D.E. Publicado em 08/06/2015 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0039859-96.2008.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Apelação de ALDAMIRO CLEMENTE de sentença que, em sede de ação indenizatória por danos morais, julgou-a improcedente e condenou a requerente ao pagamento de custas e honorários advocatícios no montante de R$ 380,00, observado que é beneficiário da assistência judiciária gratuita. Custas na forma da lei (fls. 60/62).
Alega, em síntese, que, ele e sua família, em razão de atraso no pagamento de benefício a que fazia jus, permaneceram por 3 (três) meses consecutivos privados de sua única fonte de renda, ocasião em que contaram tão-somente com a ajuda de familiares e amigos para a subsistência. Sustenta que o dano moral sofrido está consubstanciado no fato de sempre ter pago as contribuições previdenciárias e, no momento em que mais precisava, ficou desamparado, com mulher e três filhos pequenos para cuidar, à vista da demora da autarquia em efetuar o pagamento do que lhe era devido. Argumenta que o dano moral também decorre da restrição ao crédito sofrida em razão do fato narrado (fls. 64/67).
Em suas contrarrazões (fls. 69/70), o INSS aduz que a sentença deve ser mantida, porquanto não estão presentes os elementos ensejadores do ressarcimento por dano moral requerido.
Junte-se o relatório e encaminhem-se os autos ao revisor.
André Nabarrete
Desembargador Federal Relator
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0039859-96.2008.4.03.9999/SP
VOTO
I - DOS FATOS NARRADOS NA INICIAL
O autor pleiteia indenização por danos morais de 200 (duzentos) salários mínimos, que, segundo alega, foram causados em razão de cancelamento indevido de auxílio-doença a que fazia jus, em 16/12/2005. Em virtude de sua incapacidade para o trabalho, decorrente de artrose no joelho, fez novo requerimento em 06/01/2006, o qual foi deferido. No entanto, pelo fato de o pagamento respectivo ter ocorrido somente em abril de 2006, aduz que ficou esses 3 (três) meses sem ter meios de sustentar a sua família, na dependência da ajuda de familiares e amigos. Salienta que, por não ter recursos para adimplir os pagamentos nas datas avençadas, teve seu nome inscrito no SERASA. Acresce que o grupo familiar, composto por ele, sua esposa e três filhos de 6 (seis), 4 (quatro) e 2 (dois) anos, dependia de seus rendimentos para o sustento e que a consequente ausência de renda causada pelo corte do benefício causou-lhes, além de séria crise financeira, vergonha, humilhação, angústia, além de um sentimento de incapacidade e desamparo que afetaram sua autoestima e confiança.
II - DA RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
A Constituição Federal de 1988 impõe ao Estado o dever de indenizar os danos causados a terceiros por seus servidores, independentemente da prova do dolo ou culpa, verbis:
Tal norma firmou, em nosso sistema jurídico, o postulado da responsabilidade civil objetiva do poder público, sob a modalidade do risco administrativo. A doutrina é pacífica no que toca à sua aplicação em relação aos atos comissivos, contudo, diverge em relação aos atos omissivos. Prevalece no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que o referido princípio constitucional se refere tanto à ação quanto à omissão, o qual encontra apoio na doutrina de Hely Lopes Meirelles, dentre outros. Segundo esse autor:
Nesse sentido, confiram-se julgados das cortes superiores: STF, RE 495740 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/04/2008, DJe-152 DIVULG 13-08-2009 PUBLIC 14-08-2009 EMENT VOL-02369-07 PP-01432 RTJ VOL-00214- PP-00516; STF, AI 693628 AgR, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 01/12/2009, DJe-237 DIVULG 17-12-2009 PUBLIC 18-12-2009 EMENT VOL-02387-13 PP-02452 LEXSTF v. 32, n. 373, 2010, p. 91-96; STJ, REsp 1103840/PE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/04/2009, DJe 07/05/2009.
Frise-se o ensinamento do Ministro Celso de Mello, expresso em precedentes da corte suprema de sua relatoria, como o citado, o qual sumariza de forma bastante didática os elementos caracterizadores desse dever do Estado de indenizar em razão de danos causados por seus agentes, verbis:
Segundo a doutrina, para fazer jus ao ressarcimento em juízo, cabe à vítima provar o nexo causal entre o fato ofensivo, que, segundo a orientação citada, pode ser comissivo ou omissivo, e o dano, assim como o seu montante. De outro lado, o poder público somente se desobrigará se provar a culpa exclusiva do lesado.
