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AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA RECONHECIDA. LITISPENDÊNCIA AFASTADA. LOAS. PEDIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL FORMUL...

Data da publicação: 12/07/2020, 17:36:07

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA RECONHECIDA. LITISPENDÊNCIA AFASTADA. LOAS. PEDIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL FORMULADO POR PESSOA IDOSA OU PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CONCEDIDO A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE RENDA MÍNIMA CONCEDIDO A PESSOA IDOSA OU PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA QUE INTEGRA O NÚCLEO FAMILIAR. SITUAÇÕES SEMELHANTES. IGUALDADE. EQUIDADE. ANALOGIA. REMESSA OFICIAL E RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDOS. JULGAMENTO NA FORMA DO ARTIGO 515, §3° DO CPC. PRETENSÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. Remessa oficial tida por ocorrida, de vez que o objetivo da ação civil pública é a proteção social da pessoa idosa e da pessoa portadora de deficiência. 2. Adequação da via eleita reconhecida. 3. Ação civil pública anterior, que veicula pedido de extensão dos efeitos do provimento jurisdicional em caráter nacional, está pendente de julgamento definitivo em segundo grau. Extinção de parte do presente feito por reconhecimento de litispendência resultaria em graves prejuízos para os titulares do direito tutelado e afronta à economia processual, caso a extensão da eficácia da ação citada seja limitada posteriormente. Relevância do tema de viés coletivo. Impossibilidade de sobrestamento desta ação civil pública indefinidamente. Litispendência afastada. 4. Nos pedidos de benefício assistencial (LOAS) formulados por pessoas idosas e portadoras de deficiência, o INSS deverá se abster de incluir no cálculo da renda per capita familiar qualquer benefício de valor mínimo (um salário mínimo) - de natureza assistencial ou previdenciária - pago a integrante do grupo familiar que seja pessoa idosa ou portadora de deficiência, independentemente de renúncia de benefícios. Aplicação analógica do artigo 34, §único da Lei n° 10.741/03. 5. Improcedentes os pedidos de exclusão de benefício superior a um salário-mínimo do cálculo da renda familiar, bem como daqueles recebidos por pessoas não idosas e pessoas não portadoras de deficiência. 6. Improcedente o pedido de revisão dos benefícios já indeferidos, ante a impossibilidade da constatação retroativa dos demais elementos necessários para sua concessão. 7. A eficácia da coisa julgada alcança o âmbito territorial da Subseção Judiciária de São Carlos/SP. 8. Remessa oficial e recurso voluntário providos, para reconhecer a adequação da via eleita. 9. Pretensão julgada parcialmente procedente, na forma do artigo 515, §3° do CPC. (TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1625149 - 0001038-69.2007.4.03.6115, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO DOMINGUES, julgado em 14/03/2016, e-DJF3 Judicial 1 DATA:22/03/2016 )


Diário Eletrônico

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO

D.E.

Publicado em 28/03/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001038-69.2007.4.03.6115/SP
2007.61.15.001038-9/SP
RELATOR:Desembargador Federal PAULO DOMINGUES
APELANTE:Ministerio Publico Federal
PROCURADOR:RONALDO RUFFO BARTOLOMAZI e outro
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP224760 ISABEL CRISTINA BAFUNI e outro
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
EXCLUIDO:Uniao Federal
ADVOGADO:SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
No. ORIG.:00010386920074036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

EMENTA

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. APELAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA RECONHECIDA. LITISPENDÊNCIA AFASTADA. LOAS. PEDIDO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL FORMULADO POR PESSOA IDOSA OU PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA. CÁLCULO DA RENDA FAMILIAR. EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL CONCEDIDO A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA E DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE RENDA MÍNIMA CONCEDIDO A PESSOA IDOSA OU PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA QUE INTEGRA O NÚCLEO FAMILIAR. SITUAÇÕES SEMELHANTES. IGUALDADE. EQUIDADE. ANALOGIA. REMESSA OFICIAL E RECURSO VOLUNTÁRIO PROVIDOS. JULGAMENTO NA FORMA DO ARTIGO 515, §3° DO CPC. PRETENSÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Remessa oficial tida por ocorrida, de vez que o objetivo da ação civil pública é a proteção social da pessoa idosa e da pessoa portadora de deficiência.
2. Adequação da via eleita reconhecida.
3. Ação civil pública anterior, que veicula pedido de extensão dos efeitos do provimento jurisdicional em caráter nacional, está pendente de julgamento definitivo em segundo grau. Extinção de parte do presente feito por reconhecimento de litispendência resultaria em graves prejuízos para os titulares do direito tutelado e afronta à economia processual, caso a extensão da eficácia da ação citada seja limitada posteriormente. Relevância do tema de viés coletivo. Impossibilidade de sobrestamento desta ação civil pública indefinidamente. Litispendência afastada.
4. Nos pedidos de benefício assistencial (LOAS) formulados por pessoas idosas e portadoras de deficiência, o INSS deverá se abster de incluir no cálculo da renda per capita familiar qualquer benefício de valor mínimo (um salário mínimo) - de natureza assistencial ou previdenciária - pago a integrante do grupo familiar que seja pessoa idosa ou portadora de deficiência, independentemente de renúncia de benefícios. Aplicação analógica do artigo 34, §único da Lei n° 10.741/03.
5. Improcedentes os pedidos de exclusão de benefício superior a um salário-mínimo do cálculo da renda familiar, bem como daqueles recebidos por pessoas não idosas e pessoas não portadoras de deficiência.
6. Improcedente o pedido de revisão dos benefícios já indeferidos, ante a impossibilidade da constatação retroativa dos demais elementos necessários para sua concessão.
7. A eficácia da coisa julgada alcança o âmbito territorial da Subseção Judiciária de São Carlos/SP.
8. Remessa oficial e recurso voluntário providos, para reconhecer a adequação da via eleita.
9. Pretensão julgada parcialmente procedente, na forma do artigo 515, §3° do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por maioria, dar provimento à remessa oficial, tida por ocorrida e à apelação, nos termos do voto do Relator, com quem votou o Des. Federal Fausto De Sanctis, vencido o Des. Federal Carlos Delgado que negava provimento à apelação e à remessa oficial, tida por ocorrida, mantendo a r. sentença, com acréscimo de fundamento e, prosseguindo no julgamento, com fundamento no art. 515, §3º, do CPC, por unanimidade, julgar parcialmente procedente o pedido, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.


