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ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. RESERVA DO ...

Data da publicação: 07/07/2020, 18:50:36

EMENTA: ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. PROVA PERICIAL. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. RESERVA DO POSSÍVEL. - A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal). - O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde. - A interferência judicial na área da saúde não pode desconsiderar as políticas estabelecidas pelo legislador e pela Administração. Todavia, o Poder Público não pode invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. (TRF4 5007019-37.2017.4.04.7110, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 12/11/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007019-37.2017.4.04.7110/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: WALDEMAR BRAGA DE MIRANDA (AUTOR)

ADVOGADO: HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INTERESSADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação e reexame necessário em face da sentença proferida nos seguintes termos:

Ante o exposto: rejeito as preliminares e julgo procedente o pedido, determinando o fornecimento do medicamento Bevacizumab (Avastin 320mg), nas doses e periodicidade indicadas pelo médico responsável relativamente a 12 (doze) meses de tratamento.

Defiro o pedido de tutela de urgência para:

a) determinar à União - Advocacia Geral da União, que proceda, no prazo de 15 (quinze) dias, ao depósito na conta corrente 26.183-1, Agência 029-9, do Banco do Brasil, em favor da Fundação de Apoio Universitário - FAU de R$ 103.500,18 (cento e três mil e quinhentos reais e dezoito centavos), relativos aos 12 (doze) meses de tratamento, devendo comprovar nos autos a efetivação do referido depósito no mesmo prazo.

b) determinar à Fundação de Apoio Universitário - FAU que, na qualidade de UNACON, dê prosseguimento ao tratamento oncológico da autora, ministrando o medicamento BEVACIZUMABE (Avastin 320mg), nas doses e periodicidade indicadas pelo médico responsável.

Ratifico os honorários periciais fixados nestes autos. Condeno a parte ré (cada um dos réus deve ressarcir metade dos honorários periciais) a ressarcir a Seção Judiciária do Rio Grande do Sul pelos honorários periciais por ela pagos e adiantados. Condeno a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios nos termos da fundamentação. Custas na forma da lei.

Interposto recurso, recebo-o. Intime-se a parte recorrida para apresentar contrarrazões. Após remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região em razão da remessa necessária. P. I.

Em suas razões recursais, a União propugnou pela reforma da sentença. Teceu considerações a respeito da existência de políticas públicas para o tratamento da moléstia da autora; da incorporação de novas tecnologias no âmbito do SUS (art. 19, "M", “O” e “Q” da LEI Nº 8.080/90. Subsidiariamente requereu (a) seja facultada a possibilidade de entrega do medicamento ou o depósito, a critério do réu condenado a obrigação de fazer; (b) seja desonerada da obrigação de fazer, direcionando-a ao Estado do Rio Grande do Sul, alegando sua falta de competência; (c) seja determinado o rateio dos custos do cumprimento, de forma pro rata, entre os réus, a ser solvido na esfera administrativa.

Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal exarou parecer opinando "pelo desprovimento do recurso".

É o relatório.

VOTO

I - A legitimidade passiva ad causam - seja para o fornecimento do medicamento, seja para seu custeio -, resulta da atribuição de competência comum a todos os entes federados, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde, previstas nos artigos 24, inciso II, e 198, inciso I, ambos da Constituição Federal, respectivamente.

Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.

1. O funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros. Precedentes do STJ.

(...)

(STJ, 2ª Turma, AgRg no Ag 1107605/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, julgado em 03/08/2010, DJe 14/09/2010)

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTOS. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. CACON. BLOQUEIO DE VERBAS PÚBLICAS. PREVALÊNCIA DA ESSENCIALIDADE DO DIREITO À SAÚDE SOBRE OS INTERESSES FINANCEIROS DO ESTADO. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais.(...).

(TRF4, 4ª Turma, AG 5008919-21.2012.404.0000, Relator p/acórdão Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 24/07/2012)

Com efeito, a União, o Distrito Federal, os Estados e os Municípios são legítimos, indistintamente, para as ações em que pleiteado o fornecimento de medicamentos (inclusive aqueles para tratamento de câncer, a despeito da responsabilidade de os Centros de Alta Complexidade em Oncologia prestarem tratamento integral aos doentes), consoante orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental interposto, pela União, em face de decisão que indeferiu o pedido de Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto extraio o seguinte trecho:

A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estado, Distrito Federal e Municípios são responsáveis solidários pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelos SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.

