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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA CIRCULATÓRIA PERIFÉRICA, DIABETES MELLITUS INSULINO DEPENDENTE, EPILPESIA E HEPATOPATIA C...

Data da publicação: 09/08/2024, 19:11:37

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA CIRCULATÓRIA PERIFÉRICA, DIABETES MELLITUS INSULINO DEPENDENTE, EPILPESIA E HEPATOPATIA CRÔNICA. DII FIXADA EM 2013. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA. PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR ZERO. AUXÍLIO EMERGENCIAL. AUTOR RESIDE SOZINHO EM IMÓVEL ALUGADP SIMPLES EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS, COM AJUDA DE TERCEIROS E DA IGREJA. NECESSIDADES BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA. BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ DESPROVIDO. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA. (TRF 3ª Região, 15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo, RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL - 0000678-72.2020.4.03.6344, Rel. Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA, julgado em 04/02/2022, DJEN DATA: 10/02/2022)



Processo
RecInoCiv - RECURSO INOMINADO CÍVEL / SP

0000678-72.2020.4.03.6344

Relator(a)

Juiz Federal LUCIANA JACO BRAGA

Órgão Julgador
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

Data do Julgamento
04/02/2022

Data da Publicação/Fonte
DJEN DATA: 10/02/2022

Ementa


E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA
CIRCULATÓRIA PERIFÉRICA, DIABETES MELLITUS INSULINO DEPENDENTE, EPILPESIA E
HEPATOPATIA CRÔNICA. DII FIXADA EM 2013. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA.
PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR ZERO.
AUXÍLIO EMERGENCIAL. AUTOR RESIDE SOZINHO EM IMÓVEL ALUGADP SIMPLES EM
CONDIÇÕES PRECÁRIAS, COM AJUDA DE TERCEIROS E DA IGREJA. NECESSIDADES
BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ
DESPROVIDO. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA.

Acórdao

PODER JUDICIÁRIOTurmas Recursais dos Juizados Especiais Federais Seção Judiciária de
São Paulo
15ª Turma Recursal da Seção Judiciária de São Paulo

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000678-72.2020.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos



RECORRIDO: CELSO ROBERTO DE OLIVEIRA PAIVA

Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO MOLLES - SP303805-A, DIRCEU VINICIUS DOS
SANTOS RODRIGUES - SP404046-A

OUTROS PARTICIPANTES:





PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS
DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000678-72.2020.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: CELSO ROBERTO DE OLIVEIRA PAIVA
Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO MOLLES - SP303805-A, DIRCEU VINICIUS DOS
SANTOS RODRIGUES - SP404046-A
OUTROS PARTICIPANTES:






R E L A T Ó R I O
A parte autora ajuizou a presente ação na qual objetiva a concessão do benefício assistencial
de prestação continuada, previsto na Lei 8.742/1993.
O juízo singular proferiu sentença e julgou procedente o pedido.
Inconformada, a autarquia ré apresentou o presente recurso. Postulou a ampla reforma da
sentença.
Contrarrazões pelo demandante, requerendo antecipação da tutela.
É o relatório.



PODER JUDICIÁRIOJUIZADO ESPECIAL FEDERAL DA 3ª REGIÃOTURMAS RECURSAIS

DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS DE SÃO PAULO

RECURSO INOMINADO CÍVEL (460) Nº0000678-72.2020.4.03.6344
RELATOR:45º Juiz Federal da 15ª TR SP
RECORRENTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RECORRIDO: CELSO ROBERTO DE OLIVEIRA PAIVA
Advogados do(a) RECORRIDO: RONALDO MOLLES - SP303805-A, DIRCEU VINICIUS DOS
SANTOS RODRIGUES - SP404046-A
OUTROS PARTICIPANTES:





V O T O

Inicialmente, nego efeito suspensivo ao recurso, pois não restou demonstrado o risco de dano
irreparável a que se refere o art. 43 da Lei n.9.099/95.
Passo à análise do recurso.
O benefício de prestação continuada de um salário mínimo foi assegurado pela Constituição
Federal nos seguintes termos:
“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
[...]
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei”.
Segundo entendimento do Supremo Tribunal Federal, consolidado sob a sistemática da
repercussão geral, o benefício em questão também pode ser concedido a estrangeiros
residentes no Brasil:
“Os estrangeiros residentes no País são beneficiários da assistência social prevista no artigo
203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez atendidos os requisitos constitucionais e legais”
(STF, Plenário, RE 587.970/SP, rel. min. Marco Aurélio, j. 20/4/2017, DJe 21/9/2017, Tema
173).
A Lei n° 8.742, de 07.12.93, adotada pela Autarquia previdenciária na análise da concessão da
prestação na esfera administrativa, define o portador de deficiência nos seguintes termos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à
pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem
não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
...
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que

tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais,
em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na
sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Comparando-se a definição atual com a anterior, percebe-se que, atualmente, não mais é
necessária a interação do impedimento de longo prazo com diversas barreiras, bastando
apenas uma, desde que obstrua a participação do indivíduo na sociedade em igualdade de
condições (AMADO, Frederico. “Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 65 e 66).

A lei define o que deve ser entendido por impedimento de longo prazo nos seguintes termos:
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que
produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.” (NR)

O Critério de aferição do lapso de dois anos foi objeto de uniformização pela TNU que a
respeito do ponto editou a Tese 173, com o seguinte teor:

“Para fins de concessão do benefício assistencial de prestação continuada, o conceito de
pessoa com deficiência, que não se confunde necessariamente com situação de incapacidade
laborativa, exige a configuração de impedimento de longo prazo com duração mínima de 2
(dois) anos, a ser aferido no caso concreto, desde o início do impedimento até a data prevista
para a sua cessação (tese alterada em sede de embargos de declaração).”

A condição de pessoa com deficiência deve ser verificada de maneira holística, analisando-se
fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais, ou seja, o indivíduo inserido na realidade, e
não à parte dela. Para tanto, o art. 20, § 6º, da Lei 8.742/1993 determina:
“§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de
impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas
por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
(Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)”.
A esse respeito, em 15/4/2015, a Turma Nacional de Uniformização aprovou a Súmula 80, in
verbis:
“Nos pedidos de benefício de prestação continuada (LOAS), tendo em vista o advento da Lei
12.470/11, para adequada valoração dos fatores ambientais, sociais, econômicos e pessoais
que impactam na participação da pessoa com deficiência na sociedade, é necessária a
realização de avaliação social por assistente social ou outras providências aptas a revelar a
efetiva condição vivida no meio social pelo requerente”.
No caso em análise, a perícia médica, realizada no dia 21/08/2020, por especialista em Clínica
Geral, concluiu que o demandante, nascido em 01/08/1971 (49 anos na data do exame), possui
quadro compatível com INSUFICIÊNCIA CIRCULATÓRIA PERIFÉRICA, DIABETES MELLITUS
INSULINO DEPENDENTE, EPILEPSIA E HEPATOPATIA CRÔNICA, o que lhe acarreta
incapacidade total e temporária para suas atividades habituais de motorista de caminhão.

