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ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. CÂNCER. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA PELA INEFETIVIDADE DO TRATAMENTO. TRF4....

Data da publicação: 07/07/2020, 17:44:02

EMENTA: ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. CÂNCER. IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. EVIDÊNCIA CIENTÍFICA PELA INEFETIVIDADE DO TRATAMENTO. 1. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 2. Havendo parecer de órgãos técnicos que atestam pela não indicação do mesmo, informando ausência de vantagem terapêutica em relação aos tratamentos disponibilizado pelo SUS, tem-se que não há evidência nos autos da presença dos requisitos que corroborem o direito alegado pela parte. (TRF4 5001648-87.2015.4.04.7005, QUARTA TURMA, Relator para Acórdão LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 12/04/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001648-87.2015.4.04.7005/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: RUDI NINOV (AUTOR)

ADVOGADO: ANA HERCÍLIA RENOSTO PAULA LENTO

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

INTERESSADO: CENTRO DE ONCOLOGIA CASCAVEL SC LTDA (INTERESSADO)

ADVOGADO: ANTONYO LEAL JUNIOR

ADVOGADO: ROBERTA SOARES CARDOZO

ADVOGADO: ARTHUR SOARES CARDOZO

RELATÓRIO

Trata-se de apelações interpostas em face da sentença proferida nos seguintes termos:

Ante o exposto JULGO PROCEDENTE O PEDIDO, extinguindo o processo com resolução do mérito, com base no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, condenando a União e o Estado do Paraná a, solidariamente fornecerem ao paciente Rudi Ninov o medicamentoRituximabe (Mabthera), conforme prescrição médica (evento 1 - RECEIT9 - 11 frascos/ampolas de 500mg, e 03 frascos/ampolas de 100mg - observando-se o que já foi entregue em razão da liminar de antecipação dos efeitos da tutela), sob pena de multa diária no valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Diante das provas juntadas pela autora e, especialmente, da perícia realizada, bem como tendo em conta a procedência do pleito, ratifico de forma integral a tutela provisória, fundada na urgência (deferida no evento 8 como tutela antecipada, na vigência do Código de Processo Civil de 1973), uma vez que, conforme delineado na fundamentação da presente sentença, existem elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 300 do Código de Processo Civil.

Esclareço que a presente condenação é solidária, razão pela qual os réus devem estabelecer administrativamente a responsabilidade pela aquisição e dispensação do fármaco. Assim, tal questão, por ser estranha aos autos, não pode ser oposta nesse feito.

Condeno os réus a restituírem à Seção Judiciária do Paraná, pro rata, o valor pago ao perito a título de honorários, nos termos da Resolução CJF n. 558/07 e do art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 9.289/96, devidamente corrigidos pelo INPC/IBGE, desde a data da requisição até o efetivo pagamento.

Com fundamento no parágrafo 10 do artigo 85 do Código de Processo Civil condeno a parte ré, pro rata, ao pagamento de honorários advocatícios. Em que pese tenha sido atribuído valor à causa com base no custo do medicamento pleiteado, entendo que, por tratar-se de direito à saúde o cerne da demanda, o presente feito possui proveito econômico inestimável, razão pela qual, por apreciação equitativa, ante a baixa complexidade da demanda e observando o disposto nos incisos do parágrafo 2º, conforme parágrafo 8º, ambos do dispositivo já citado, arbitro os honorários advocatícios no importe de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), valor que deverá ser corrigido monetariamente pelo IPCA-E desde a data desta sentença, sem a inclusão de juros de mora.

Conforme fundamentação supra, encaminhem-se cópias dos autos ao Ministério da Sáude e ao Ministério Público Federal, para que, querendo, tomem as medidas que entenderem cabíveis.

Quanto ao valor depositado judicialmente pelo Estado do Paraná (evento 54, GUIADEP1), intime-se-o para que indique conta bancária para transferência ou depósito, ou para que solicite a expedição de alvará de levantamento, o que desde já defiro. Diligências necessárias.