Idêntico entendimento foi adotado nos RE n.º 195.192-3, RE-AgR n.º 255.627-1 e RE n.º 280.642.

Sendo assim, os entes demandados têm legitimidade para figurar no pólo passivo da ação, em litisconsórcio passivo facultativo, reconhecido o direito do cidadão de escolher com quem pretende litigar. Eventual acerto de contas que se faça necessário, em virtude da repartição de competências no SUS, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial, imposta solidariamente.

II - A Constituição Federal consagra a saúde como direito fundamental, ao prevê-la, em seu art. 6º, como direito social. O seu art. 196, por sua vez, estabelece ser a saúde direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.

Dentre os serviços e benefícios prestados no âmbito da saúde, encontra-se a assistência farmacêutica. O art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n.º 8.080/90 expressamente inclui, no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, a execução de ações de assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. A Política Nacional de Medicamentos e Assistência Farmacêutica, portanto, é parte integrante da Política Nacional de Saúde e possui a finalidade de garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários, seja interferindo em preços, seja fornecendo gratuitamente as drogas de acordo com as necessidades.

Concretizando a dispensação de medicamentos à população, o Ministério da Saúde classifica como básicos, de responsabilidade dos três gestores do SUS, os remédios utilizados nas ações de assistência farmacêutica relativas à atenção básica em saúde e ao atendimento a agravos e programas de saúde específicos inseridos na rede de cuidados da atenção básica. Os medicamentos estratégicos são aqueles utilizados para o tratamento de doenças endêmicas, com impacto socioeconômico, cabendo sua aquisição pelo Ministério da Saúde e seu armazenamento e distribuição pelos Municípios. Já o Programa de Medicamentos de Dispensação Excepcional tem por objeto o tratamento de doenças específicas, que atingem um número restrito de pacientes, os quais necessitam de medicamentos com custo elevado, cujo fornecimento depende de aprovação específica das Secretarias Estaduais de Saúde e de recursos oriundos do Ministério da Saúde, bem como daquelas Secretarias também responsáveis pela programação, aquisição e dispensação das drogas (vide a classificação e a responsabilidade pelo financiamento destas na Portaria n. 399/GM de 22 de fevereiro de 2006).

Finalmente, há programas e sistemáticas de assistência específicos para determinadas moléstias, como, por exemplo, o diabetes e o câncer.

No caso do diabetes, o regramento legal (Lei n.º 11.347/06 e a Portaria GM 2.583/07) garante o fornecimento do tratamento ao paciente, mas estipula que, para tanto, deve estar inscrito nos Programas de Educação para Diabéticos, promovidos pelas unidades de saúde do SUS.

Na hipótese de câncer, até 1998, havia dispensação de medicamentos para seu tratamento em farmácias do SUS, bastando a apresentação de receita ou relatório médico, fosse de consultório particular, fosse de hospital público ou privado. Hoje, contudo, tais drogas não mais se enquadram nos programas de dispensação de medicamentos básicos, estratégicos ou excepcionais, nem encontram padronização no âmbito do SUS; a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas, junto ao Poder Público, como Centros de Alta Complexidade em Oncologia (CACONs) e assemelhados - Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia, Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia e Serviços Isolados de Quimioterapia e Radioterapia -, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde dos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Inexistindo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia, etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos dos CACONs/UNACONs, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.

Nesse contexto, considerando a notória escassez dos recursos destinados ao SUS, não se pode deixar de pesar as consequências do deferimento judicial de drogas ou tratamentos estranhos aos administrativamente disponibilizados. Deferir, sem qualquer planejamento, benefícios para alguns, ainda que necessários, pode causar danos para muitos, consagrando-se, sem dúvida, injustiça. Sequer pode-se considerar o Judiciário como uma via que possibilite a um paciente burlar o fornecimento administrativo de medicamentos, garantindo seu tratamento sem sopesar a existência de outros cidadãos nas mesmas ou em piores circunstâncias.

Bem por isso, após a realização de audiência pública com participação de diversos segmentos da sociedade, o Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 196 da Constituição Federal e debruçando-se sobre a problemática da efetividade dos direitos sociais e da chamada "judicialização da saúde", no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n.º 175 (decisão no Agravo Regimental proferida em 17 de março de 2010, Relator Ministro Gilmar Mendes), estabeleceu alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos entes políticos.