Ademais, fixou a DII em 2013, motivo pelo qual entendo caracterizada a deficiência e o
impedimento de longo prazo, sobretudo se levada em consideração a atividade de
caminhoneiro desenvolvida pelo demandante. Eis a conclusão do perito judicial:
“(...) III. DA CONCLUSÃO PERICIAL:
Periciando 49 anos, baixo nível de escolaridade, motorista de caminhão (CNH vencida em
26.12.2018 – categoria “AE”) e portador de (1) Insuficiência Circulatória Periférica secundária a
lesão por arma de fogo em membro inferior esquerdo ocorrida em 1997 e com necessidade de
abordagem cirúrgica. Até 2013 os sintomas da Insuficiência Circulatória eram suportáveis e não
limitantes, porém, desde então, houve progressivo agravamento cursando com intenso edema e
dor refratária ao tratamento com analgésicos. Com isso há impedimento em ficar muito tempo
sentado e/ou deambulando e realizando esforço físico. Comprova que está no aguardo de nova
abordagem cirúrgica vascular, via SUS.
Paralelamente ao quadro vascular informa que há seis meses começou a apresentar (2)
Epilepsia estando no aguardo da avaliação neurológica, até o momento, via SUS. Apresenta
ainda (3) Diabetes Mellitus insulino dependente secundária ao tratamento do Câncer de
Pâncreas, em 2004.
Portanto, é certa a INCAPACIDADE TOTAL e TEMPORÁRIA a partir da data do indeferimento
administrativo. Sugiro a reavaliação pericial para seis meses a partir da data dessa perícia
médica oficial.
(...)”
Levando-se em conta a data de início da incapacidade e o prognóstico do demandante,
considero que o impedimento do requerente deve ser reputado de longo prazo, nos termos do §
10 do art. 20 da Lei 8.742/1993 e do Tema 173 da TNU. Assim, considero que estão presentes
todos os requisitos do § 2º para se considerar a parte autora pessoa com deficiência.
Quanto à hipossuficiência econômica, a Lei 8.742/1993 instituiu um critério objetivo,
considerando incapaz de prover a própria manutenção a pessoa portadora de deficiência ou
idosa pertencente a família cuja renda mensal per capita seja a inferior a ¼ do salário mínimo.
Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional o critério supracitado (ADI
1.232, j. 27/8/1998).
O Superior Tribunal de Justiça vinha decidindo pela possibilidade de utilização de outros
critérios para a aferição da miserabilidade do postulante. Em julgamento de recurso especial
repetitivo, fixou a seguinte tese:
“A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita
inferior a 1/4 do salário mínimo” (STJ, 3ª Seção, REsp 1.112.557/MG, rel. min. Napoleão Nunes
Maia Filho, j. 28/10/2009, public. 20/11/2009, Tema 185).
Anos mais tarde, o Pretório Excelso alterou sua posição a respeito do critério legal de
miserabilidade, firmando a seguinte tese de repercussão geral:
“É inconstitucional o § 3º do artigo 20 da Lei 8.742/1993, que estabelece a renda familiar
mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo como requisito obrigatório para

concessão do benefício assistencial de prestação continuada previsto no artigo 203, V, da
Constituição” (STF, Plenário, RE 567.985/MT, rel. min. Marco Aurélio, rel. para acórdão min.
Gilmar Mendes, j. 18/4/2013, DJe 2/10/2013, Tema 27).
Para melhor compreensão desse entendimento, transcrevo trecho da ementa (grifo no original):
“Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da
Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da
Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir
meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo
Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que ‘considera-se incapaz de prover a manutenção da
pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a
1/4 (um quarto) do salário mínimo’.
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao
fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem
consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal
declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de
inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e
único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias
com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão
de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a
Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01,
que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio
financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a
ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores
posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias
mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da
Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento”.