São Paulo, 14 de março de 2016.
PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal


Documento eletrônico assinado digitalmente conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que instituiu a Infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, por:
Signatário (a): PAULO SERGIO DOMINGUES:10112
Nº de Série do Certificado: 27A84D87EA8F9678AFDE5F2DF87B8996
Data e Hora: 17/03/2016 15:27:53



APELAÇÃO CÍVEL Nº 0001038-69.2007.4.03.6115/SP
2007.61.15.001038-9/SP
RELATOR:Desembargador Federal PAULO DOMINGUES
APELANTE:Ministerio Publico Federal
PROCURADOR:RONALDO RUFFO BARTOLOMAZI e outro
APELADO(A):Instituto Nacional do Seguro Social - INSS
ADVOGADO:SP224760 ISABEL CRISTINA BAFUNI e outro
:SP000030 HERMES ARRAIS ALENCAR
EXCLUIDO:Uniao Federal
ADVOGADO:SP000019 TÉRCIO ISSAMI TOKANO
No. ORIG.:00010386920074036115 1 Vr SAO CARLOS/SP

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pelo Ministério Público Federal em ação civil pública ajuizada pelo parquet, com fulcro no artigo 1°, inciso IV, da Lei n° 7.347/85, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando:

seja dada interpretação extensiva ao artigo 34, parágrafo único, da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso), definindo-se que, para fins de concessão do Benefício de Prestação Continuada (previsto na LOAS) a idosos e deficientes, o INSS deverá se abster de incluir no cálculo da renda per capita familiar o valor de qualquer benefício - de natureza assistencial ou previdenciária - concedido a integrante do grupo familiar, correspondente a 1 (um) salário mínimo ou, se superior, até o valor de 1 (um) salário mínimo, independentemente de renúncia de benefícios;


a declaração de ilegalidade do:

= artigo 621, § 2º da Instrução Normativa INSS/DC n° 95/03;

= artigo 625, §§ 1° a 3º da Instrução Normativa INSS/DC n° 118/05;

= artigo 625, §§ 1° a 3º da Instrução Normativa INSS/PRES n° 11/06;


se necessário, a declaração de inconstitucionalidade do artigo 34, parágrafo único da Lei n° 10.741/03;


a revisão dos requerimentos anteriormente indeferidos no prazo máximo de 90 (noventa) dias;


a restrição dos efeitos dos provimentos jurisdicionais no âmbito territorial da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, de acordo com o disposto no artigo 16 da Lei n° 7.347/85, com a redação dada pela Lei n° 9.494/97.

Na petição inicial, o Ministério Público Federal defendeu a competência da Justiça Federal (artigo 109, inciso I da CF), a sua legitimidade ativa, a ilegitimidade passiva dos Requeridos, bem como a adequação da via processual eleita. No mérito, sustentou que o INSS, para a concessão de benefício assistencial previsto pelo artigo 20 da Lei n° 8.742/93, aplica o artigo 34, parágrafo único da Lei 10.741/03 de forma restritiva, apenas para, no caso de concessão do benefício ao idoso, excluir da renda familiar outro benefício de igual espécie pago a outro idoso do mesmo grupo familiar. Aduz que deveria ser dada ao artigo interpretação extensiva, na medida em que, seja no caso de concessão de benefício ao idoso seja à pessoa portadora de deficiência, far-se-ia necessário excluir da renda familiar, para o fim de cálculo da renda per capita, o valor correspondente a um salário mínimo percebido por idoso, pessoa com necessidades especiais ou outras pessoas, membros da mesma família, independentemente da natureza do benefício por eles percebido, seja previdenciário, seja assistencial. Argumenta, basicamente, que: a Constituição Federal tratou de modo idêntico a idade e a deficiência, ambas como situações de risco social merecedoras de amparo, quando da previsão do beneficio assistencial no valor de um salário mínimo; a interpretação restritiva do dispositivo legal ocasiona tratamento desigual a quem se encontra em situação de igualdade (idosos e pessoa portadora de deficiência); não pode o intérprete distinguir quando a lei e a Constituição Federal não o fazem, causando uma situação de desigualdade; não há justificava plausível para diferenciar o benefício assistencial pago ao idoso dos benefícios previdenciários ou mesmo do benefício assistencial pago à pessoa portadora de deficiência, que correspondam ao valor de um salário-mínimo. Sustentou, igualmente, a ilegalidade do artigo 621, § 2º, da Instrução Normativa n° 11/06, vez que dissonante ao disposto no mencionado artigo 34, parágrafo único, da Lei n° 10.741/03, além de ser contrário ao comando constitucional presente nos artigos 3°, incisos I, II e IV, 5º, 194, I, e 203, inciso V da Constituição da República. Defendeu, finalmente, a restrição dos efeitos da sentença exarada neste feito aos benefícios concedidos nos limites territoriais da Subseção Judiciária de São Carlos, de acordo com o disposto no artigo 16 da Lei n° 7.347/85, com a redação dada pela Lei n° 9.494/97.

Intimados nos termos do artigo 2° da Lei n° 8.437/92, o INSS e a União apresentaram suas manifestações prévias (fls. 680/685 e 686/733).

O INSS pugnou pelo indeferimento da antecipação da tutela requerida, sustentando, basicamente: a legalidade das instruções normativas questionadas pelo Ministério Público Federal; que a interpretação da lei pelo uso dos métodos hermenêuticos é função do Poder Judiciário, cabendo ao INSS tão-somente a aplicação do comando legal; que o discrímen impugnado foi imposto pela Lei n° 10.741/03, e não pela autarquia; e que a aludida lei não prevê a exclusão de benefício no valor de 1 (um) salário mínimo do computo da renda da família, mas do LOAS concedido a outro membro do núcleo familiar. Requereu o indeferimento da medida liminar (fls. 680/685).

A União sustentou, preliminarmente: a ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público Federal, por lhe ser vedada a defesa de direitos individuais de beneficiários da Previdência Social; a inadequação da via processual eleita pelo representante do Parquet Federal e a incompetência do juízo, pois a defesa do bem da vida por ele pleiteada apenas seria possível mediante o ajuizamento de ação direta de inconstitucionalidade no âmbito do Supremo Tribunal Federal; sua ilegitimidade passiva ad causam, ao argumento de que apenas ao INSS seria dada a competência para conceder e gerir o benefício de prestação continuada em questão. No mérito, pugnou pelo efeito vinculante do acórdão proferido na Ação Direita de Inconstitucionalidade n° 1.232, que declarou a plena compatibilidade do artigo 20, §3°, da Lei n° 8.742/93 com o sistema jurídico vigente, bem como pela impossibilidade de interpretação extensiva do artigo 34, parágrafo único da Lei n° 10.741/03. Requereu o indeferimento da tutela antecipatória objetivada pelo órgão ministerial, em decorrência da ausência dos requisitos previstos pelo artigo 273 do Código de Processo Civil (fls. 686/733).

O MM. Juiz da causa excluiu a União da lide, em face de sua ilegitimidade passiva ad causam, afastou as preliminares de ilegitimidade ativa ad causam, inadequação da via processual eleita, identidade desta ação com o objeto da ADI 1.232 (efeito vinculante), bem como deferiu parcialmente a tutela antecipada pleiteada pelo MPF, determinando que o INSS, por ocasião da apreciação de novos requerimentos de benefícios assistenciais formulados por idosos ou portadores de deficiência, desconsidere a renda de outro membro do núcleo familiar, idoso ou deficiente, proveniente de benefício previdenciário ou assistencial de prestação continuada, cuja renda mensal seja de até um salário mínimo, independentemente de qualquer renúncia, sob pena de multa diária a ser revertida para o Fundo Federal de Defesa dos Direitos Difusos (fls. 735/748). Desta decisão houve a interposição de agravos de instrumento pelo órgão ministerial e pelo INSS (0091279-04.2007.4.03.0000 e 0091954-64.2007.4.03.0000).