Nos termos da decisão referida, a Corte Suprema entendeu que "é possível identificar [...] tanto um direito individual quanto um direito coletivo à saúde". "Não obstante, esse direito subjetivo público é assegurado mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize. Há um direito público subjetivo a políticas públicas que promovam, protejam e recuperem a saúde". "A garantia mediante políticas sociais e econômicas ressalva, justamente, a necessidade de formulação de políticas públicas que concretizem o direito à saúde por meio de escolhas alocativas. É incontestável que, além da necessidade de se distribuírem recursos naturalmente escassos por meio de critérios distributivos, a própria evolução da medicina impõe um viés programático ao direito à saúde, pois sempre haverá uma nova descoberta, um novo exame, um novo prognóstico ou procedimento cirúrgico, uma nova doença ou a volta de uma doença supostamente erradicada".

Diante disso, seguindo nessa linha, a análise judicial de pedidos de dispensação gratuita de medicamentos e tratamentos pressupõe que se observe, primeiramente, se existe ou não uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte. Se referida política existir, havendo previsão de dispensação do tratamento buscado, não há dúvida de que o postulante tem direito subjetivo público a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público. Não estando a prestação pleiteada entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", configura omissão legislativa/administrativa ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Afinal, o medicamento ou tratamento pode não ser oferecido, pelo Poder Público, por não contar, p.ex., com registro na ANVISA, o qual constitui garantia à saúde pública e individual, só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99 (hipótese de vedação legal). Outrossim, a prestação pode não estar inserida nos Protocolos, por inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada).

Se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador. Afinal, nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "um medicamento ou tratamento em desconformidade com o Protocolo deve ser visto com cautela, pois tende a contrariar um consenso científico vigente. Ademais, não se pode esquecer de que a gestão do Sistema Único de Saúde, obrigado a observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, só torna-se viável mediante a elaboração de políticas públicas que repartam os recursos (naturalmente escassos) da forma mais eficiente possível. Obrigar a rede pública a financiar toda e qualquer ação e prestação de saúde existente geraria grave lesão à ordem administrativa e levaria ao comprometimento do SUS, de modo a prejudicar ainda mais ao atendimento médico da parcela da população mais necessitada".

Não se pode ignorar, contudo, que, em algumas situações, por razões específicas do organismo de determinadas pessoas - resistência ao fármaco, efeitos colaterais deste, conjugação de problemas de saúde etc. -, as políticas públicas oferecidas podem não lhes ser adequadas ou eficazes. Nesses casos pontuais, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário ou à própria Administração determinar prestação diversa da usualmente custeada pelo SUS.

Finalmente, se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se consiste em tratamento meramente experimental, ou novo, ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado.

Os tratamentos experimentais são pesquisas clínicas, e a participação neles é regulada por normas específicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que não foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecê-los.

Já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada".

Sendo certo que a inexistência de políticas públicas não pode implicar violação ao princípio da integralidade do Sistema, é possível a impugnação judicial da omissão administrativa no tratamento de determinado mal, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria, "o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar".

Em contrapartida, o Poder Público não pode simplesmente invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo. Nesse sentido, o STF já se pronunciou:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde.

(STA 175, Rel. Min. Celso de Mello, DJE 30/04/2010)

Em conclusão, independentemente da hipótese trazida à apreciação do Poder Judiciário, é "clara a necessidade de instrução das demandas de saúde", a fim de que, à luz das premissas e critérios antes declinados, "o julgador concilie a dimensão subjetiva (individual e coletiva) com a dimensão objetiva do direito à saúde".

Assentadas essas premissas, passo à análise do caso concreto.

A parte autora ajuizou a presente ação objetivando ordem que lhe assegurasse o fornecimento do medicamento BEVACIZUMAB, para tratamento de adenocarcinoma de reto (CID C20).

Sobre a pretensão, assim manifestou-se o juízo a quo:

O laudo pericial confirma ser o autor portador de adenocarcinoma de reto - CID C20. Relata o perito que pelo SUS é disponibilizado o tratamento de 'quimioterapia', e que este tratamento confere um "aumento da sobrevida global e sobrevida livre de perogressão''. Questionado se o tratamento requerido pela parte autora (bevacizumab 320mg) produz resultados eficazes e efetivos, o perito informou inicialmente que a paciente pode utilizar somente quimioterapia, pois apresenta fístula retal em RNM pelve, sendo o bevacizumab contra-indicado (evento 34).