Tratando-se de decisão proferida em controle concreto de constitucionalidade, a eficácia se
restringe ao caso analisado e ao campo dos precedentes judiciais, não tendo o condão de
retirar o dispositivo legal do ordenamento jurídico, tal como se dá no controle abstrato (art. 102,
§ 2º, da CF). De toda forma, apesar de o Pretório Excelso ter declarado a inconstitucionalidade
parcial do § 3º do art. 20 da Lei 8.742/1993, não lhe aplicou a sanção de nulidade.
Como relata Frederico Amado (“Curso de Direito e Processo Previdenciário”. 9. ed. Salvador:
JusPodivm, 2017, p. 57), tentou-se modular a eficácia da decisão para 31/12/2015, a fim de que
o Congresso Nacional tivesse tempo de alterar a Lei Orgânica da Assistência Social, porém não
foi alcançado o quórum de 2/3.
A posição do STF foi encampada pelo legislador em 2015, quando da edição do Estatuto da
Pessoa com Deficiência, que acrescentou o § 11 ao art. 20 da Lei 8.742/1993, in verbis:
“§ 11. Para concessão do benefício de que trata ocaputdeste artigo, poderão ser utilizados
outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de
vulnerabilidade, conforme regulamento”.
Como se nota, o critério da renda mensal inferior a 1/4 do salário-mínimo continua em vigor no
ordenamento jurídico, mas deve ser analisado em conjunto com outros elementos para que se
possa detectar a hipossuficiência econômica do requerente. Para tanto, nos termos da Súmula
79 da TNU, aprovada em 15/4/2015:
“Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das
condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação
lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova
testemunhal”.
A conclusão acima é chancelada pela Turma Nacional de Uniformização, que, em julgamento
de recurso representativo da controvérsia, fixou a seguinte tese:
“O critério objetivo consubstanciado na exigência de renda familiar per capita inferior a ¼ do
salário-mínimo gera uma presunção relativa de miserabilidade, que pode, portanto, ser afastada
por outros elementos de prova” (TNU, PEDILEF 5000493-92.2014.4.04.7002, rel. juiz federal
Daniel Machado da Rocha, j. 14/4/2016, public. 15/4/2016, Tema 122).
Sem embargo dessas constatações, proliferaram no território nacional inúmeras decisões em
Ações Civis Públicas que passaram a impor ao INSS adoção de critérios regionais e
diferenciados para a concessão do benefício.
Esse fato contribuiu para nova e recente alteração legislativa a respeito do tema (Lei 14.176/21)
que deu a seguinte redação ao §11 do artigo 20 da Lei 8.472/93
O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal
familiarper capitaprevisto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o
disposto no art. 20-B desta Lei.
.....................................................................................................................” (NR)
“Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da
situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os
seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensalper capitade
que trata o § 11-A do referido artigo:
I – o grau da deficiência;

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e
III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei
exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos
especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados
gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que
comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.
§ 1º A ampliação de que trata ocaputdeste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais,
definidas em regulamento.
§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III
docaputdeste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III docaputdeste artigo.
§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I docaputdeste artigo será aferido por meio de
instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos§§ 1º e 2º do art. 2º da Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do
art. 40-B desta Lei.
§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que
trata o inciso III docaputdeste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania,
da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir
de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades,
facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em
regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.”

Nestes termos, o deferimento da prestação deverá observar a existência dessas situações que
permitem a superação do limite de ¼ de salário mínimo como renda per capita no núcleo
familiar.
Por último, anoto que o STJ, no julgamento do Tema 640 ampliou o alcance da norma que
consta do artigo 34 do Estatuto do Idoso. Eis a decisão do Tribunal:
STJ – Tema 640 (Recursos Repetitivos) – Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto
do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa
com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.

Dessa forma, nos casos de núcleos familiares compostos simultaneamente por idosos e
deficientes, o benefício previdenciário no valor de um salário mínimo não e computado no
cálculo da renda per capita.
No que tange ao grupo familiar, assinalo que com o advento da Lei 12.435/2011, a família é
integrada pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a
madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores
tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Em relação a esse ponto, não se pode perder de vista o princípio da subsidiariedade, pelo qual
a atuação do Estado só se justifica quando o indivíduo e os grupos sociais intermediários são
incapazes de resolver determinado problema.