Citado, o INSS apresentou contestação (fls. 816/828). Não suscitou preliminares. Argumenta que: a pretensão deduzida afronta o princípio da separação dos poderes, além do artigo 203 da Constituição Federal e artigo 131 do Código de Processo Civil; a Seguridade Social tem caráter supletivo; é vedado ao Poder Judiciário atuar como legislador positivo, em afronta ao artigo 102, inciso I, alínea, "a" da Constituição Federal (competência do Supremo Tribunal Federal); aplica-se ao caso o artigo 1°, §3° da Lei n° 8.437/92, sendo vedada a concessão da tutela antecipada que esgote, no todo ou em parte, o objeto da ação.

As partes manifestaram desinteresse pela produção de provas (fls. 833 e 834).

Proferida sentença (fls. 886/892), o MM Juiz da causa entendeu não ser a ação coletiva o meio adequado a veicular a pretensão formulada pelo Ministério Público Federal e extinguiu o processo sem resolução de mérito, nos termos do artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil, deixando de fixar condenação em custas e honorários, pois incabíveis na espécie.

O Ministério Público Federal interpôs recurso de apelação (fls. 896/926), defendendo a adequação da via eleita, alegando, em suma, que a pretensão não consiste na declaração geral de inconstitucionalidade de lei, mas na aplicação da lei conforme a Constituição Federal. Pugna pelo julgamento da causa, por se tratar de matéria exclusivamente de direito, nos termos do artigo 515, §3° do Código de Processo Civil, e, repisando os argumentos expendidos em sua inicial, requer a procedência dos pedidos formulados.

O apelo foi recebido em ambos os efeitos (fl. 928).

O INSS apresentou contrarrazões ao recurso (fls. 930/934).

Oferecido parecer ministerial opinando pelo provimento da apelação interposta pelo autor, para que o INSS, por ocasião da apreciação de pedidos administrativos de benefícios de prestação continuada, seja condenado a excluir do cômputo da renda familiar o valor de um salário mínimo percebido por pessoa idosa ou com deficiência, a título de benefício previdenciário ou assistencial, quer esses benefícios tenham sido concedidos no valor mínimo, quer em valor superior ao mínimo.



VOTO

REEXAME NECESSÁRIO

A Lei n° 7.347/85 disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos e não contém regra específica a respeito do duplo grau de jurisdição obrigatório. Entretanto, a Lei n° 4.717/65, que regula a ação popular, traz a seguinte regra sobre a remessa necessária:

"Art. 19. A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal; da que julgar a ação procedente caberá apelação, com efeito suspensivo. (Redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973)"

De sua vez, a Lei n° 10.741/03, que instituiu o Estatuto do Idoso, não traz disciplina expressa a respeito do reexame necessário.

Já a Lei n° 7.853/89 que, dentre outras finalidades, dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, inclusive acerca da tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, também fixa expressamente regra sobre a sujeição obrigatória ao duplo grau de jurisdição, não suscitando qualquer dúvida a respeito. Veja-se o seu teor:

"Art. 3o As medidas judiciais destinadas à proteção de interesses coletivos, difusos, individuais homogêneos e individuais indisponíveis da pessoa com deficiência poderão ser propostas pelo Ministério Público, pela Defensoria Pública, pela União, pelos Estados, pelos Municípios, pelo Distrito Federal, por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, por autarquia, por empresa pública e por fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção dos interesses e a promoção de direitos da pessoa com deficiência. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (...)"


"Art. 4º A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

§ 1º A sentença que concluir pela carência ou pela improcedência da ação fica sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal.

§ 2º Das sentenças e decisões proferidas contra o autor da ação e suscetíveis de recurso, poderá recorrer qualquer legitimado ativo, inclusive o Ministério Público."

Nota-se que a lógica dos dispositivos em destaque segue no sentido da proteção do interesse coletivo lato sensu discutido na demanda (interesse público primário), diversamente daquela que explica o reexame necessário do artigo 475 do Código de Processo Civil, que visa a proteger os interesses da Fazenda Pública em juízo (interesse público secundário).

O C. Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre a aplicação do reexame necessário à sentença que reconhece a carência da ação civil pública. Confira-se:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REEXAME NECESSÁRIO. CABIMENTO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 19 DA LEI 4.717/1965.

1. "Por aplicação analógica da primeira parte do art. 19 da Lei nº 4.717/65, as sentenças de improcedência de ação civil pública sujeitam-se indistintamente ao reexame necessário" (REsp 1.108.542/SC, Rel. Ministro Castro Meira, j. 19.5.2009, Dje 29.5.2009).

2. Agravo Regimental não provido."

(AgRg no REsp 1219033/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/03/2011, DJe 25/04/2011)

Segue, também, decisão desta Corte Regional nesse sentido:

"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - REEXAME NECESSÁRIO - PRELIMINARES - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DESATIVADA - MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - CLASSIFICADA PELA LEI Nº 4.943/96 COMO ELEMENTO DE PRESERVAÇÃO - MEDIDA ACAUTELATÓRIA - IMPOSIÇÃO À UNIÃO FEDERAL E AO IPHAN A ADOÇÃO DE MEDIDAS PROTETIVAS - IMPOSSIBILIDADE - AUSÊNCIA DE TOMBAMENTO - ADOÇÃO DE MEDIDAS DE CONSERVAÇÃO MÍNIMAS - CUSTEADAS PELO FUNDO DE PRESERVAÇÃO MUNICIPAL - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS INDEVIDOS.

1. Submetem-se ao duplo grau de jurisdição obrigatório as sentenças que reconhecerem a carência da ação ou julgarem improcedentes os pedidos deduzidos em sede de ação civil pública, por força da aplicação analógica da regra contida no art. 19 da Lei nº 4717/65.

(...)

(AC 00033811620034036103, DESEMBARGADOR FEDERAL MAIRAN MAIA, TRF3 - SEXTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1 DATA:17/10/2014 ..FONTE_REPUBLICACAO:.)

O raciocínio destes julgados se ajusta ao caso concreto no que toca à pretensão relacionada aos idosos. A seu turno, existe disposição legal expressa a contemplar o reexame necessário relativamente à pretensão deduzida em favor das pessoas portadoras de deficiência.

Logo, uma vez que o objetivo desta ação coletiva é a proteção social da pessoa portadora de deficiência e do idoso, tenho por ocorrido o reexame necessário, com fundamento no artigo 4°, §1° da Lei n° 7.853/89, combinado com o artigo 19 da Lei n° 4.717/65.


LITISPENDÊNCIA

Aprecio, de ofício, a alegação de litispendência entre a presente ação e a Ação Civil Pública n° 0003716-68.2004.4.01.3803 (1ª Vara Federal de Uberlândia/MG), que, embora não arguida nos presentes autos pelo INSS, foi por ele suscitada nos autos do Agravo de Instrumento n° 0091279-04.2007.4.03.0000, de minha relatoria.

