D.E. Publicado em 09/05/2016 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 775D502D1EFFAB423271D7F5825DA08F |
Data e Hora: | 30/04/2016 12:25:00 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001807-81.2010.4.03.6112/SP
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta por Izaltino Felipe, contra sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 2ª Vara de Presidente Prudente/SP, que julgou improcedente a presente ação de indenização por danos morais proposta por ele em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
Segundo consta na inicial, o autor, nascido em 25.11.1942, é servente de pedreiro e sempre exerceu funções que exigissem elevado esforço físico e movimentos repetitivos. Assim, no início de 2006, sofreu acidente de trabalho, ocasionando lombalgia crônica por trauma, e, por conseguinte, passou a perceber benefício previdenciário.
Ocorre que, em maio de 2009, o demandante teve seu benefício indevidamente cassado, e a partir de então, empenhou-se em tentar restabelecê-lo. Assim, solicitou perícia médica junto à autarquia ré, para conseguir atestar a permanência de sua incapacidade.
Contudo, informa o autor que a médica designada para realização da perícia, Dra. Alba Valéria Garcia, ignorou os documentos médicos trazidos pelo segurado, e ordenou que ele realizasse um movimento de agachamento, a fim de verificar sua capacidade laboral e a continuidade dos efeitos do acidente.
O requerente narra que informou à médica que não tinha condições de realizar o referido exercício, tendo em vista seus problemas de coluna e a falta de firmeza na perna esquerda, mas que, ainda assim, a médica insistiu veementemente para que o movimento fosse feito.
Expõe que procedeu à realização do agachamento, uma vez que a profissional chegou a afirmar que o restabelecimento do benefício seria indeferido caso o segurado se recusasse a realizá-lo, e que, conforme previsível, o autor sofreu uma queda.
O proponente conta que ficou estatelado no chão, e que a médica, irritada, em vez de prestar-lhe socorro, afirmou que ele havia se jogado propositadamente ao chão e que estava encenando sua incapacidade.
Conforme descrito na inicial, a perita, então, ordenou que ele se levantasse, mas que, diante de inaptidão do segurado em fazê-lo, ela optou por acionar os seguranças, os quais o ajudaram a se levantar.
Informa que, ainda assim, a perícia constatou pela capacidade laborativa do requerente.
Diante dessa situação, o peticionário compareceu ao 2º Distrito Policial de Presidente Prudente, tendo registrado boletim de ocorrência (BO nº 1507/2009). Em sede de inquérito policial (IP nº 251/2009) foram colhidos depoimentos pessoais do autor (fl. 42/43) e da médica perita (fls. 69/70), testemunho do médico ortopedista Dr. Marcelo Guanes Moreira (fls. 59/60), e testemunho dos seguranças Ervison Silveira Martins (fl. 74) e Fernando Gonçalves Dias (fl. 75).
Ante o exposto, o autor ingressou com ação acidentária (processo nº 0022808-96.2009.8.26.0482) em face do INSS, perante a 3ª Vara da Comarca de Presidente Prudente/SP, pleiteando o restabelecimento do benefício cassado.
No mais, ajuizou a presente ação de indenização por danos morais também em face do INSS, argumentando sobre a responsabilidade objetiva do Estado, tanto pela cassação indevida do benefício previdenciário, como pelo comportamento constrangedor da médica que o humilhou. Requer indenização por danos morais em quantia não inferior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Em contestação (fls. 103/113), o INSS sustentou a legalidade da conduta estabelecida na aferição pericial e a inexistência de responsabilidade objetiva da autarquia federal, pela inexistência de dano moral, e, subsidiariamente, pelo excessivo valor da indenização pleiteada.
O autor juntou aos autos cópia da sentença (fls.145/148) do referido processo previdenciário (processo nº 0022808-96.2009.8.26.0482), proferida pelo MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Cível da Comarca de Presidente Prudente/SP, o qual reconheceu a incapacidade laborativa do requerente, concedeu o benefício da aposentadoria por acidente de trabalho, e determinou o pagamento retroativo do auxílio doença acidentário desde a data da cassação (20.05.2009) até a data do laudo pericial judicial (19.07.2010).