Após a apresentação de documentação complementar em sede de agravo de instrumento (eventos 61 e 68), o perito foi novamente intimada para apresentar laudo complementar, manifestando-se no seguinte sentido (evento 87):

Em face dos novos documentos ora apresentados, entende o perito que o medicamento postulado segue sendo contraindicado ao autor?

Em novos documentos, laudo do médico assistente e Tomografia de pelva não há mais descrição de fístula, sendo assim, o paciente pode utilizar o bevacizumab.

Caso entenda por alterar sua posição inicial, diga o perito qual é a efetiva vantagem na utilização desse tratamento, em comparação com o tratamento-padrão do SUS, previsto no DDT da doença, aprovado pela CONITEC? Expressar essa vantagem (a) em números estatísticos, evitando avaliações genéricas e (b) citando o estudo científico de onde extraiu esses números, com informação do respectivo nível de evidência desses estudos (Revisão sistemática, Ensaio clínico randomizado, Estudo de Coorte, Estudo Caso-Controle, Estudo de Série de Casos ou Opinião de Especialista, nos termos da Tabela de Nível de Evidência Científica por Tipo de Estudo, da Oxford Centre for Evidence-Based Medicine).

A medicação aumenta a sobrevida global quando associada à quimioterapia, a sobrevida livre de progressão e a taxa de resposta tumoral (sobrevida global 12.9 meses vs 10.8 meses, sobrevida livre de progressão 7.3 meses vs 4.7 meses, e taxa de resposta 22.7% vs 4.7%), conforme estudo randomizado de fase III, publicado no JCO 2007;25:1539). Na primeira linha de tratamento, em pacientes em mutação do KRAS,a sobrevida mediana dos pacientes que utilizaram quimioterapia +bevacizumab foi de 29 meses. (JCO 2014.)

Há de ser prestigiado o laudo do perito do Juízo por ser profissional imparcial e de confiança do Magistrado. O perito de forma clara demonstrou a necessidade do medicamento requerido e a superioridade em relação aos medicamentos disponíveis no SUS, sendo que o uso do medicamento requerido implica aumento de sobrevida livre de doença, taxa de resposta e possível aumento na sobrevida global.

Entendo que a probabilidade do direito invocado decorre das informações acima, pois confirmada a indicação por perito equidistante das partes a necessidade/utilidade do medicamento solicitado na inicial, para o qual não há substituto eficaz fornecido no âmbito do Sistema Único de Saúde.

Nesse sentido, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem reiteradamente se manifestando, conforme é exemplo o seguinte precedente:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. NEXAVAR (SORAFENIB). TRATAMENTO DE CARCINOMA DE CÉLULAS RENAIS METASTÁTICO EM PULMÃO. ORÇAMENTO E RESERVA DO POSSÍVEL. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO.

1. No caso dos autos, a indicação de tratamento por estabelecimento de saúde que atua como Cacon é suficiente para convencer a respeito da verossimilhança do direito alegado.

2. O orçamento e a reserva do possível, quando alegados genericamente, não importam em vedação à intervenção do Judiciário em matéria de efetivação de direitos fundamentais.

3. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica.

(TRF 4ª R., 3ª T., AG 5043602-79.2015.404.0000/RS, Rel. Des. Fed. Marga Inge Barth Tessler, DE 17/03/2016)

O risco de dano deriva do quadro clínico do autor, confirmado por médico perito nomeado pelo Juízo.

No caso, o atendimento aos comandos constitucionais deverá ficar observado com a submissão da demandante a tratamento na Unidade de Assistência de Alta Complexidade na qual a parte autora já realiza seu tratamento - Fundação de Apoio Universitário - FAU.

Assim, determino à Fundação de Apoio Universitário - FAU, que ministre ou forneça diretamente à autora o medicamento objeto desta demanda, nas doses e periodicidade indicadas pelo médico responsável, como parte de seu tratamento oncológico, observado o pedido formulado na inicial.

Em que pesem os argumentos deduzidos, não há razão que autorize a reforma da decisão, que deve ser mantida pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.