Custas processuais isentas (artigo 4º, incisos I e II, da Lei 9.289/96).

Sentença sujeita à remessa necessária (artigo 496, inciso I, do Código de Processo Civil).

Em suas razões recursais, a União teceu considerações a respeito de sua ilegitimidade passiva, a existência de políticas públicas para o tratamento da moléstia, a incorporação de novas tecnologias, o fornecimento de medicamentos em assistência oncológica e a ênfase na detecção precoce do câncer. Nesses termos, pugnou pelo conhecimento e provimento da presente apelação, para o fim de reformar a sentença e extinguir o processo sem julgamento de mérito, em relação à União, em virtude da sua ilegitimidade passiva, ou, sucessivamente, o reconhecimento da improcedência da ação, com a inversão do ônus da sucumbência.

O Estado do Paraná sustentou que (a) é totalmente inviável continuar a se interpretar a Constituição da República de forma tão ampla, o que enseja a necessidade de se levar em conta os programas de medicamentos de responsabilidade do Ministério da Saúde, dos Estados e dos Municípios, e (b) o Estado do Paraná jamais terá meios de implantar uma política eficaz de fornecimento de medicamentos, de modo a permitir o acesso universal e igualitário das pessoas portadoras de enfermidade, caso tenha que desviar recursos adrede alocados, para o atendimento de demandas individuais. Insurgiu-se ainda em face dos valores cobradoas pelo CACON. Ao final, requereu seja indeferida a pretensão exordial, reformando-se a sentença, eis que a obrigação de fornecimento do medicamento pretendido é da União, por meio dos CACON’S.

O(A) autor(a) pleiteiou a majoração da verba honorária, a incidir SOBRE O VALOR DE R$ 91.101,01, correspondente à expressão e conômica da CONDENAÇÃO, e fixando-os entre as balizas legais de 10 e 20%, aproximando-os do teto (R$ 18.220,20), consoante alterações já em vigor, trazidas pelo Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105 de 16/03/2015), e ainda a incidência de juros e correção monetária, da data da sentença até a data do efetivo pagamento, em respeito às disposições legais respectivas.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal exarou parecer, opinando pela manutenção da sentença.

É o relatório.

VOTO

I - A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ. (...) (STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...). (TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)

Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:

A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.

Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.

II - A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Dentre os serviços e benefícios prestados no âmbito da saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n.º 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica. Os medicamentos estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas, com impacto socioeconômico, cabendo sua aquisição pelo Ministério da Saúde e seu armazenamento e distribuição pelos Municípios. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria n. 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).

Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.

No caso do diabetes, o regramento legal (Lei n.º 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.

Na hipótese de câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS; a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e assemelhados - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia e Serviços Isolados de Quimioterapia e Radioterapia -, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde dos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Inexistindo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos dos CACONs/UNACONs, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.

Nesse contexto, considerando a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Sequer pode-se considerar o Judiciário como uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem sopesar a existência de outros cidadãos nas mesmas ou em piores circunstâncias.

Bem por isso, após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175 (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.

Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".

Diante disso, seguindo nessa linha, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público. Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, p.ex., com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos, por inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).

Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".

Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco, efeitos colaterais deste, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar prestação diversa da usualmente custeada pelo SUS.

Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se consiste em tratamento meramente experimental, ou novo, ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.

Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada por normas específicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que não foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecê-los.

Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada".

Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, é possível a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria, "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".

Em contrapartida, o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. Nesse sentido, o STF já se pronunciou:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".

Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.

O(A) autor(a) ajuizou a ação, para assegurar o fornecimento do medicamento RITUXIMABE, para o tratamento de leucemia linfocítica crônica (CID C91.1)

Sobre a pretensão, assim manifestou-se o juízo a quo:

(...)

II.2.1 - Das especificidades do caso concreto.