Apesar de a Constituição Federal não empregar essa expressão, a norma jurídica pode ser
extraída, no campo da assistência social, tanto do art. 203, V, quanto de outros dispositivos
analisados de forma sistemática.
Segundo o art. 193, “A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o
bem-estar e a justiça sociais”.
Dentro do Título VIII (“Da Ordem Social”) está o capítulo relativo à seguridade social, que se
divide em três subsistemas: saúde, previdência e assistência social (art. 194, caput).
O Capítulo VII do mesmo Título, por sua vez, trata da família, criança, adolescente, jovem e
idoso. O art. 226 reconhece a família como base da sociedade e lhe assegura especial proteção
do Estado. O art. 229 contempla o princípio da solidariedade familiar, assim expresso: “Os pais
têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de
ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.
Do exposto, pode-se afirmar que o indivíduo é o principal responsável pelo atendimento de suas
necessidades. Caso enfrente situação que não lhe permita prover o seu sustento, deverá ser
amparado por sua família, nos termos da lei de regência (art. 5º, II, da CF). Na hipótese de os
familiares legalmente obrigados a colaborar com o sustento do membro carente também não
terem condições de fazê-lo, aí sim o indivíduo poderá acionar o Estado, para deste receber
assistência social.
Vê-se, portanto, que o BPC-LOAS não é instrumento para afastar o dever de prestar alimentos
de modo a “socializar” os gastos da família com seus idosos e dependentes portadores de
deficiência. Além disso, não tem por finalidade complementar a renda familiar ou proporcionar
maior conforto à parte interessada, mas amparar a pessoa deficiente ou idosa em efetivo
estado de miserabilidade.
Observadas essas premissas, no caso concreto, entendo que há miserabilidade a ser tutelada.
O laudo social indicou que, nos termos do § 1º do art. 20 da Lei 8.742/1993, o grupo familiar é
composto apenas pelo autor.
A renda mensal do grupo familiar provém exclusivamente do auxílio emergencial, no valor de
R$ 600,00, de caráter transitório em virtude da pandemia da COVID-19. Informou não receber
qualquer outro tipo de benefício assistencial ou previdenciário, apenas ajuda de amigos
próximos e da Igreja a fim de custear suas despesas básicas.
Por conseguinte, a renda per capita do autor é zero, o que, por si só, denota sua miserabilidade.
Além de se enquadrar no critério legal de miserabilidade (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993), a
situação econômica do autor é corroborada pelo laudo social, que revela imóvel alugado
simples em condições precárias, guarnecido apenas com móveis e eletrodomésticos
essenciais, que não destoam da alegada condição de miserabilidade.
Embora a renda per capita não seja o único critério para se aferir a necessidade da postulante,
no caso, o aspecto geral do ambiente doméstico descrito pela assistente social e o contexto
familiar indicam que a parte autora não possui outros meios de prover a própria manutenção ou
de tê-la provida por sua família.
Por derradeiro, em que pese a existência de dois filhos e um irmão em idade economicamente
ativa e formalmente empregados, além de não viverem com o demandante, não há quaisquer
elementos nos autos que nos permitam concluir que possam auxiliar o autor, sem prejuízo da

própria subsistência e de suas famílias.
No ponto, assim restou fundamentada a sentença:
“(...) Nesse contexto, o laudo social revela que o grupo familiar é formado unicamente pelo
autor, que reside sozinho em imóvel alugado, localizado em bairro residencial urbanizado, longe
do centro. A casa é simples, construída em alvenaria, com piso de cimento e sem forro. É
composta de 3 cômodos pequenos, sendo 1 quarto, cozinha e banheiro, além da área de
serviço. A residência é guarnecida de poucos móveis e utensílios. Por exemplo, não há cama
(somente colchão no chão) nem guarda-roupas. O autor não trabalha e, portanto, não possui
renda. Atualmente, encontra-se vivendo do auxílio emergencial e da ajuda de da igreja e de
amigos. Não há contato com os filhos e com os irmãos. Por sua vez, as despesas declaradas
são: aluguel (R$ 357,00), energia elétrica (R$ 50,00), telefone celular (R$ 10,00), gás de
cozinha (R$ 80,00 para 3 meses), alimentação (R$ 300, 00), perfazendo aproximadamente R$
797,00 por mês. O auxílio emergencial tem caráter temporário e não deve ser considerado para
fins de verificação da renda per capita familiar. Como se vê, o autor não possui renda e
encontra-se vivendo do auxílio de terceiros, o que revela sua hipossuficiência econômica.
Nestes termos, a conclusão da Assistente Social: No momento da entrevista online o autor
estava relativamente bem. Contou que bebia e por consequência perdeu a família, emprego e
saúde. Devido a atual condição em que vive o autor está muito nervoso e solitário. A casa é
muito precária e aparentemente o mesmo está muito debilitado. Assim, a parte autora faz jus à
concessão do benefício assistencial a partir de 22.11.2018, data do requerimento
administrativo.
(...)”
A partir dos elementos que dos autos constam, conclui-se que a parte autora é pessoa com
deficiência. Não há familiares que possam ajudar o demandante sem prejuízo de sua
subsistência ou de seus dependentes. Nesse cenário, justifica-se a intervenção do Poder
Público por meio da concessão de BPC-LOAS.
Preenchidos os requisitos legais, o benefício assistencial deve ser concedido.
Por derradeiro, passo a apreciar o pedido de tutela provisória formulado em contrarrazões.
Para a concessão de tutela provisória de urgência (art. 294 do CPC), o art. 300, caput, exige
cumulativamente: (i) a probabilidade do direito (fumus boni iuris); e (ii) o perigo de dano ou o
risco ao resultado útil do processo (periculum in mora).
No caso concreto, ambos os requisitos foram atendidos.
Mais do que simples fumus boni iuris, tem-se a certeza do direito da autora, pois a questão foi
aqui apreciada em cognição exauriente.
O periculum in mora se faz presente em virtude do caráter alimentar do benefício e de a
demandante não ter renda própria.
Nesse quadro, defiro a tutela de urgência, determinando que o INSS implante o BPC-LOAS em
favor da parte autora, no prazo de 45 dias, sob pena de multa diária de R$ 500,00, limitado o
total a R$ 10.000,00, nos termos do art. 537 do CPC.
Esclareço que essa determinação é restrita à obrigação de fazer, não abrangendo, portanto, o
pagamento de parcelas vencidas antes e durante o curso do processo, que será feito após o
trânsito em julgado, com expedição de precatório ou requisição de pequeno valor, em