Da leitura da petição inicial da Ação Civil Pública n° 0003716-68.2004.4.01.3803 - acostada às fls. 204/219 dos autos do aludido agravo de instrumento -, depreende-se que a pretensão deduzida consiste em determinar que o INSS e a União "desconsiderem, em todo o território nacional, para efeito de cálculo da renda familiar a que se refere a LOAS, tanto para os idosos quanto para os deficientes, qualquer benefício de valor igual ao salário mínimo concedido a membro do grupo familiar, revisando em 30 dias os pedidos anteriormente indeferidos". Proferida sentença em 09/11/2005 - juntada às fls. 220/229 dos autos do aludido agravo de instrumento -, seu dispositivo restou assim redigido: "Diante do exposto, julgo procedente o pedido e em consequência, determino que os Réus desconsiderem, em todo o território nacional, para efeito de cálculo da renda familiar a que se refere a LOAS, tanto para os idosos quanto para os deficientes, qualquer benefício previdenciário de valor igual ao salário mínimo concedido a membro do grupo familiar do postulando ao benefício assistencial previsto na mesma lei. Determino, ainda, ao INSS, à revisão de todos os benefícios assistenciais indeferidos após a edição do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003), com suporte na interpretação questionada na inicial, dentre do prazo de 120 (noventa) dias (sic)".

Logo, a princípio, a ação civil pública em comento, de caráter nacional, poderia abranger parte da pretensão veiculada na presente ação, de caráter regional, levando à análise de eventual litispendência.

Além disso, não obstante o pedido formulado no âmbito da aludida ação tenha sido julgado procedente, com eficácia para todo o território nacional, o E. Tribunal Regional Federal da Primeira Região suspendeu os efeitos da sentença por meio de decisão proferida em 24/03/2006 (Suspensão de Segurança n° 2006.01.00.010252-3 - fls. 230/263 dos autos do Agravo de Instrumento n° 0091279-04.2007.4.03.0000), ocasião em que se fez alusão a um eventual confronto entre o provimento jurisdicional e o disposto no artigo 16 da Lei n° 7.347/95. Atualmente, os autos da ação encontram-se no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, aguardando julgamento de recurso e apreciação do reexame necessário, tal qual se verifica no andamento processual extraído da página oficial do tribunal. Cabe, portanto, à respectiva Corte Regional, ao menos em tese, analisar não apenas o mérito do recurso, mas também a extensão do julgado à vista da discutida regra que fixa a eficácia restritiva da coisa julgada coletiva (artigo 16 da LACP), limitação esta que vem contando com a chancela do E. Superior Tribunal de Justiça (REsp 1304953/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/08/2014, DJe 08/09/2014). Contudo, até o momento, não ocorreu o fenômeno do trânsito em julgado.

Nesse contexto, considerando o deferimento da suspensão de segurança e a ausência de provimento jurisdicional definitivo naquela ação - notadamente no que se refere à extensão da coisa julgada - e considerando, ainda, a relevância do tema de viés coletivo afeto a presente ação, o seu tempo de tramitação transcorrido até aqui - que impôs e impõe a todos os envolvidos na relação processual os respectivos ônus (recursos humanos e materiais) - e a inviabilidade de postergar o seu andamento processual indefinidamente, concluo que não há como se fixar qualquer certeza quanto à existência de litispendência e eventual conflito de decisões judiciais, de sorte que seu reconhecimento, neste momento, revela-se precipitado.

Vale ressaltar que a extinção de parte do presente feito por reconhecimento de litispendência resultará em graves prejuízos para os titulares do direito tutelado (presumidamente hipossuficientes) e afronta à economia processual, caso a extensão da eficácia da ação citada seja limitada posteriormente.

Em derradeiro, a situação de aparente litispendência ora observada é resultado da escolha levada a efeito pelo órgão ministerial quanto à propositura de múltiplas ações de mesmo conteúdo em diversos Estados da Federação, tendo pleiteado, em pelo menos uma delas (Ação Civil Pública n° 0003716-68.2004.4.01.3803), a abrangência nacional. À evidência, mantida a extensão desta última, será necessário equacionar eventuais conflitos entre as coisas julgadas formadas em outros processos coletivos de abrangência regional, eis que, repise-se, há diversas ações propostas no país, a exemplo da Ação Civil Pública n° 0001947-83.2005.404.7205 (1ª Vara Federal de Blumenau/SC), decidida quanto ao mérito, com a produção de efeitos limitados ao âmbito regional e atualmente em fase de cumprimento.

Assim, a prudência que deve nortear o julgador na condução do processo e no ato de julgar impõe o afastamento da litispendência e a manutenção do curso normal desta ação.

A solução jurídica aqui definida vai ao encontro da flexibilização da técnica processual que, não raro, é imprescindível no âmbito do processo coletivo, dadas as suas peculiaridades em relação ao processo individual, tendo-se em conta, inclusive, que as regras processuais não podem se transmutar em excesso de formalismo a se sobrepor à realização da justiça.


INADEQUAÇÃO DA VIA PROCESSUAL ELEITA

O cerne desta ação diz respeito ao modo como o INSS interpreta e aplica o artigo 34, parágrafo único da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso).

A inconstitucionalidade da interpretação restritiva da lei consiste em causa de pedir e, ainda que a declaração de inconstitucionalidade tenha sido inserida no rol dos pedidos (inclusive, em desacordo com a boa técnica processual, em razão do uso da forma condicional "se necessário"), assume caráter incidental, com efeitos a serem produzidos meramente inter partes (direitos individuais homogêneos) e, vale enfatizar, restritos ao âmbito de apenas uma subseção judiciária, tal qual requerido na petição inicial.

Eventual procedência dos pedidos não impedirá que outras ações individuais e coletivas sejam propostas, de vez que, distanciada a ação civil pública da declaração geral de inconstitucionalidade, não revela aptidão para promover a exclusão definitiva da regra legal do ordenamento jurídico pátrio nem mesmo para impor determinada forma de interpretação ou aplicação da lei em dimensão nacional.

Ajuizada a ação sob a sistemática do controle difuso, sem o propósito de substituir a ação direta de inconstitucionalidade, própria do controle em abstrato, inviável reconhecer a usurpação da competência do E. Supremo Tribunal Federal.

Evidentemente, as situações que se pretende abarcar por meio da interpretação extensiva e da aplicação analógica aqui defendidas poderiam ser contempladas, total ou parcialmente, por produção legislativa específica. Contudo, passados onze anos desde a edição do Estatuto do Idoso, o legislador ordinário não se motivou a fazê-lo, mesmo diante das numerosas batalhas judiciais que passaram a ser travadas em ações individuais e coletivas. Manteve-se, então, um campo em aberto que não foi levado em conta pelas políticas públicas e não encontra correspondência em adequada solução legislativa.

É inadmissível a convivência do silêncio legislativo - que persiste frente aos reiterados reclamos pela ampliação do direito social previsto na regra legal, com a preterição de sua efetivação - com a tese de que não cabe ao Poder Judiciário decidir sobre a interpretação desta, por lhe ser vedado atuar como legislador positivo. Primeiro, o resultado inevitável disso seria a perpetuação das situações de desigualdade que se quer afastar por meio desta ação, ensejando, via de consequência, a propositura incessante das demandas judiciais individuais a persistirem na busca pela tutela jurisdicional apta a garantir a aplicação da regra em regime de igualdade. Segundo, não se confunda a adequação interpretativa de um dispositivo legal ou sua aplicação analógica decorrente da necessidade de ajuste da norma deficitária com a efetiva criação de uma nova norma legal de caráter geral.

Como bem acentuou o Ministério Público Federal, a pretensão lançada nesta ação consiste em "preservar a necessidade da permanente prestação de assistência aos desamparados, enquanto aspecto imprescindível da concretização da dignidade da pessoa humana, axioma soerguido pela ordem constitucional em vigor à categoria de fundamento da República".

