesses casos, dispensa-se a realização de perícia antes do exame do pleito liminar. 4. De regra, a perícia judicial pode ser substituída por parecer elaborado por órgão de assessoramento técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus). 5. In casu, o órgão de assessoramento técnico do juízo - equipe médica do Hospital Israelita Albert Einstein - chancelou a prescrição medicamentosa do profissional assistente, assentando a necessidade de utilização do fármaco pela parte autora, máxime em face do tratamento com quimioterapia convencional, como a dacarbazina, as platinas (cisplatina e carboplatina) e os taxanos (paclitaxel e docetexel), ser pouco efetivo, com atividade em apenas 10% dos pacientes e benefício pequeno. 6. No tocante ao prazo fixado para o cumprimento da medida, 15 (quinze) dias é o considerado adequado por esta Corte para efeito de fornecimento de medicamentos pelo Poder Público. 7. Levando em conta que o objeto do expediente originário consiste no fornecimento de medicação oncológica, a responsabilidade financeira da aludida prestação é atribuível ao ente federal. 8. O direcionamento da obrigação de fazer em matéria de direito à saúde deve ficar a cargo do juízo da execução. (TRF4, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, Agravo de Instrumento n.º 5053099-78.2019.4.04.0000, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, j. 09-03-2020, sem o grifo no original)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. OCORRÊNCIA. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO ONCOLÓGICO. SOLIDARIEDADE. TEMA 793 DO STF. 1. Os embargos de declaração pressupõem a presença de omissão, contradição, obscuridade ou erro material na decisão embargada. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 793, fixou tese no sentido de que "os entes da federação, em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da saúde e, diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro." 3. Uma vez que os tratamentos oncológicos estão enquadrados como Procedimentos de Alta Complexidade, conforme a Portaria 627, de 26 de abril de 2001 (anexos I e II), e a Portaria 876/2013, que, em seu art. 8º, II, dispõe que cabe ao Ministério da Saúde garantir o financiamento para o tratamento do câncer, nos moldes das pactuações vigentes, deve ser reconhecido que a União é a responsável financeira pelo custeio de tratamentos oncológicos, nada obstante o fornecimento do medicamento e do serviço médico sejam exigíveis solidariamente de qualquer dos entes políticos. 4. Embargos de declaração parcialmente providos para reconhecer que a União é a responsável financeira pelo custeio do tratamento oncológico. Porém eventuais valores despendidos pelo Estado do Rio Grande do Sul para fornecimento do tratamento postulado, devem ser requeridos administrativamente e diretamente àquela ré. (TRF4, AC 5034994-64.2017.4.04.7100, Sexta Turma, Relatora Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 28/11/2019)

Nesse aspecto, não há se falar, como quer a União, em financiamento pro rata da prestação sanitária.

Doutro vértice, o fato de a responsabilidade financeira de custear a droga buscada recair sobre o ente federal não impede o acionamento dos corréus, haja vista o multicitado vínculo de solidariedade existente entre os ocupantes do polo passivo. De tal constatação apenas decorre, em verdade, que o ente estadual deve ser ressarcido na hipótese de ter despendido recursos financeiros com a execução da tutela, e não que deve ser excluído da lide ou que suas obrigações estejam adstritas, de forma apriorística, ao armazenamento, manuseio, aplicação ou entrega do fármaco requestado.

Como bem ventilado no voto condutor do Tema 793 do STF, ainda que as normas de regência (Lei 8.080/90 e alterações, Decreto 7.508/11, e as pactuações realizadas na Comissão Intergestores Tripartite) imputem expressamente a determinado ente a responsabilidade principal (de financiar a aquisição) pela prestação pleiteada, é lícito à parte incluir outro ente no polo passivo, como responsável pela obrigação, para ampliar sua garantia, como decorrência da adoção da tese da solidariedade pelo dever geral de prestar saúde.

Obtempero, então, merecer a apelação do Estado de Santa Catarina parcial acolhimento para o fim de que seja declarado, como já referido alhures, o direito de se ver ressarcido caso tenha arcado financeiramente com o cumprimento da obrigação estampada no comando sentencial.