Ultrapassadas algumas generalidades pertinentes aos casos que envolvem o direito à saúde, há que serem delineadas algumas singularidades do caso concreto. De pronto, esclareço que, em fase de cognição sumária, já foi analisado o preenchimento dos requisitos acima estabelecidos. Em suma, o autor reside em Santa Tereza do Oeste/PR (evento 1 - END6), é portador da doença alegada (evento 119 - LAU1 - quesito 'a' do juízo), está em tratamento junto ao CEONC através Sistema Único de Saúde, além de não haver discordância de que o medicamento requerido não é fornecido na rede pública de saúde para a doença que acomete o autor.

Em relação ao requisito de número '3', sobre o esgotamento da opção terapêutica disponibilizada junto ao Sistema Único de Saúde, cumpre registrar que o medicamento pleiteado, Rituximabe (Mabthera), apresenta-se como meio de potencializar o tratamento quimioterápico que o autor já se submete, este último, aparentemente, disponibilizado pela rede pública de saúde, ou seja, não se está desprezando, muito menos abandonando, o tratamento apresentado pelo Sistema Único de Saúde para a patologia do autor, apenas se está buscando otimizar os efeitos do mesmo.

Dito isto, entendo necessária uma análise do laudo pericial, pois trata-se de prova fundamental para o deslinde da demanda.

Diante do laudo acostado no evento 119, infere-se que o autor é portador de Leucemia Linfoide Crônica, patologia que foi diagnosticada em dezembro de 2014, apresentando linfonodomegalias em região cervical e alterações no hemograma (LAU1 - quesitos do juízo 'a-c'). Em que pese o Sr. Perito tenha afirmado que a doença em comento não é passível de cura, também restou esclarecido que o fármaco requerido é indicado para aumentar a taxa de resposta ao tratamento de controle da patologia (LAU1 - quesitos do juízo 'd' e 'g').

Também foi consignado na perícia que não há a possibilidade de utilização de outro medicamento com a mesma eficácia do Rituximabe (Mabthera), além de o mesmo não possuir contra indicações na forma prescrita (LAU1 - quesitos do juízo 'j-l'). Há que se registrar ainda, que o medicamento, no caso do autor, não configura utilização 'off-label' (LAU1 - quesitos da União '3').

Por fim, sobre a alegação da União em suas alegações finais de que o autor está requerendo dosagem do medicamento maior que a indicada pelo perito no quesito 9 do laudo pericial, tal dúvida foi devidamente dirimida no laudo complementar anexado no evento 137, não restando fundamentos que obstem o direito autoral por tais razões, ao qual me reporto, in verbis:

[...]

Excelentíssimo juiz creio que houve apenas um equivoco do nobre procurador da União na interpretação ao laudo pericial. Pois em resposta ao quesito 9 este perito informou a dosagem do medicamentos é em miligramas por metro quadrado de superfície corporal do paciente (375mg/m2). A dosagem prescrita para paciente foi de 800mg (miligramas) no total. Ou seja, considerando o peso, altura da parte autora 375mg/m2 equivale a 800mg do medicamento a ser utilizado na paciente e 500mg/m2 equivale a 1000mg do medicamento a ser utilizado.

a) A dosagem do medicamento Rituximabe (Mabthera) prescrita pelo profissional que acompanha o autor - 800mg para o primeiro ciclo e 1.000mg para os demais - é adequada? R: Sim.

b) Há excesso na dosagem prescrita? R: Não.

[...]

Esclareço que, em uma perspectiva constitucional do assunto, não é indispensável que o medicamento pleiteado traga especificamente a cura ao paciente. A melhora do quadro clínico e, consequentemente, da qualidade de vida, já embasam a necessidade do fármaco, visto que deve-se primar por uma vida digna aos cidadãos, e não por mera sobrevivência.