III - DA LESÃO
A fim de comprovar suas alegações, o requerente apresentou cópia dos seguintes documentos:
a) CTPS com um registro de contrato de trabalho na função de mecânico de automação, com data de admissão em 05/04/2004 e sem data de dispensa (fls. 11/12);
b) parecer de médico particular, datado de 13/12/2005, dirigido ao INSS, que dá conta de que o requerente apresentava artrose no joelho direito, com limitação e dores aos pequenos esforços, com referência à incapacidade ao trabalho no momento. Foi solicitada avaliação quanto ao afastamento definitivo (fl. 13);
c) extrato de pagamentos do benefício de auxílio-doença, cujo último ocorreu em 17/01/2006, com data de início em 26/01/2005 e cessação em 26/12/2006 (fl. 14);
d) outro parecer médico, datado de 06/01/2006, dirigido ao INSS na intenção de recurso à perícia, em que enfatiza que o autor não tinha condição de retornar ao trabalho (fl. 15);
e) extrato de pagamento de benefício de auxílio-doença ao autor, ocorrido em 18/04/2006, com data de início em 06/01/2006 e data de encerramento em 10/03/2006 (fl. 16);
f) contas com vencimento em 17/04/2006, 08/04/2006, 04/04/2006, 04/03/2006 e 08/03/2006 (fls. 17/21);
g) comunicado do SERASA ao apelante, segundo o qual o Banco ABN Amro Real S/A pediu a sua inclusão nos cadastros daquela instituição em razão de inadimplemento de financiamento e que a instituição deu prazo de 10 dias para regularização, caso contrário o registro seria efetuado (fl. 22);
h) certidão de nascimento dos filhos, que ocorreu em 20/11/1999, 24/03/2002 e 11/01/2004 (fls. 23/25).
O INSS juntou com a contestação extrato de concessão do referido benefício com data de início em 08/05/2006 e cessação em 30/03/2007 (fl. 35).
A testemunha do autor, JOSÉ EDIVAM CHAGAS DE JESUS, declarou (fl. 58):
Assim, está exaustivamente comprovado que o apelante teve seu benefício de auxílio-doença cancelado indevidamente, tanto que, dias após o seu cancelamento, foi deferido novamente pela própria autarquia.
Acrescente-se que, consoante o artigo 174 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da Previdência Social):
De outro lado, também restou demonstrado nos autos que esse prazo não foi cumprido em relação ao requerimento do autor efetuado em 06/01/2006, com pagamento efetuado somente em 18/04/2006. Portanto, na espécie, está evidenciada a lesão ao direito do autor não só por não ter seu benefício sido concedido no prazo estipulado pelo artigo 174 do Decreto nº 3.048/99, como também por ter sido indevidamente cancelado em 26/12/2006.
IV - DO DANO MORAL
O juiz de primeiro grau entendeu inexistir prova do dano moral. No entanto, entendo que a prova testemunhal produzida, que demonstra todo o sofrimento do autor e de sua família, assim como o comunicado do SERASA são o bastante para evidenciar tudo o que esse grupo familiar suportou naquele período - de 17/01/2006 a 18/04/2006. É mais do que incontroverso que, se o "arrimo de família" tem seu direito ao benefício previdenciário violado, ainda mais em uma situação de doença em que não é possível exercer qualquer atividade rentável, o fato irá refletir diretamente em todos os indivíduos pertencentes àquela unidade, que dependem dele não só econômica como também emocionalmente. São inegáveis os danos morais sofridos pelo requerente e sua família, consubstanciados na dor de ficar endividado, não ter o que comer e precisar da ajuda de conhecidos para se alimentar. Poderia tê-lo feito às suas próprias expensas, caso pudesse ter exercido seu direito de contribuinte e beneficiário da previdência social.
V - DO NEXO CAUSAL
Configurou-se o nexo causal, na medida em que o dano moral comprovado foi resultado do cancelamento indevido pelo INSS de benefício a que o requerente fazia jus, bem como do atraso de cerca de três meses para o pagamento do que foi requerido logo após. É notório o equívoco do perito médico da autarquia previdenciária, que atestou a sua capacidade para o trabalho, que era inexistente na realidade, tanto que veio a ter deferido o auxílio-doença novamente no mês seguinte. Ademais, frise-se que o ente estatal não provou culpa exclusiva da vítima. Assim, é de rigor a reparação à apelante.
VI - VALOR DA INDENIZAÇÃO
Quanto ao valor da indenização, segundo doutrina e jurisprudência pátrias, tem duplo conteúdo, de sanção e compensação. Certamente, as situações humilhantes e revoltantes às quais o apelante e sua família foram submetidos lhes causaram dor moral passível de reparação. Para fins de fixação, deve ser considerado também o período de privação pelo qual passou, que pelo que consta dos autos se estendeu de 17/01/2006 a 18/04/2006. Diante desse quadro, penso que deve ser arbitrado em R$ 30.000,00 (trinta mil reais), como forma de atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade e cumprir os critérios mencionados.
VII - CONSECTÁRIOS LEGAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Sobre o valor da condenação incidirá juros moratórios, a contar da data do evento danoso (Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça), e correção monetária, a partir da presente data (Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça), a serem calculados de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Verifico que se trata de ação em que foi vencida a fazenda pública, razão pela qual a fixação dos honorários advocatícios deverá ser feita conforme apreciação equitativa, sem a obrigatoriedade de adoção, como base para o cômputo, do valor da causa ou da condenação, conforme artigo 20, parágrafos 3º e 4º, do CPC. Dessa forma, considerado o trabalho realizado e a natureza da causa, fixo-os em R$ 2.000,00 (dois mil reais), dado que propiciam remuneração adequada e justa ao profissional.
VIII - DISPOSITIVO
Ante o exposto, dou parcial provimento à apelação para julgar procedente a ação e condenar o INSS a pagar à autora indenização por danos morais no montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) e honorários advocatícios no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais). Os juros de mora e a correção monetária incidirão conforme consignado no voto. Custas na forma da lei.
André Nabarrete
Desembargador Federal
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Data e Hora: | 26/05/2015 18:49:01 |