Quanto ao direcionamento da obrigação, invoco a recente compreensão do Superior Tribunal de Justiça de que a tese firmada no julgamento do Tema 793 pelo Supremo Tribunal Federal, quando estabelece a necessidade de se identificar o ente responsável a partir dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização do SUS, relaciona-se ao cumprimento de sentença (AgInt no CC n.º 166.964/RS, Rel. Min. Og Fernandes, 1ª Seção, j. 23/10/2019), razão pela qual relego ao juízo da execução o encargo de direcionar o cumprimento da ordem judicial.

Honorários advocatícios

Em se tratando de causa afeta à garantia do direito à saúde, cujo valor material é inestimável, a incidência da norma contida no artigo 85, §8º, do Novo Código de Processo Civil, revela-se de todo adequada, ficando a cargo do julgador, mediante apreciação equitativa, o arbitramento da verba honorária.

Nesse aspecto, em não havendo situação excepcional a recomendar outro valor, os réus devem ser condenados em honorários advocatícios à razão de R$ 3.000,00 (três mil reais), pro rata, consoante iterativa jurisprudência desta Turma.

Com efeito, provejo os apelos dos réus para redimensionar o quantum fixado a título de honorários de advogado.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento às apelações.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002247335v9 e do código CRC 26c17dc7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 18/12/2020, às 16:6:47


5002391-97.2020.4.04.7207
40002247335.V9


Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:14.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5002391-97.2020.4.04.7207/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: RUTE MARIA CORREA BURIGO DOMINGOS (AUTOR)

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS NÃO INCORPORADOS EM ATOS NORMATIVOS DO SUS. RECURSO ESPECIAL N.º 1.657.156/RJ. TEMA 106 DO STJ. DARATUMUMABE. Mieloma Múltiplo. RESPONSABILIDADE FINANCEIRA.

1. Nos termos definidos no julgamento do REsp n.º 1.657.156/RJ (Tema 106 - STJ), a concessão dos medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa dos seguintes requisitos: i) Comprovação, por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS; ii) incapacidade financeira de arcar com o custo do medicamento prescrito; iii) existência de registro do medicamento na ANVISA, observados os usos autorizados pela agência.

2. A indispensabilidade do medicamento vindicado nas demandas alusivas às prestações de saúde deve ser aferida não apenas em razão da comprovada eficácia do fármaco no tratamento de determinada doença, mas, também, da inexistência, do esgotamento ou da patente inefetividade das opções terapêuticas viabilizadas pelo SUS.

3. In casu, o jurisperito foi categórico no sentido de que a droga pleiteada é insubstituível por outras fornecidas pelo SUS, referenciando, para tanto, completo parecer técnico-científico constante do repositório público da plataforma e-NatJus.

4. O fato de a responsabilidade financeira de custear droga antineoplásica recair sobre a União não impede o acionamento dos corréus, haja vista o multicitado vínculo de solidariedade existente entre os ocupantes do polo passivo. De tal constatação apenas decorre, em verdade, que o Estado de Santa Catarina deve ser ressarcido na hipótese de ter despendido recursos financeiros com a execução da tutela, e não que deve ser excluídos da lide ou que suas obrigações estejam adstritas, de forma apriorística, ao armazenamento, manuseio, aplicação ou entrega do fármaco requestado.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento às apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 17 de dezembro de 2020.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002247336v4 e do código CRC b5364218.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 18/12/2020, às 16:6:47


5002391-97.2020.4.04.7207
40002247336 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:14.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020

Apelação/Remessa Necessária Nº 5002391-97.2020.4.04.7207/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: ESTADO DE SANTA CATARINA (RÉU)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: RUTE MARIA CORREA BURIGO DOMINGOS (AUTOR)

ADVOGADO: HENRIQUE LAPA LUNARDI (OAB SC031413)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 16:00, na sequência 883, disponibilizada no DE de 30/11/2020.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 26/12/2020 08:01:14.

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