Assim sendo, entendo que se apresentam delineados os fundamentos autorizadores da procedência do pleito, vez que preenchidos os requisitos e devidamente analisado o laudo pericial.

Com efeito, infere-se da análise das provas produzidas nos autos que: (1) o(a) autor(a) realiza tratamento oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS), no Centro Oncológico de Cascavel, estabelecimento cadastrado como CEONC (Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia); (2) o fármaco foi prescrito por profissional vinculado a essa unidade, sendo definido pelo Poder Público como competente para indicar a terapia necessária e adequada à moléstia, e (3) ele(a) já se submeteu aos tratamentos previstos nos protocolos do SUS, sem êxito (com recidiva da doença).

Tais circunstâncias são suficientes para caracterizar a verossimilhança das razões que embasam o pedido inicial.

Comprovadas a eficácia e a necessidade de uso do medicamento para o controle da doença e a ineficácia das drogas fornecidas pelo SUS, é inafastável o reconhecimento de seu direito à tutela jurisdicional.

III - Dada a existência de solidariedade na prestação de serviços de saúde, não há como excluir qualquer um dos réus da responsabilidade pela aquisição do medicamento. Caberá a eles proceder, administrativamente, a repartição/ressarcimento dos valores despendidos, independentemente de intervenção judicial.

Quanto à insurgência do Estado do Paraná contra os valores apresentados pelo CEONC, tal questão não pode ser resolvida no bojo destes autos, pois estar-se-ia ampliando os limites da demanda inicialmente aqui proposta, violando os artigos 141 e 322, parágrafo 2º, ambos do Código de Processo Civil. Ademais, cabe à União conferir se APACs foram deflagradas em duplicidade ou expedidas em desacordo com a regras estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde e tomar as medidas cabíveis. Da mesma forma, tanto o Estado do Paraná quanto a União, demonstrando irregularidades, podem postular o ressarcimento junto à entidade hospitalar por meio de ação própria e adequada.

IV - Os réus deverão arcar com os honorários advocatícios devidos ao procurador do(a) autor(a), observados os critérios legalmente estabelecidos no art. 85 do CPC.

No tocante ao quantum a ser arbitrado a esse título, há que se ponderar que, nas ações em que pleiteado o fornecimento gratuito de medicamentos, (1) não raras vezes, há discrepância entre o valor atribuído à causa e o real proveito econômico obtido, tendo em vista a possibilidade de interrupção superveniente do tratamento original pela alta toxicidade do fármaco, o que inviabiliza a estimativa baseada em custo do medicamento e tempo de sua utilização, e (2) o direito à saúde é de valor inestimável. Por essa razão, aplica-se a regra prevista no § 8º do art. 85 do CPC, que remete o arbitramento da verba honorária sucumbencial à apreciação equitativa do juiz (que considerará o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e importância da causa, o trabalho efetivamente realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço).

No caso concreto, considerando que o feito tramitou por um pouco mais de um ano até a prolação da sentença, sem incidentes processuais que exigissem diligências por parte dos procuradores, os honorários advocatícios devem ser fixados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), pro rata, devidamente corrigidos (já considerado o disposto no art. 85, § 11, do CPC), porquanto em consonância com a jurisprudência em ações dessa natureza.

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora e negar provimento às apelações da União e do Estado do Paraná, bem como a remessa necessária.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000366966v8 e do código CRC 3f7fe5a6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 18/3/2018, às 18:47:48


5001648-87.2015.4.04.7005
40000366966.V8


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 14:44:01.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001648-87.2015.4.04.7005/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: RUDI NINOV (AUTOR)

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

VOTO DIVERGENTE

Com a devida vênia, divirjo da e. Relatora quanto ao mérito.

A parte autora encontra-se acometida de leucemia linfocítica crônica, estando em uso da política disponibilizada pelo SUS para tratamento dessa doença. Nesse contexto, requereu o deferimento judicial de fornecimento do medicamento Rituximabe/Mabthera.