Com efeito, infere-se da análise das provas produzidas nos autos, em especial da prova pericial (eventos 35 e 87) que: (1) o autor realiza tratamento oncológico no Sistema Único de Saúde (SUS), junto a à Fundação de Apoio Universitário (FAU), estabelecimento cadastrado como UNACON (Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia); (2) o fármaco foi possui registro na ANVISA e foi prescrito por profissional vinculado a essa unidade, sendo definido pelo Poder Público como competente para indicar a terapia necessária e adequada à moléstia; (3) inexiste outro medicamento similar oferecido gratuitamente pelo SUS; (4) já realizou os tratamentos disponibilizados pelo Sistema; (5) não se trata de tratamento experimental.

A situação fática sub judice é extremamente grave, envolvendo risco de vida, e, embora não haja perspectiva real de cura, existe a possibilidade de aumento de expectativa de vida, o que denota a urgência da tutela e o desacerto da iniciativa de submetê-lo a mais uma tentativa de tratamento com fármaco de eficácia inferior. Além disso, é de sopesar a circunstância que o auor já ter se submetido a outras terapias disponibilizadas pelo SUS

Assim, comprovadas a eficácia e a necessidade de uso dos medicamentos solicitados para o controle da doença e a ineficácia das drogas fornecidas pelo SUS no paciente, é inafastável o reconhecimento de seu direito à tutela requerida.

Reconhecida a solidariedade dos réus, nada impede que o magistrado busque o cumprimento da tutela de um dos devedores que terá, ao seu turno, a possibilidade de ressarcimento em face dos demais devedores, nos termos da legislação administrativa aplicável ao caso.

III - Nos casos de dispensação de medicamentos por longo prazo, a adoção de medidas de contracautela é necessária, a fim de garantir o exato cumprimento da decisão judicial, podendo ser determinadas inclusive de ofício. Nessa perspectiva, considerando a possibilidade de o tratamento perdurar por tempo considerável, pois o fornecimento do fármaco será mantido enquanto for eficaz para o controle da doença, o(a) autor(a) deverá (a) comprovar a persistência das condições que fundamentaram o pedido, apresentando à unidade de saúde competente receita médica atualizada a cada 3 (três) meses; (b) informar imediatamente a suspensão/interrupção do tratamento, e (c) devolver, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, os medicamentos/insumos excedentes ou não utilizados, a contar da interrupção/suspensão do tratamento.

Apelação e remessa oficial providas nesse ponto.

Do prequestionamento

Em face do disposto nas súmulas n.ºs 282 e 356 do STF e 98 do STJ, e a fim de viabilizar o acesso às instâncias superiores, explicito que a decisão não contraria nem nega vigência às disposições legais/constitucionais prequestionadas pelas partes.

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000621324v4 e do código CRC a757856f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 30/8/2018, às 19:49:33


5007019-37.2017.4.04.7110
40000621324.V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:50:35.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007019-37.2017.4.04.7110/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: WALDEMAR BRAGA DE MIRANDA (AUTOR)

VOTO DIVERGENTE

Com a devida vênia divirjo da e. Relatora quanto ao mérito. No caso dos autos, tenho que se deve dar provimento aos apelos da União e do Estado, sendo inviável a dispensação do Bevacizumabe no presente caso.

O direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a não lhe dar eficácia. A interpretação da norma constitucional há de ter em conta a unidade da Constituição, máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros. Em se tratando de fornecimento de medicamentos ou realização de procedimentos, deve-se observar determinados parâmetros:

a) eventual concessão da liminar não pode causar danos e prejuízos relevantes ao funcionamento do serviço público de saúde;

b) o direito de um paciente individualmente não pode, a priori, prevalecer sobre o direito de outros cidadãos igualmente tutelados pelo direito à saúde;

c) o direito à saúde não pode ser reconhecido apenas pela via estreita do fornecimento de medicamentos;

d) havendo disponibilidade no mercado, deve ser dada preferência aos medicamentos genéricos, porque comprovada sua bioequivalência, resultados práticos idênticos e custo reduzido;

e) o fornecimento de medicamentos ou procedimento médico deve, em regra, observar os protocolos clínicos e a "medicina das evidências", devendo eventual prova pericial, afastado "conflito de interesses" em relação ao médico, demonstrar que tais não se aplicam ao caso concreto;

f) medicamentos e tratamentos ainda em fase de experimentação, não enquadrados nas listagem ou protocolos clínicos devem ser objeto de especial atenção e verificação, por meio de perícia específica, para comprovação de eficácia em seres humanos e aplicação ao caso concreto como alternativa viável.