Seguindo-se por esse prisma, a teoria da separação de poderes não pode se transformar em uma barreira instransponível à efetivação dos direitos constitucionais, porquanto acima das políticas públicas instituídas de acordo com a vontade do legislador está a Constituição Federal que é pródiga na construção de conteúdo de direitos mínimos aptos a garantir o bem-estar do povo, dentre os quais sobressaem os de caráter social aptos a viabilizar condições materiais básicas para uma existência digna. Todo descompasso entre as escolhas do legislador (ou sua inércia) e a Carta Política, notadamente quando prolongado no tempo, deve ser corrigido, em prestígio à harmonia do ordenamento jurídico.

É nesse contexto que surge justamente uma das vertentes da atuação judicial: delimitar o campo de incidência da lei na hipótese de atuação legislativa deficitária.

Em aproximação ao raciocínio aqui exposto, veja-se o quanto decidiu essa Sétima Turma em ação civil pública que versava sobre a obrigatoriedade de realização de perícias pelo INSS:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PREVIDENCIÁRIO. PRELIMINARES NÃO CONHECIDAS EM PARTE, E, NA PARTE CONHECIDA, REJEITADAS. AUXÍLIO-ACIDENTE. OBRIGATORIEDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIAS PELO INSS. PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. LIMITAÇÃO TERRITORIAL DO ARTIGO 16 DA LEI 7.347/85 MANTIDA.

I - O pedido de atribuição de efeito suspensivo à apelação interposta pela Autarquia Previdenciária encontra-se precluso.

II - Não merece conhecimento a alegação preliminar de incompetência absoluta da Justiça Federal, tendo em vista que referida questão restou definitivamente resolvida pelo E. Superior Tribunal de Justiça, conforme se observa da decisão no Conflito de Competência n° 81.809-SP.

III - A Constituição Federal de 1988, no inciso I do artigo 129, dispõe caber ao Ministério Público, dentre outras funções institucionais, a de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia".

IV - Nota-se que o Instituto Nacional do Seguro Social, criado a partir da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, constitui uma autarquia federal vinculada ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social, com atribuições, nos termos do artigo 3º do Decreto n° 99.350, de 27 de julho de 1990, para "conceder e manter benefícios e serviços previdenciários", bem como "executar as atividades e programas relacionados com emprego, apoio ao trabalhador desempregado, identificação profissional, segurança e saúdo de trabalhador".

V - Considerando a condição do Instituto Nacional do Seguro Social de prestador de serviço de relevância pública, clara a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da presente ação.

VI - Descabida a alegação de inadequação da via processual eleita, pois o Ministério Público Federal, ao que parece, não pretende, na presente ação, ver declarada a inconstitucionalidade das Instruções Normativas impugnadas na inicial. Aduz, apenas, que tais instruções trazem interpretação restritiva de direitos e em desconformidade com o ordenamento jurídico.

VII - Como se vê do artigo 86 da Lei 8.213/91, o auxílio-acidente, precedido de auxílio-doença, configura apenas uma das hipóteses em que este benefício é devido (§ 2°). O auxílio-acidente pode ser concedido, também, conforme previsto no caput do mencionado artigo, "após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza", independentemente de prévio auxílio-doença.

VIII - O INSS, ao condicionar a concessão do auxílio-acidente ao prévio gozo do auxílio-doença, e, por conseguinte, a realização de perícia médica segundo as Instruções Normativas ora questionadas, acabou por restringir direitos sem qualquer amparo legal, apresentando uma interpretação dissociada da pretendida pelo legislador.

IX - Se, por um lado, o princípio da reserva do possível autoriza ao Poder Público, considerando os limites impostos pelas leis orçamentárias, reservar-se o poder de escolha de só fazer, dentro das políticas públicas, o que é possível, de outro lado, certo é que não pertence "ao espaço das escolhas públicas" negligenciar as políticas essenciais.

X - No caso concreto, por se tratar de seguridade social, mais especificamente sobre acidente de trabalho e gozo de benefício previdenciário, relacionando-se, pois, com a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º da Constituição Federal), não cabe invocar a reserva do possível para justificar o descumprimento de deveres constitucionais. Precedente do E. STF.

XI - O E. Supremo Tribunal Federal, ao julgar pedido de medida cautelar na ADI 1.576-1, que questionava, dentre outras, a alteração efetuada na redação do artigo 16 da Lei 7.347/85 pela Lei 9.494/97, já se manifestou pela constitucionalidade das limitações territoriais impostas, por este artigo, à eficácia das decisões nas ações civis públicas.

XII - O artigo 93 do Código de Defesa do Consumidor, ao tratar da competência, em seu inciso II, preceitua que a ação civil pública deve ser proposta "no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente."

XIII - Preliminares conhecidas em parte, e, na parte conhecida, rejeitadas. Remessa oficial e apelações das partes improvidas.

(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, APELREEX 0002109-50.2004.4.03.6103, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL WALTER DO AMARAL, julgado em 09/11/2009, e-DJF3 Judicial 1 DATA:25/11/2009 PÁGINA: 421)

O Supremo Tribunal Federal acenou favoravelmente à compatibilidade entre a ação civil pública e a declaração incidental de inconstitucionalidade de lei. Veja-se o aresto abaixo, no qual se aprecia alegação de usurpação de competência da Corte Suprema frente ao julgamento de procedência, em primeira instância, de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, em que foi declarada, "incidenter tantum", a inconstitucionalidade do artigo 27 da Lei nº 8.987/95:

"RECLAMAÇÃO - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO RECURSO DE AGRAVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CONTROLE INCIDENTAL DE CONSTITUCIONALIDADE - QUESTÃO PREJUDICIAL - POSSIBILIDADE - INOCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PRECEDENTES - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - O Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a legitimidade da utilização da ação civil pública como instrumento idôneo de fiscalização incidental de constitucionalidade, pela via difusa, de quaisquer leis ou atos do Poder Público, mesmo quando contestados em face da Constituição da República, desde que, nesse processo coletivo, a controvérsia constitucional, longe de identificar-se como objeto único da demanda, qualifique-se como simples questão prejudicial, indispensável à resolução do litígio principal. Precedentes. Doutrina."

(Rcl-ED 1898, STF, Relator(a): Min. CELSO DE MELLOJulgamento: 10/06/2014, Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA)

No mesmo sentido, seguem julgados do Superior Tribunal de Justiça:

PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SEGURIDADE SOCIAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ESTRANGEIROS E REFUGIADOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 4º DO DECRETO Nº 1.744/95. POSSIBILIDADE. CONTROLE DIFUSO. CAUSA DE PEDIR. RETORNOS DOS AUTOS À ORIGEM PARA REGULAR PROCESSAMENTO DA LIDE.

1. Recurso especial proveniente de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, com o objetivo de compelir a União e o INSS a concederem o benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal aos estrangeiros residentes no Brasil, bem como aos refugiados, desde que em situação regular.

2. O acórdão recorrido reformou a sentença de primeiro grau para dar provimento aos recursos da União e do INSS para reconhecer e declarar a carência da ação por incompetência do juízo para o julgamento da ação civil pública.