Ocorre que, em consulta à pagina do NATS, de Minas Gerais, encontra-se parecer técnico, vinculado ao processo 1666.14.000341-8, com base em estudos científicos no sentido de que não há vantagem terapêutica comprovada no uso de Rituximabe para tratamento de leucemia linfocítica crônica em detrimento aos medicamentos previstos no protocolo clínico para o tratamento da doença, disponibilizados gratuitamente na rede pública de saúde (http://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/5504/1/NATS_NT_2014_42%20RITUXIMABE%20PAR%20LLC %2005-03-2014.pdf):

"(...) 3- Resultados da Revisão da literatura

A leucemia linfoide ou linfocítica crônica (LLC) é um tipo de câncer do sangue, fazendo parte de um grupo de doenças que afeta um tipo de célula branca denominada linfócito. Os linfócitos ajudam o corpo a combater as infecções. Na LLC um grande número de linfócitos é encontrado no sangue ou na medula óssea (área esponjosa no meio dos ossos longos do corpo, onde o sangue se forma).

Ao contrário de outros tipos de leucemia, a LLC se desenvolve lentamente (10 a 20 anos) e afeta mais os idosos. Nos estágios iniciais causa poucos problemas para o paciente e o mesmo pode viver por décadas. Muitas vezes o diagnóstico é realizado por acaso, por meio de exames de sangue que são realizados por outros motivos. Quando a doença progride, entretanto, geralmente é fatal.

O estudo que justificou a indicação de bula para o uso do rituximabe na LLC avaliou 552 pacientes que já tinham recebido tratamento quimioterápico prévio (doença recidivada ou refratária). Um grupo recebeu as medicações fludarabina + ciclofosfamida (FC) e outro essas mesmas medicações com o acréscimo do rituximabe (FCR). Não houve diferença na sobrevida global dos pacientes entre os grupos. No grupo de pacientes que usou o esquema FCR o tempo livre de progressão da doença foi maior do que naqueles que receberam o FC (30,6 meses versus 20,6 meses). Entretanto, os pacientes do grupo do rituximabe tiveram mais efeitos adversos graves, inclusive mais efeitos adversos fatais (14% versus 10%).

4- Conclusão:

O rituximabe não está disponível no SUS para o tratamento da leucemia linfocítica crônica (LLC).

Os estudos clínicos mostraram que o rituximabe não aumenta o tempo de vida dos pacientes com LLC e lhes causa mais efeitos adversos."

Assim, tendo em vista a existência de alternativas terapêuticas, não tendo sido demonstrada a sua inadequação ao quadro particular, circunstância que também poderia levar ao reconhecimento do direito alegado e, somado ao fato de não haver evidências científicas que indiquem a preferência do tratamento ora pleiteado, com vantagem terapêutica em relação ao já disponibilizado pelo SUS, reputo descabida sua dispensação. Veja-se que a jurisprudência desta Corte vem apontando nesse sentido:

ADMINISTRATIVO. LEGITIMIDADE PASSIVA. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ACETATO DE RITUXIMABE (MABTHERA®). EXISTÊNCIA DE ALTERNATIVAS TERAPÊUTICAS. INADEQUAÇÃO NÃO DEMONSTRADA. ESTUDOS CIENTÍFICOS PELA NÃO INDICAÇÃO. 1. A responsabilidade dos Entes Federados configura litisconsórcio passivo facultativo, podendo a ação em que se postula fornecimento de prestação na área da saúde ser proposta contra a União, Estado ou Município, individualmente ou de forma solidária, a critério da parte proponente, devendo, eventual acerto de contas em virtude do rateio estabelecido, ser realizado administrativamente ou em ação própria. 2. A Constituição Federal de 1988, após arrolar a saúde como direito social em seu artigo 6º, estabelece, no art. 196, que a saúde é "direito de todos e dever do Estado", além de instituir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". 3. Como se está a tratar de questão extremamente sensível, ligada ao próprio direito fundamental à vida, e tendo em vista que a Constituição estabeleceu, no inciso XXXV de seu art. 5º, que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", o resultado é a atual judicialização da política de assistência farmacêutica através de demandas individuais e coletivas, devendo a interferência judicial dar-se de forma equilibrada a fim de não prejudicar um direito individual e, tão-pouco, inviabilizar o sistema de saúde pública. 4. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 5. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 6. A existência de alternativas terapêuticas, bem como ante a inexistência de demonstração da sua inadequação ao quadro particular e, ainda, tendo em vista o fato de não haver evidências científicas que indiquem a preferência do tratamento eleito no atendimento do autor com vantagem terapêutica em relação ao disponibilizado pelo SUS, não deve ser judicialmente deferida a dispensação do fármaco requerido. (TRF4, APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5015635-11.2015.404.7000, 3ª Turma, Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/09/2017)

Conforme exposto, o presente caso enquadra-se nas situações em que a alternativa pleiteada não consta dos protocolos clínicos para o tratamento custeado pelo Poder Público por força de entendimento no sentido de que inexistem evidências científicas suficientes que autorizem sua inclusão nos protocolos clínicos de tratamento da doença (hipótese de decisão administrativa fundamentada). E se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador, nos termos do Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça:

14 - Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

O art. 196 da Constituição Federal não pode ser compreendido como mera norma programática, mas como norma de eficácia plena. Irradia seus efeitos e determina a todos os entes componentes do SUS a praticar as medidas necessárias à prestação de serviços de saúde efetivos e adequados ao cidadão. No entanto, o simples fato da parte postular a concessão de medicamento com amparo em preceito constitucional, não tem o efeito de levar a presunção de eficácia na concessão do tratamento pleiteado, para fins de autorização da concessão da tutela antecipada.

Portanto, ainda que o medicamento pretendido tenha o devido registro na ANVISA e que haja prova da recusa dos réus no seu fornecimento, não se pode presumir que haja eficácia no tratamento prescrito, merecendo reforma, a sentença, quanto ao mérito.

Da devolução dos valores da antecipação da tutela

Por fim, com a reforma da sentença de procedência, convém esclarecer acerca da devolução dos valores gastos com o medicamento por força da tutela e cuja dispensação, ao final, foi considerada indevida.

Entende-se incabível a devolução, pela parte autora, dos respectivos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

2. Recurso especial conhecido e improvido.

(STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)

Esta Corte também já se manifestou sobre o não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES PAGOS POR FORÇA DE LIMINAR. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU RECURSAL. BOA-FÉ DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO. REGRA DO ART. 154, §3º DO DECRETO 3.048/99. AFASTAMENTO. IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE CARÁTER ALIMENTAR. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. UNICIDADE DO PODER ESTATAL. HARMONIZAÇÃO DOS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E INSTITUTO DA COISA JULGA PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. Havendo percepção de valores de boa-fé pelo segurado, padece de sedimento a pretensão da autarquia que visa à repetição das quantias pagas por força de liminar, cuja sentença que a confirmou foi reformada em grau recursal.

2. A Regra do art. 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade.

3. Mostra-se necessário prestigiar-se a diretiva da proteção da confiança, aspecto subjetivo da segurança jurídica, dada a imprescindibilidade de estabilização das relações jurídicas criadas tanto por atos da Administração Pública, quanto por decisões judiciais - em homenagem ao postulado da unicidade do poder estatal.

4. A colisão entre a efetividade da coisa julgada e a segurança jurídica deve, pelo princípio da proporcionalidade, ser resolvida de forma harmoniosa, evitando-se a continuidade da percepção indevida, sem contudo se responsabilizar a parte pela determinação judicial que lhe proporcionou aquele auferimento, conferindo a correta função harmonizadora dos direitos fundamentais ao instituto da tutela provisória.