Às fls. 164/166 (registro áudio visual), foram colhidos os depoimentos pessoais do autor, da Dra. Alba Valéria Garcia, e os depoimentos das testemunhas Ervison Silveira Martins e Fernando Gonçalves Dias (seguranças) e Jeffeson Cavalcanti Nogueira (delegado de polícia).
O demandante apresentou memoriais às fls. 170/172.
O Magistrado a quo entendeu que não restaram comprovados os fatos que pudessem ter ensejado abalo moral ao autor. Assim, julgou improcedente a ação, declarando a inexistência de responsabilidade do INSS no presente caso.
Inconformado, o segurado interpôs recurso de apelação, reiterando os argumentos da inicial.
Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal não vislumbrou existência de interesse a justificar sua intervenção.
Com contrarrazões, os autos subiram a esta E. Corte.
É o relatório.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal Relator
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 775D502D1EFFAB423271D7F5825DA08F |
Data e Hora: | 30/04/2016 12:24:56 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001807-81.2010.4.03.6112/SP
VOTO
O presente feito encontra-se incluído na meta do Conselho Nacional de Justiça.
A questão posta nos autos diz respeito à indenização por danos morais, pleiteada por Izaltino Felipe em face do INSS, em razão de suposto cancelamento indevido de benefício previdenciário e de comportamento constrangedor por parte de médica perita que o humilhou durante a aferição pericial.
O Magistrado a quo entendeu pela inexistência de responsabilidade da autarquia federal, e pela não ocorrência de danos morais, por não estarem suficientemente provados os fatos alegados pelo autor. Assim, julgou a presente demanda improcedente.
Somente a parte autora recorreu, retomando os argumentos da inicial. Logo, quase toda matéria foi devolvida a este E. Tribunal.
O mérito da discussão recai sobre o tema da responsabilidade civil do Estado, de modo que se fazem pertinentes algumas considerações doutrinárias e jurisprudenciais.
São elementos da responsabilidade civil a ação ou omissão do agente, a culpa, o nexo causal e o dano, do qual surge o dever de indenizar.
No direito brasileiro, a responsabilidade civil do Estado é, em regra, objetiva, isto é, prescinde da comprovação de culpa do agente, bastando-se que se comprove o nexo causal entre a conduta do agente e o dano. Está consagrada na norma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, sob a seguinte redação:
O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza a norma do referido artigo:
São duas as condutas comissivas praticadas pelo Estado: o cancelamento do benefício previdenciário e o comportamento da médica perita.
Passamos à análise do cancelamento do benefício previdenciário.
O benefício do auxílio doença acidentário foi cessado por alta médica em 20.05.2009. Diante disso, o autor ingressou com ação previdenciária (processo nº 0022808-96.2009.8.26.0482) em face do INSS, perante a 3ª Vara da Comarca de Presidente Prudente/SP, pleiteando o restabelecimento do benefício cassado.
Conforme se observa às fls. 147/148, a r. sentença definitiva proferida no bojo da ação previdenciária entendeu ser caso de procedência do pedido, para concessão de aposentadoria decorrente de acidente de trabalho. Destaca-se o seguinte trecho da mencionada decisão.
Ainda, frisa-se que o Juiz determinou que o segurado faz jus ao benefício do auxílio doença acidentário desde sua cassação, em 20.05.2009, até a data do laudo pericial judicial, 19.07.2010, a ser pago em prestações atualizadas.
Com efeito, é evidente que na ação previdenciária já transitada em julgado restou comprovado que o cancelamento do benefício foi indevido. Logo, não mais de discute a ilegalidade da conduta no INSS, mas somente o nexo causal e o dano moral decorrente, quando da realização da perícia médica.
Nesse sentido, observa-se a jurisprudência deste E. Turma:
Assim, é certo que o fato de a verba possuir caráter alimentar já é o suficiente para se presumir que o cancelamento indevido tenha acarretado prejuízos de ordem moral ao segurado, pois o não pagamento da verba o privou de sua única fonte de renda.
É patente a responsabilidade objetiva do Estado e o dever de indenizar em relação à cessação indevida de benefício previdenciário.
Passa-se, então, à análise do comportamento da médica perita, Dra. Alba Valéria Garcia.