3. É firme o entendimento do STJ no sentido de que a inconstitucionalidade de determinada lei pode ser alegada em ação civil pública, desde que a título de causa de pedir - e não de pedido -, como no caso em análise, pois, nessa hipótese, o controle de constitucionalidade terá caráter incidental. Precedentes: REsp 1.326.437/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 05/08/2013; REsp 1.207.799/DF, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 03/05/2011.

4. Não há falar em carência da ação ou incompetência do órgão sentenciante, porquanto é cabível a ação civil pública como instrumento de controle difuso de constitucionalidade, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal. Retorno dos autos à instância de origem para apreciação do mérito da demanda.

Recurso especial provido.

(REsp 1487032/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/03/2015, DJe 09/03/2015)


PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 545 DO CPC. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. USO IRREGULAR DO SOLO URBANO. ESTABELECIMENTO COMERCIAL SITUADO EM ÁREA RESIDENCIAL. LEGITIMIDADE E INTERESSE DE AGIR DO PARQUET. ARTS. 127 E 129, III, DA CF/88, E 1º DA LEI 7.347/85. INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI. CONTROLE INCIDENTER TANTUM. ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 471, I, DO CPC. LEI COMPLEMENTAR SUPERVENIENTE. AUSÊNCIA DE COMANDO NORMATIVO INSUFICIENTE PARA INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO ESTADUAL. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 284/STF. CONTRARIEDADE AO ART. 535, II, CPC. INOCORRÊNCIA.

1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

(...)

5. A dimensão política do controle de inconstitucionalidade, atribuída com exclusividade ao Egrégio Supremo Tribunal Federal, infirma que o mesmo se proceda no âmbito da ação civil pública, salvo em caráter incidenter tantum. Precedentes do STJ: REsp 696.480/SC, DJ 05.09.2007; REsp 801.180/MT, DJ de 10.09.2007, e AgRg no REsp 439.515/DF, DJ de 04.06.2007.

(...)

(AgRg no Ag 1249132/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/08/2010, DJe 09/09/2010)

Rechaçada, portanto, a preliminar de inadequação da via eleita.



MÉRITO

O artigo 515, §3° do Código de Processo Civil possibilita a esta Corte Regional, nos casos de extinção do processo sem apreciação do mérito, julgar desde logo a lide que verse sobre questão exclusivamente de direito e esteja em condições de imediato julgamento. Este é o caso dos autos, que contemplam questão apenas de direito.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 6° que: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição."

Em seu artigo 203, inciso V, fixa os objetivos da assistência social, dentre os quais a garantia à percepção de benefício no valor de um salário mínimo, mensalmente, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, com vistas a, claramente, dar concretude ao princípio da dignidade da pessoa humana. Segue o teor do dispositivo:

"Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei."

No âmbito infraconstitucional, o benefício assistencial está previsto na Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS (Lei n° 8.742/93), assim como no Estatuto do Idoso (Lei n° 10.741/03), tal qual se verifica:

Lei n° 8.742/93 (com as alterações da Lei n° 13.146/15):

"Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 1998)

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Inclído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)"



Lei n° 10.741/03:

Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas. (Vide Decreto nº 6.214, de 2007)

Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.

A concessão do benefício depende do cumprimento dos seguintes requisitos: a) ser pessoa idosa ou pessoa portadora de deficiência; e b) não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

A idade mínima para enquadramento na condição de idoso era de 70 anos, na forma da Lei n° 8.742/93, tendo sido reduzida para 67 anos, a teor da Lei n° 9.720/98. Com a edição da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do Idoso), houve nova redução, desta vez, para 65 anos, parâmetro este também adotado pela Lei n° 8.742/93, na redação dada pela Lei n° 12.435/11.

A condição de pessoa portadora de deficiência está definida no artigo 20, §2° da Lei n° 8.742/93, nos seguintes termos: "Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".

Portanto, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, há que se conjugar o estado de carência de recursos que garantam a subsistência da pessoa idosa e da pessoa portadora de deficiência com a condição de incapacidade de suprir essa carência, seja por parte destas mesmas pessoas, em decorrência das peculiaridades de suas condições individuais ("prover a própria manutenção"), seja por parte de sua família ("tê-la provida por sua família").

Por ocasião do julgamento do RE n° 567.985, o Ministro Marco Aurélio bem pontuou a questão: "(...) o benefício de assistência social tem natureza restrita, não basta a miserabilidade, impõe-se igualmente a demonstração da incapacidade de buscar o remédio para tal situação em decorrência de especiais circunstâncias individuais. Essas pessoas, obviamente, não podem ser colocadas em patamar de igualdade com os demais membros da coletividade. Elas gozam de evidente prioridade na ação do Estado, assentada pelo próprio texto constitucional. O artigo 203 da Carta atribuiu à coletividade a tarefa de amparar o idosos e assegurar-lhes a dignidade. Quanto aos portadores de necessidades especiais, são muitos os dispositivos que incumbem ao Estado e à sociedade deveres de proteção - artigos 7º, inciso XXXI, 23, inciso II, 24, inciso XIV, 37, inciso VIII, 40, § 4º, inciso I, 201, § 1º, 203, incisos IV e V, 208, inciso III, 227, § 1º, inciso II, e § 2º, e 244 da Lei Maior.".

A legislação ordinária define que a família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa é aquela cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

A opção legislativa seguiu no sentido de fixação de um único critério de ordem objetiva para aferir o estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família.

A constitucionalidade do § 3º, artigo 20 da Lei 8742/93 foi questionada na ADI 1.232-1/DF, que, todavia, foi julgada improcedente. Entretanto, a jurisprudência evoluiu no sentido de que tal dispositivo estabelece situação objetiva pela qual se deve presumir pobreza de forma absoluta, mas não impede o exame de situações específicas do caso concreto, a comprovar a condição de miserabilidade do requerente e de sua família. Ou seja, a verificação da renda per capita familiar seria uma das formas de aferição de miserabilidade, mas não a única.

Por ocasião do julgamento do RE n° 580.963/PR e do RE n° 567.985/MT, ambos com repercussão geral, bem como da Petição n° 4.374, ocorrido em 18/04/2013, o E. Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do artigo 20, § 3°, da Lei 8.742/93, ao fundamento de que o critério objetivo de 1/4 da renda per capita não é o único fator a ser considerado para aferição do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família, podendo ser conjugado com outros fatores.

Neste sentido também decidiu o E. Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.112.557/MG, julgado sob o regime dos recursos repetitivos:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido."

(STJ, Terceira Seção, REsp 1112557/MG, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, j. 28/10/2009, DJe 20/11/2009)

O reconhecimento da inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade indica que a norma só é inconstitucional naquilo em que não disciplinou, não tendo sido reconhecido a incidência taxativa e exclusiva de qualquer critério para aferição da hipossuficiência.

Nesse sentido, cabe ao legislador fixar novos parâmetros e redefinir a política pública do benefício assistencial, e suprimir a inconstitucionalidade apontada. É necessário reconhecer que o quadro de pobreza deve ser aferido em função da situação específica de quem pleiteia o benefício, pois, em se tratando de pessoa idosa ou com deficiência é através da própria natureza de seus males, de seu grau e intensidade, que poderão ser mensuradas suas necessidades.