Observo que os relatórios médicos assim como o laudo médico judicial que deram suporte à decisão que antecipou os efeitos da tutela, relataram a imprescindibilidade do tratamento em questão para um melhor controle da doença e consequente aumento da sobrevida livre de progressão e sobrevida global, diminuindo o risco de morte, sendo que a associação do fármaco requerido teria eficácia superior ao tratamento de quimioterapia isolada, não havendo substitutos no âmbito do SUS.

Veja-se que o perito do juízo, após analisar a documentação médica mais recente apresentada pelo autor, atestou a aplicabilidade do medicamento, referindo:

A medicação aumenta a sobrevida global quando associada à quimioterapia, a sobrevida livre de progressão e a taxa de resposta tumoral (sobrevida global 12.9 meses vs 10.8 meses, sobrevida livre de progressão 7.3 meses vs 4.7 meses, e taxa de resposta 22.7% vs 4.7%), conforme estudo randomizado de fase III, publicado no JCO 2007;25:1539). Na primeira linha de tratamento, em pacientes em mutação do KRAS, a sobrevida mediana dos pacientes que utilizaram quimioterapia +bevacizumab foi de 29 meses. (JCO 2014.)

Conforme visto, a sobrevida global é superior em 2 meses e a sobrevida livre de progressão em cerca de 3 meses.

A assertiva do perito do juízo não contraria a conclusão do NATS - Núcleo de Avaliação de Tecnologias em Saúde, de Minas Gerais, quando da análise da medicação postulada para tratamento de câncer de colorretal, opinando-se pela não indicação (http://bd.tjmg.jus.br/jspui/handle/tjmg/8215):

"(...) SOBRE A DOENÇA E SEU TRATAMENTO

No Brasil, os tumores de cólon e reto estão entre as cinco localizações anatômicas mais importantes em termos de mortalidade para ambos os sexos. As maiores taxas de mortalidade padronizadas por câncer de cólon/reto são observadas nas regiões Sul e Sudeste. Nos últimos anos, tem-se observado aumento na ocorrência de casos dos 40 aos 60 anos. A cirurgia é o único procedimento que possibilita a cura na doença locorregional. Os pacientes com a doença metastática geralmente não podem ser curados e o tratamento é realizado com quimioterapia. A doença metastática tem prognóstico ruim, com sobrevida de apenas alguns meses sem tratamento. Nos ensaios clínicos,os melhores tempos de sobrevida tem sido obtidos com regimes quimioterápicos que adicionam irinotecano (ou oxaliplatina, ou vice versa) ao regime conhecido como Protocolo de Gramont ( fluoruracil mais ácido folínico). Esses tratamentos sucessivos, denominados FOLFOX (com oxaliplatina) ou FOLFIRI (com irinotecano) resultam em uma mediana de sobrevida de cerca de 21 meses. (...)

SOBRE A MEDICAÇÃO BEVACIZUMABE

(...) O bevacizumabe tem indicação de bula para o tratamento do câncer colorretal metastático (CCRm): “o bevacizumabe, em combinação com quimioterapia à base de fluoropirimidina, é indicado para o tratamento de pacientes com carcinoma metastático do cólon ou do reto”. (...)

SOBRE A MEDICAÇÃO BEVACIZUMABE+ FOLFIRI NO TRATAMENTO DO CÂNCER DE CÓLON METASTATICO/AVANÇADO

(...) Recentemente, foi publicado artigo avaliando a efetividade do bevacizumabe associado à terapia padrão (FOLFOX ou FOLFIRI) para tratamento de primeira linha do câncer de cólon metastático. Os pacientes foram distribuídos aleatoriamente para receber FOLFIRI ou FOLFOX mais bevacizumabe ( braço A) ou somente FOLFIRI ou FOLFOX4 ( braço B). Foram incluídos 376 pacientes; depois de mediana de seguimento de 36 meses foi observado que não houve diferença entre os grupos em relação à sobrevida global, mas o grupo que recebeu o bevacizumabe apresentou mais eventos adversos (hipertensão, sangramento, proteinúria e astenia). (...)