O autor sustenta ter sido submetido à humilhação e constrangimento por parte da profissional que desacreditou da incapacidade do autor, determinando que ele realizasse movimento de agachamento incompatível com sua condição de saúde. Ainda, afirma que diante da queda do requerente, a médica acusou-o de fingimento e encenação, e, em vez de prestar socorro, limitou-se a chamar seguranças para ajudá-lo, uma vez que ele não conseguia se levantar sozinho.
Pois bem, merece destaque o depoimento do médico pessoal do autor, Dr. Marcelo Guanes Moreira, o qual solicitou a perícia médica do INSS, prestado em sede de inquérito policial, e acostado nestes autos às fls. 59/60:
Já os depoimentos prestados em sede de inquérito policial pelos seguranças Ervison Silveira Martins (fl. 74) e Fernando Gonçalves Dias (fl. 75) confirmam que, no momento em que foram acionados, o autor encontrava-se caído no chão, e a médica teria afirmado que ele estaria simulando a queda e a dificuldade em levantar.
É importante mencionar que, após diversas tentativas, a médica perita finalmente compareceu para prestar seu depoimento (fls. 69/70) frente ao delegado de polícia, tendo prestado depoimento nos seguintes termos:
Os depoimentos colhidos em juízo e registrados em mídia áudio visual (fls. 164/166) seguem por esse mesmo sentido, com acréscimo do depoimento do próprio delegado de polícia, que reafirma as alegações do autor.
Com efeito, novamente resta claro a responsabilidade do Estado.
A doutrina conceitua dano moral enquanto "dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia a dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. (Cavalieri, Sérgio. Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 549)"
É evidente que a situação vivida pelo segurado ultrapassa o mero dissabor cotidiano, e atinge sua a imagem e dignidade. Posicionar-se frente a um profissional da saúde é sempre uma situação de maior fragilidade, e por isso espera-se um atendimento humanizado, especialmente quando o atendido é pessoa humilde, de poucos recursos e instrução. O próprio conhecimento técnico do médico é suficiente para tornar a relação verticalizada. Assim, qualquer ofensa é ainda potencializada pelo desequilíbrio das posições.
É nítido o dano moral contido no descrédito da médica em relação à condição de saúde do segurado, ainda mais pelo fato de ela ter acesso aos seus atestados de saúde anteriores. É igualmente danosa a conduta da médica de não prestar socorro ao segurado, diante de sua queda, e limitar-se a chamar seguranças para ajudá-lo.
Passa-se, então, à valoração do quantum indenizatório pelas duas condutas estatais.
Acerca da fixação da indenização por danos morais, é sabido que seu arbitramento deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade, observando ainda a condição social e viabilidade econômica do ofensor e do ofendido, e a proporcionalidade à ofensa, conforme o grau de culpa e gravidade do dano, sem, contudo, incorrer em enriquecimento ilícito.
Logo, frente à dificuldade em estabelecer com exatidão a equivalência entre o dano e o ressarcimento, o STJ tem procurado definir determinados parâmetros, a fim de se alcançar um valor atendendo à dupla função, tal qual, reparar o dano buscando minimizar a dor da vítima e punir o ofensor para que não reincida.
Nesse sentido é certo que "na fixação da indenização por danos morais, recomendável que o arbitramento seja feito caso a caso e com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao nível socioeconômico do autor, e, ainda, ao porte da empresa, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, de modo que, de um lado, não haja enriquecimento sem causa de quem recebe a indenização e, de outro, haja efetiva compensação pelos danos morais experimentados por aquele que fora lesado."(REsp 1374284/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 05/09/2014)
No caso em tela, entendo por condenar o INSS ao pagamento do valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais, pelo cancelamento indevido do benefício e pelo comportamento constrangedor da médica, incidindo correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362 do STJ), e juros de mora a partir do evento danoso (Súmula 54 do STJ).
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, § 3º, I, do novo Código de Processo Civil.
É de ser reformada a r. sentença.
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação.
É o voto.
ANTONIO CEDENHO
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
Signatário (a): | ANTONIO CARLOS CEDENHO:10061 |
Nº de Série do Certificado: | 775D502D1EFFAB423271D7F5825DA08F |
Data e Hora: | 30/04/2016 12:25:03 |