Finalmente, com a edição da Lei n° 13.146/15, o legislador ordinário, acompanhando a linha jurisprudencial, modificou o tratamento jurídico dado à questão, acrescentando o §11 ao art. 20 da Lei n° 8.742/93, nos seguintes termos: "Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.".

Maiores detalhes a respeito da implementação do dispositivo deverão, portanto, ser delineados em regulamento, até agora inexistente.

As questões jurídicas relacionadas ao artigo 20, §3º da Lei n° 8.742/93 não são objeto de discussão no âmbito desta ação. Contudo, as considerações expostas até aqui conferem diretrizes para a compreensão deste provimento jurisdicional no tocante à aplicação do artigo 34, §único da Lei n° 10.741/03, como a seguir se verá.

Prossigo na análise.

A legislação ordinária define que a família incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa é aquela cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, sendo que, no caso de pleito administrativo formulado por idoso com vistas ao benefício assistencial, deve ser excluído do cálculo daquela renda o valor do benefício assistencial já concedido a qualquer outro idoso que seja membro da família.

A conclusão de que a exclusão abrange apenas o valor do benefício assistencial já concedido a qualquer outro idoso que seja membro da família decorre da mera leitura do artigo 34, parágrafo único da Lei n° 10.741/03, de vez que a expressão "nos termos do caput", inserida no parágrafo, refere-se ao benefício assistencial previsto no caput do artigo, a saber, aquele concedido ao idoso. Veja-se que a norma revela sentido unívoco e contemplou essa única situação: pleito administrativo formulado por idoso, em que, no cálculo da renda familiar, deve ser excluído o valor do benefício assistencial já concedido a qualquer outro idoso que seja membro da família.

A princípio, tal restrição é compreensível, dado que a lei, sendo voltada especificamente para a proteção das pessoas idosas, não deve contemplar temas alheios a sua seara. Todavia, isso não impede o legislador ordinário de abranger outras situações em lei nova ou mesmo de introduzir modificações em leis já existentes, a exemplo das Leis n° 7.853/89 e 8.742/93, que dispõem, dentre outros temas, sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e a organização da Assistência Social, respectivamente. Entretanto, não o tendo feito, restaram não contempladas as seguintes situações mencionadas na petição inicial desta ação:

= pleito de benefício assistencial formulado por pessoa idosa, em que seja excluído, no cálculo da renda familiar, o valor do benefício assistencial concedido a pessoa portadora de deficiência que seja membro da família ou do benefício previdenciário concedido a qualquer pessoa que seja membro da família (inclusive, idosos e portadores de deficiência), correspondente a 1 (um) salário mínimo ou, se superior, até o valor de 1 (um) salário mínimo;

= pleito de benefício assistencial formulado por pessoa portadora de deficiência, em que seja excluído, no cálculo da renda familiar, o valor do benefício assistencial concedido a pessoa idosa ou a pessoa portadora de deficiência que seja membro da família, ou o valor do benefício previdenciário concedido a qualquer pessoa que seja membro da família (inclusive, idosos e portadores de deficiência), correspondente a 1 (um) salário mínimo ou, se superior, até o valor de 1 (um) salário mínimo;

Não obstante o bom propósito que certamente animou o legislador ordinário por ocasião da instituição da norma inserta no artigo 34, parágrafo único da Lei n° 10.741/03 em favor do idoso, acabou por promover tratamento diferenciado entre hipóteses fáticas em tudo semelhantes.

A título de breve ilustração, diante de um casal de idosos, cujo marido recebe benefício assistencial, tem-se que o pedido de benefício assistencial formulado pela esposa será deferido. Mas, diante de outro casal de idosos, cujo marido recebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo tem-se que o pedido de benefício assistencial formulado pela esposa será indeferido. Ainda, havendo uma idosa que recebe benefício assistencial e mora com o neto deficiente, o pedido de benefício assistencial deste será deferido. Mas, se a idosa recebe benefício previdenciário no valor de um salário mínimo e mora com o neto deficiente, o pedido de benefício assistencial deste será indeferido.

A norma constitucional, no que se refere ao benefício assistencial, é bastante clara quanto ao reconhecimento da vulnerabilidade da pessoa idosa e da portadora de deficiência que não possam prover seu sustento ou tê-lo provido por sua família. Nela, a idade avançada e a deficiência (associadas a uma situação de precariedade material) foram tratadas como contingências igualmente destinatárias de proteção social, sem a fixação de qualquer critério diferenciador que admitisse a concessão de vantagens a um e a outro, não.

Assim, a regra legal ensejou tratamento diferenciado entre as duas categorias de vulneráveis, sem a correspondente autorização constitucional, à medida que deixou de excluir, do cálculo da renda familiar, o valor recebido por pessoa portadora de deficiência quando o benefício assistencial é requerido por idoso, bem como de excluir o valor do benefício assistencial e do previdenciário recebidos por pessoa idosa ou portadora de deficiência (pagos no valor de um salário-mínimo) do cômputo da renda familiar de uma pessoa portadora de deficiência que postula o benefício assistencial.

Com isso, criou-se uma realidade que se distancia da aplicação da melhor justiça possível para situações que se assemelham.

Há identidade entre a situação das pessoas idosas e das pessoas portadoras de deficiência que recebem benefícios assistenciais - sempre pagos o valor de um salário mínimo - e a das pessoas idosas e das pessoas portadoras de deficiência que recebem benefícios previdenciários no valor de um salário mínimo, à medida que, em todos esses casos, há em comum o fator idade acima de certo limite ou deficiência e o recebimento de verba de caráter alimentar em patamar mínimo. A diferença básica entre essas espécies de benefícios é que um depende de contribuição à Seguridade Social e o outro não, mas a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência e os valores são os mesmos, seja qual for a natureza do benefício recebido.

Já os benefícios previdenciários pagos às pessoas idosas ou às portadoras de deficiência em valor superior a um salário mínimo não se ajustam à lógica da regra legal, a qual não previu nem fez alusão a tal parâmetro, mas se reportou, clara e unicamente, àqueles que recebem benefício com renda mensal de um salário-mínimo.

Logo, não faz sentido excluir do cálculo da renda familiar o valor de um benefício assistencial (sempre de um salário mínimo) recebido por outro membro da família que seja pessoa idosa ou portadora de deficiência, e deixar de excluir o benefício previdenciário de renda mínima, percebido por outro membro da família que seja pessoa idosa ou portadora de deficiência - a qual, aliás, contribuiu para os cofres da Previdência Social.

No mais, considerando que o escopo da norma consiste em amparar as pessoas idosas e as portadoras de deficiência, tem-se que a finalidade protetiva da norma legal não alcança as pessoas que não são idosas ou portadoras de deficiência. Extrai-se que, para a lei, não há similitude entre a situação destas e daquelas. Assim, não há espaço para aplicação analógica no que toca à exclusão do cálculo da renda familiar dos benefícios previdenciários recebidos, em qualquer valor, por pessoas que não são idosas ou portadoras de deficiência.