CONCLUSÃO

Não foi demonstrado em estudo clínico que a associação do bevacizumabe ao FOLFORI aumenta a sobrevida global dos pacientes com câncer de cólon metastático/avançado. O bevacizumabe é uma droga com alta toxicidade, inclusive, potencialmente fatal. Assim, diante da ausência de benefício e do risco aumentado de eventos adversos graves, que podem prejudicar ainda mais o paciente com doença grave e terminal, o NATS não recomenda esta medicação.

Como visto, o presente caso enquadra-se nas situações em que a alternativa pleiteada não consta dos protocolos clínicos para o tratamento custeado pelo Poder Público por força de entendimento no sentido de que inexistem evidências científicas suficientes que autorizem sua inclusão nos protocolos clínicos de tratamento da doença (hipótese de decisão administrativa fundamentada). E se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador, nos termos do Enunciado 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça:

14 - Não comprovada a inefetividade ou impropriedade dos medicamentos e tratamentos fornecidos pela rede pública de saúde, deve ser indeferido o pedido não constante das políticas públicas do Sistema Único de Saúde.

O art. 196 da Constituição Federal não pode ser compreendido como mera norma programática, mas como norma de eficácia plena. Irradia seus efeitos e determina a todos os entes componentes do SUS a praticar as medidas necessárias à prestação de serviços de saúde efetivos e adequados ao cidadão. No entanto, o simples fato da parte postular a concessão de medicamento com amparo em preceito constitucional, não tem o efeito de levar a presunção de eficácia na concessão do tratamento pleiteado, para fins de autorização da concessão da tutela antecipada.

Portanto, ainda que o medicamento pretendido tenha o devido registro na ANVISA e que haja prova da recusa dos réus no seu fornecimento, não se pode presumir que haja eficácia no tratamento prescrito, devendo-se cassar a tutela concedida.

Conforme dito inicialmente, no mérito assiste razão ao apelo da União, merecendo reforma, a sentença, revogando a tutela concedida.

Da devolução dos valores da antecipação da tutela

Por fim, com a reforma da sentença de procedência, convém esclarecer acerca da devolução dos valores gastos com o medicamento por força da tutela e cuja dispensação, ao final, foi considerada indevida.

Entende-se incabível a devolução, pela parte autora, dos respectivos valores despendidos na aquisição do medicamento diante da revogação da antecipação de tutela, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. RESTITUIÇÃO DOS VALORES PAGOS. IMPOSSIBILIDADE. CARÁTER ALIMENTAR DO BENEFÍCIO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da impossibilidade da devolução dos proventos percebidos a título de benefício previdenciário, em razão do seu caráter alimentar, incidindo, na hipótese, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.

2. Recurso especial conhecido e improvido.

(STJ. Recurso Especial 446892/RS. Quinta Turma. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ 18.12.2006, p. 461)

Esta Corte também já se manifestou sobre o não-cabimento da devolução dos valores eventualmente disponibilizados por força da antecipação dos efeitos da tutela:

PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES PAGOS POR FORÇA DE LIMINAR. SENTENÇA REFORMADA EM GRAU RECURSAL. BOA-FÉ DO SEGURADO. IMPOSSIBILIDADE DE REPETIÇÃO. REGRA DO ART. 154, §3º DO DECRETO 3.048/99. AFASTAMENTO. IRREPETIBILIDADE DAS VERBAS DE CARÁTER ALIMENTAR. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA. UNICIDADE DO PODER ESTATAL. HARMONIZAÇÃO DOS POSTULADOS DA SEGURANÇA JURÍDICA E INSTITUTO DA COISA JULGA PELO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. Havendo percepção de valores de boa-fé pelo segurado, padece de sedimento a pretensão da autarquia que visa à repetição das quantias pagas por força de liminar, cuja sentença que a confirmou foi reformada em grau recursal.

2. A Regra do art. 154, §3º do decreto 3.048/99, deve ceder diante do caráter alimentar dos benefícios, a cujas verbas, conforme é sabido, é ínsita a irrepetibilidade.

3. Mostra-se necessário prestigiar-se a diretiva da proteção da confiança, aspecto subjetivo da segurança jurídica, dada a imprescindibilidade de estabilização das relações jurídicas criadas tanto por atos da Administração Pública, quanto por decisões judiciais - em homenagem ao postulado da unicidade do poder estatal.

