D.E. Publicado em 25/02/2019 |
EMENTA
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, de ofício, corrigir a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conhecer de parte da apelação do INSS, e, na parte conhecida, negar-lhe provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Desembargador Federal
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0025914-95.2015.4.03.9999/SP
RELATÓRIO
Trata-se de ação objetivando a concessão de benefício assistencial de prestação continuada (LOAS) previsto pelo inciso V do artigo 203 da Constituição Federal à pessoa portadora de deficiência.
A sentença prolatada em 06.02.2015 julgou procedente o pedido nos termos que seguem: "Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido formulado por CASSIANO DA LUZ, devidamente representado, para, nos termos do art. 20, da Lei nº 8.742/93, condenar o INSS a pagar-lhe o benefício de prestação continuada no valor de um salário mínimo mensal, devido a partir da citação. Na verba em atraso, a atualização se dará nos moldes do artigo 1º-F da lei nº 9494/97, com a nova redação dada pela Lei 11.960/2009. Pela sucumbência, condeno o INSS a pagar a verba honorária que arbitro em 15% (quinze por cento) do valor das prestações já vencidas até a presente data (Súmula 111 do E. STJ). P.R.I.C.". Omissa quanto à remessa necessária.
Apela o INSS alegando para tanto que não restou preenchido o requisito de hipossuficiência. Subsidiariamente, caso mantida a procedência do pedido, pede a reforma do julgado no tocante aos critérios de juros e correção monetária.
Com a apresentação de contrarrazões da parte autora os autos vieram a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo não provimento do recurso da autarquia e regularização da representação processual, uma vez que a procuração está em nome do curador e não da parte autora.
É o relatório.
VOTO
Inicialmente, considerando que a sentença foi proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, passo ao exame da admissibilidade da remessa oficial prevista no seu artigo 475.
Embora não seja possível, de plano, aferir-se o valor exato da condenação, pode-se concluir, pelo termo inicial do benefício (15.06.2012 - fls. 23), seu valor e a data da sentença (06.02.2015), que o valor total da condenação não alcançará a importância de 60 (sessenta) salários mínimos estabelecida no § 2º.
Assim, é nítida a inadmissibilidade, na hipótese em tela, da remessa oficial.
Não conheço da apelação do INSS no que se refere ao pedido de reforma da sentença no tocante aos critérios de juros e correção monetária, ante a ausência de interesse recursal.
No mais, conheço do recurso.
A questão vertida nos presentes autos diz respeito à exigência de comprovação dos requisitos legais para a obtenção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal.
O benefício de prestação continuada é devido ao portador de deficiência (§2º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011) ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (artigo 34 da Lei nº 10.741/2003) que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
Conforme cópia da certidão de nascimento de fls. 21, tendo a parte autora nascido em 16 de julho de 1974, conta atualmente com 44 anos de idade, e dessa forma o pleito baseia-se em suposta deficiência ou incapacidade do postulante, que nos presentes autos resta incontroversa eis que não foi impugnada na apelação.
Assim, restando atendido um dos critérios fixados no caput do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 com a redação dada pela Lei nº 12.470/2011 c/c o art. 34 da Lei nº 10.741/2003, necessário averiguar-se o preenchimento do requisito da miserabilidade, uma vez que a lei exige a concomitância de ambos para que o benefício assistencial possa ser concedido.
O artigo 20, § 3º da Lei 8742/93 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011).
Com relação ao cálculo da renda per capita, a Lei 10.741/03 assim preceitua:
"Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas."
Entretanto, a Suprema Corte, no RE 580.963/PR, sob regime de repercussão geral, declarou a inconstitucionalidade parcial, por omissão, sem pronúncia de nulidade da norma em comento, ante a inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em, relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo.
E nesse sentido, assim o Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu em sede de julgamento de recurso repetitivo: "(...) 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93." RECURSO REPETITIVO (Tema: 640) REsp 1355052 / SP RECURSO ESPECIAL 2012/0247239-5 Relator(a) Ministro BENEDITO GONÇALVES (1142)Órgão Julgador S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data do Julgamento 25/02/2015, Data da Publicação/Fonte DJe 05/11/2015)
Indo mais além, a constitucionalidade do próprio § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93, também foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que todavia, foi julgada improcedente.