(TRF4, AG 2006.04.00.032594-8, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 03/04/2007).

Sucumbência

Do exposto, tenho que a sentença merece reforma quanto ao mérito e dessa forma, inverto a sucumbência para condenar a parte autora a arcar com os honorários de sucumbência em favor dos procuradores dos réus, no valor de R$ 3.000,00 pro rata, em observância ao preceituado na nova regra processual, cuja exigibilidade fica suspensa pela concessão da AJG.

Conclusão

De todo o exposto, concluo que os apelos dos réus merecem parcial provimento para julgar improcedente a ação no mérito, invertendo o ônus sucumbencial, restando prejudicado o apelo da parte autora, nos termos da fundamentação.

Dispositivo

Ante ao exposto, voto por dar parcial provimento aos apelos da União e do Estado, e julgar prejudicado o apelo do autor.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000403447v6 e do código CRC f67acbf8.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 19/3/2018, às 13:2:29


5001648-87.2015.4.04.7005
40000403447.V6


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 14:44:01.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300 - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010395 - Fone: 51 32133592

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001648-87.2015.4.04.7005/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: RUDI NINOV (AUTOR)

ADVOGADO: ANA HERCÍLIA RENOSTO PAULA LENTO

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. câncer. imprescindibilidade do fármaco. ausência de demonstração. evidência científica pela inefetividade do tratamento.

1. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica.

2. Havendo parecer de órgãos técnicos que atestam pela não indicação do mesmo, informando ausência de vantagem terapêutica em relação aos tratamentos disponibilizado pelo SUS, tem-se que não há evidência nos autos da presença dos requisitos que corroborem o direito alegado pela parte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar parcial provimento aos apelos da UNIÃO e do ESTADO, e julgar prejudicado o apelo do autor, vencidos a Des. Federal Vivian Caminha e o Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Lavrará o acórdão o Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 11 de abril de 2018.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, Relator do Acórdão, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000438240v3 e do código CRC 9ea9187b.Informações adicionais da assinatura:
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5001648-87.2015.4.04.7005
40000438240 .V3


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/03/2018

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001648-87.2015.4.04.7005/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: RUDI NINOV (AUTOR)

ADVOGADO: ANA HERCÍLIA RENOSTO PAULA LENTO

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/03/2018, na seqüência 384, disponibilizada no DE de 23/02/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

APÓS O VOTO DA DES. FEDERAL VIVIAN CAMINHA NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DA UNIÃO E DO ESTADO DO PARANÁ, BEM COMO A REMESSA NECESSÁRIA, O VOTO DO DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE NO SENTIDO DE DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS APELOS DA UNIÃO E DO ESTADO, E JULGAR PREJUDICADO O APELO DO AUTOR E O VOTO DO DES. FEDERAL CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA. O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO DE ACORDO COM O ARTIGO 942 DO CPC.

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha o Relator em 12/03/2018 23:04:13 - GAB. 41 (Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR ) - Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 14:44:01.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 11/04/2018

Apelação/Remessa Necessária Nº 5001648-87.2015.4.04.7005/PR

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: RUDI NINOV (AUTOR)

ADVOGADO: ANA HERCÍLIA RENOSTO PAULA LENTO

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 11/04/2018, na seqüência 19, disponibilizada no DE de 27/03/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Prosseguindo no julgamento, após as ratificações de voto proferidos originalmente, o voto da Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA e da Des. Federal MARGA BARTH TESSLER no sentido de acompanhar a divergência. A Turma Ampliada, por maioria, vencida a relatora, decidiu dar parcial provimento aos apelos da UNIÃO e do ESTADO, e julgar prejudicado o apelo do autor, vencidos a Des. Federal Vivian Caminha e o Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Junior. Lavrará o acórdão o Des. Federal Luís Alberto D Azevedo Aurvalle.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 14:44:01.

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