4. A colisão entre a efetividade da coisa julgada e a segurança jurídica deve, pelo princípio da proporcionalidade, ser resolvida de forma harmoniosa, evitando-se a continuidade da percepção indevida, sem contudo se responsabilizar a parte pela determinação judicial que lhe proporcionou aquele auferimento, conferindo a correta função harmonizadora dos direitos fundamentais ao instituto da tutela provisória.

(TRF4, AG 2006.04.00.032594-8, Sexta Turma, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, publicado em 03/04/2007).

Sucumbência

Do exposto, tenho que a sentença merece reforma quanto ao mérito e dessa forma, inverto a sucumbência para condenar a parte autora a arcar com os honorários de sucumbência em favor dos procuradores dos réus, no valor de R$ 2.000,00 pro rata, em observância ao preceituado na nova regra processual, cuja exigibilidade fica suspensa pela concessão da AJG.

Conclusão

De todo o exposto, concluo que a remessa oficial e o apelo da União merecem provimento para julgar improcedente a ação no mérito, invertendo o ônus sucumbencial, nos termos da fundamentação.

Dispositivo

Ante ao exposto, voto por dar provimento à remessa oficial e apelação.



Documento eletrônico assinado por LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000650585v3 e do código CRC b8d12e29.Informações adicionais da assinatura:
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40000650585.V3


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007019-37.2017.4.04.7110/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: WALDEMAR BRAGA DE MIRANDA (AUTOR)

ADVOGADO: HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

INTERESSADO: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL (RÉU)

EMENTA

ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS. prova pericial. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DOS ENTES DA FEDERAÇÃO. RESERVA DO POSSÍVEL.

- A legitimidade passiva de todos os entes federativos para ações que envolvem o fornecimento ou o custeio de medicamento resulta da atribuição de competência comum a eles, em matéria de direito à saúde, e da responsabilidade solidária decorrente da gestão tripartite do Sistema Único de Saúde (arts. 24, inciso II, e 198, inciso I, da Constituição Federal).

- O direito fundamental à saúde é assegurado nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal e compreende a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea d, da Lei n.º 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde.

- A interferência judicial na área da saúde não pode desconsiderar as políticas estabelecidas pelo legislador e pela Administração. Todavia, o Poder Público não pode invocar a cláusula da "reserva do possível", para exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, sem demonstrar, concretamente, a impossibilidade de fazê-lo.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, vencidos o Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE e a Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de novembro de 2018.



Documento eletrônico assinado por VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000621325v2 e do código CRC 4f7169cb.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
Data e Hora: 12/11/2018, às 6:47:22

5007019-37.2017.4.04.7110
40000621325 .V2


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:50:35.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/08/2018

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007019-37.2017.4.04.7110/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: WALDEMAR BRAGA DE MIRANDA (AUTOR)

ADVOGADO: HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/08/2018, na seqüência 601, disponibilizada no DE de 14/08/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

Após o voto da Des. Federal VIVIAN CAMINHA no sentido de dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial no que foi acompanhada pelo Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR e da divergência inaugurada pelo Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE no sentido de dar provimento à remessa oficial e apelação. O julgamento foi sobrestado nos termos do art. 942 do CPC.

Votante: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Votante: Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR

LUIZ FELIPE OLIVEIRA DOS SANTOS

Secretário

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha o Relator em 28/08/2018 11:15:03 - GAB. 41 (Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR ) - Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR.



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:50:35.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/11/2018

Apelação/Remessa Necessária Nº 5007019-37.2017.4.04.7110/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: WALDEMAR BRAGA DE MIRANDA (AUTOR)

ADVOGADO: HERMES FERNANDO AMARO ALVARIZ

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/11/2018, na sequência 32, disponibilizada no DE de 19/10/2018.

Certifico que a 4ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS O VOTO DO DES. FEDERAL ROGERIO FAVRETO NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A RELATORA E DA DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA NO SENTIDO DE ACOMPANHAR A DIVERGÊNCIA. A TURMA AMPLIADA, DECIDIU, POR MAIORIA DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA OFICIAL, VENCIDOS O DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE E A DES. FEDERAL VÂNIA HACK DE ALMEIDA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 15:50:35.

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