observância ao art. 100 da Constituição Federal e ao art. 17 da Lei 10.259/2001.
Acrescento que os recursos cabíveis contra este acórdão (embargos de declaração, pedido de
uniformização e recurso extraordinário) não são dotados de efeito suspensivo (arts. 995, 1.026,
caput e § 1º, e 1.029, § 5º, do CPC). Por conseguinte, o acórdão irradia efeitos desde a sua
publicação.
Ante todo o exposto, nego provimento ao recurso do réu, nos termos da fundamentação acima.
Oficie-se ao INSS para que cumpra a tutela provisória de urgência aqui deferida.
Fixo os honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (ou da
causa, na ausência daquela), devidos pela parte recorrente vencida. A parte ré, se recorrente
vencida, ficará dispensada desse pagamento se a parte autora não for assistida por advogado
ou for assistida pela DPU (Súmula 421 STJ). Na hipótese de a parte autora ser beneficiária de
assistência judiciária gratuita e recorrente vencida, o pagamento dos valores mencionados
ficará suspenso nos termos do § 3º do art. 98 do CPC – Lei nº 13.105/15.
Dispensada a elaboração de ementa na forma da lei.
É o voto.












E M E N T A
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LOAS. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INSUFICIÊNCIA
CIRCULATÓRIA PERIFÉRICA, DIABETES MELLITUS INSULINO DEPENDENTE, EPILPESIA
E HEPATOPATIA CRÔNICA. DII FIXADA EM 2013. CONDIÇÃO DO AUTOR COMPROVADA.
PERÍCIAS MÉDICA E SOCIAL. MISERABILIDADE. RENDA PER CAPITA FAMILIAR ZERO.
AUXÍLIO EMERGENCIAL. AUTOR RESIDE SOZINHO EM IMÓVEL ALUGADP SIMPLES EM
CONDIÇÕES PRECÁRIAS, COM AJUDA DE TERCEIROS E DA IGREJA. NECESSIDADES
BÁSICAS NÃO ATENDIDAS. INTERVENÇÃO DO PODER PÚBLICO QUE SE JUSTIFICA.
BENEFÍCIO DEVIDO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO DA PARTE RÉ
DESPROVIDO. TUTELA DE URGÊNCIA CONCEDIDA. ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Décima Quinta Turma
Recursal de São Paulo decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da parte ré, nos
termos do voto da Relatora, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.


Resumo Estruturado

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