Embora reconhecida a constitucionalidade do §3º do artigo 20 da Lei 8.742/93, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.
Neste sentido decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557-MG:
O aparente descompasso entre o desenvolvimento da jurisprudência acerca da verificação da miserabilidade e o entendimento firmado no julgamento da ADI 1.232-DF levou a Corte Suprema a enfrentar novamente a questão no âmbito da Reclamação 4374 - PE que, julgada em 18/04/2013, reconheceu a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º, art. 20 da Lei 8.742/1993. O julgado reconheceu a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem nulidade do § 3º, art. 20 da Lei 8742/93 indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.
Cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada.
Desta forma, até que o assunto seja disciplinado, é necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.
Não há como enquadrar todos os indivíduos em um mesmo patamar e entender que somente aqueles que contam com menos de um quarto do salário-mínimo possam fazer jus ao benefício assistencial.
Tecidas tais considerações, no caso concreto o estudo social realizado em 11.12.2012 (fls. 42/44) revela que a parte autora reside com sua irmã, em imóvel próprio, com três quartos cozinha e banheiro. Acrescenta que a casa está guarnecida com móveis e utensílios simples e de qualidade duvidosa.
Informa que a renda da casa advém do benefício assistencial recebido pela irmã do autor somado a R$ 300, 00 auferido pelo autor a título de contrato temporário firmado com a Prefeitura Municipal em programa emergencial de auxílio desemprego.
A família relata despesas no valor de R$ 634,00.
Assinalo que embora conste informação de que o autor estava trabalhando no momento da perícia social, o laudo médico pericial revela que em 13.08.2013 foi internado em uma clínica psiquiátrica, e que lá se encontrava na data da perícia médica realizada em 01.10.2014.
Notória a vulnerabilidade socioeconômica do grupo familiar. A irmã do autor também apresenta problemas psiquiátricos, e embora o irmão/curador do autor exerça atividade remunerada possui despesas com sua própria família. Observa-se a necessidade de aporte financeiro para que o autor possa ser submetido ao tratamento médico apropriado.
A presença de dependente portador de doença incapacitante como a que o autor apresenta (esquizofrenia), faz com que a família suporte o pesado encargo do zelo pelo incapaz, que necessita de cuidados constantes, o que dificulta o incremento da renda familiar, uma vez que cabe a seus familiares auxiliá-lo sempre.
Desta forma, considerando o conjunto probatório que se apresenta nos autos, verifico estarem preenchidos os requisitos necessários à manutenção do benefício concedido pela MM. Juízo a quo.
No que tange aos critérios de atualização do débito, por tratar-se de consectários legais, revestidos de natureza de ordem pública, são passíveis de correção de ofício, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
Assim, corrijo a sentença, e estabeleço que as parcelas vencidas deverão ser corrigidas monetariamente e acrescidas de juros de mora pelos índices constantes do Manual de Orientação para a elaboração de Cálculos na Justiça Federal vigente à época da elaboração da conta, observando-se, em relação à correção monetária, a aplicação do IPCA-e em substituição à TR - Taxa Referencial, consoante decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE nº 870.947, tema de repercussão geral nº 810, em 20.09.2017, Relator Ministro Luiz Fux.
Nesse passo, acresço que os embargos de declaração opostos perante o STF contra tal julgado tem por objetivo único a modulação dos seus efeitos para atribuição de eficácia prospectiva, pelo que o excepcional efeito suspensivo concedido por meio da decisão proferida em 24.09.2018 e publicada no DJE de 25.09.2018, surtirá efeitos apenas no tocante à definição do termo inicial da incidência do IPCA-e, que deverá ser observado quando da liquidação do julgado.
Por fim, assinalo que não havendo prejuízo ao deslinde da lide, e observando-se o princípio da celeridade processual, a eventual irregularidade processual apontada pelo Ministério Público Federal deve ser sanada no momento da execução das verbas.
Diante do exposto, de ofício, corrijo a sentença para fixar os critérios de atualização do débito, não conheço de parte da apelação do INSS, e na parte conhecida, NEGOLHE PROVIMENTO, nos termos da fundamentação exposta.
É o voto.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal
Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por: | |
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Data e Hora: | 19/02/2019 13:03:26 |