Nesse sentido, transcrevo trecho do acórdão proferido pelo E. Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos da AC n° 2005.72.05.001947-1, o qual procedeu a uma análise semelhante, mas sob a ótica da interpretação extensiva:

"O que se está a fazer é uma interpretação extensiva do disposto no artigo 34 e parágrafo único da Lei 10.741/2003, cumprindo ao Poder Judiciário aplicá-la, ou não, tendo em conta os fundamentos e princípios estabelecidos na Carta Magna, perante os quais atos normativos do INSS não podem se opor. Não colhe o argumento de que haveria, neste proceder, ofensa aos princípios da reserva legal, à separação dos poderes e ao princípio democrático de direito, pois não se está a ampliar os limites objetivos e subjetivos da norma legal ou a legislar positivamente, mas simplesmente interpretar as normas, nos termos da Constituição Federal. Igualmente, não se cogita de violação ao princípio da precedência de fonte de custeio, tendo em vista que o benefício em comento independe de contribuição à seguridade social (artigo 203, inciso V, da CF/88) e será financiado, nos termos do artigo 195 da CF/88, por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos dos entes públicos e de contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada, do trabalhador e demais segurados da previdência social e da receita do concurso de prognósticos.

Contudo, há que se restringir os benefícios alcançados pela regra objeto de interpretação. Com efeito, a extensão do disposto no parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso à situação do idoso que postula benefício assistencial e tem familiar deficiente que recebe benefício assistencial ou familiar idoso que recebe benefício previdenciário mínimo, e bem assim do deficiente que postula benefício assistencial nas mesmas hipóteses, decorre de mera interpretação extensiva da norma.

A desconsideração, para fins de apuração da renda familiar per capita, de benefício auferido por pessoa que não é deficiente, ou que tem menos de 65 anos de idade, todavia, extrapola o campo da interpretação pura e simples, adentrando no espaço reservado à criação de norma positiva, o que é vedado, como regra, ao Judiciário (como também extrapolaria, por exemplo, a desconsideração de parcela de benefício superior ao mínimo recebido por familiar, ou, ainda, de renda não decorrente de benefício previdenciário ou assistencial). O parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 só pode ser aplicado a benefícios mínimos recebidos por idosos ou deficientes."

A Renda Mensal Vitalícia, disciplinada pela Lei n° 6.179/74 e pela Lei n° 8.213/91, tratada como "amparo previdenciário", integrante do rol de benefícios da Previdência Social, consiste em um benefício previdenciário pago aos maiores de 70 (setenta) anos de idade e aos inválidos que cumpriram determinados requisitos. Confiram-se os dispositivos legais pertinentes:

Lei n° 6.179/74

"Art 1º Os maiores de 70 (setenta) anos de idade e os inválidos, definitivamente incapacitados para o trabalho, que, num ou noutro caso, não exerçam atividade remunerada, não aufiram rendimento, sob qualquer forma, superior ao valor da renda mensal fixada no artigo 2º, não sejam mantidos por pessoa de quem dependam obrigatoriamente e não tenham outro meio de prover ao próprio sustento, passam a ser amparados pela Previdência Social, urbana ou rural, conforme o caso, desde que:

I - Tenham sido filiados ao regime do INPS, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não, vindo a perder a qualidade de segurado; ou

II - Tenham exercido atividade remunerada atualmente incluída no regime do INPS ou do FUNRURAL, mesmo sem filiação à Previdência Social, no mínimo por 5 (cinco) anos, consecutivos ou não; ou ainda

III - Tenham ingressado no regime do INPS após completar 60 (sessenta) anos de idade sem direito aos benefícios regulamentares."


Lei n° 8.213/91

Art. 139. A Renda Mensal Vitalícia continuará integrando o elenco de benefícios da Previdência Social, até que seja regulamentado o inciso V do art. 203 da Constituição Federal. (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 1º. A Renda Mensal Vitalícia será devida ao maior de 70 (setenta) anos de idade ou inválido que não exercer atividade remunerada, não auferir qualquer rendimento superior ao valor da sua renda mensal, não for mantido por pessoa de quem depende obrigatoriamente e não tiver outro meio de prover o próprio sustento, desde que: (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

I - tenha sido filiado à Previdência Social, em qualquer época, no mínimo por 12 (doze) meses, consecutivos ou não; (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

II - tenha exercido atividade remunerada atualmente abrangida pelo Regime Geral de Previdência Social, embora sem filiação a este ou à antiga Previdência Social Urbana ou Rural, no mínimo por 5(cinco) anos, consecutivos ou não; ou (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

III - se tenha filiado à antiga Previdência Social Urbana após completar 60 (sessenta) anos de idade, sem direito aos benefícios regulamentares. (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 2º O valor da Renda Mensal Vitalícia, inclusive para as concedidas antes da entrada em vigor desta lei, será de 1 (um) salário mínimo. (Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 3º A Renda Mensal Vitalícia será devida a contar da apresentação do requerimento.(Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

§ 4º A Renda Mensal Vitalícia não pode ser acumulada com qualquer espécie de benefício do Regime Geral de Previdência Social, ou da antiga Previdência Social Urbana ou Rural, ou de outro regime.(Revogado pela Lei nº 9.528, de 1997)

A renda mensal vitalícia foi extinta a partir de 01/01/96 pelo Decreto n° 1.744/95, que regulamentou a Lei n° 8.742/93, tendo sido substituído pelo benefício assistencial de prestação continuada. Atualmente, encontra-se em processo de extinção, sendo mantido apenas para aqueles que já eram beneficiários até 31/12/95.

Com isso, dada a sua natureza previdenciária, segue o mesmo raciocínio delineado nesta decisão, devendo ser excluído do cálculo da renda familiar, desde que seus titulares sejam pessoas idosas com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais, ou portadoras de deficiência, nos termos da legislação vigente, e desde que pagos no valor de um salário mínimo.

As exclusões de benefícios do cálculo da renda familiar ora admitidas não exigem a sua renúncia pelo titular.

Diante de todo o exposto, a situação fática das pessoas idosas e das portadoras de deficiência que postulam o benefício assistencial, bem como daquelas que recebem benefício assistencial e das que percebem o previdenciário (no valor de um salário mínimo) se assemelham, de sorte que a identificação de situações não contempladas pelo texto legal, que com ele se harmonizam, resulta em ofensa ao tratamento isonômico e ao princípio da dignidade da pessoa humana contemplados pela norma constitucional.

De conseguinte, conduz à construção de uma solução sob a ótica da equidade e da analogia, a serem utilizadas pelo julgador como diretrizes para a aplicação da norma jurídica, garantindo-lhe a mais plena eficácia - no sentido de alcançar os casos que a ela se afinam por analogia - e a fim de que se posicione o mais próximo possível do humano, do digno e do justo para todas as partes, permitindo alcançar a solução jurídica que se revele a mais adequada.

O tema em discussão é de trânsito frequente em nossos tribunais, tendo ensejado o manejo de diversas ações coletivas em todo o território nacional, tal qual se infere das informações lançadas no início desta decisão (item "LITISPENDÊNCIA/CONTINÊNCIA").

No julgamento do RE n° 580.963, com tema de repercussão geral, o E. Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e declarou, incidenter tantum, a omissão parcial inconstitucional, sem pronúncia de nulidade, do parágrafo único do artigo 34 da Lei n° 10.741/03 (Estatuto do idoso), não tendo sido alcançado o quórum de 2/3 para modulação dos efeitos da decisão para que a norma tivesse validade até 31/12/2015. A Corte Suprema contemplou a garantia quanto à não discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo, conforme ementa que segue:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que: "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela Lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a Lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. A inconstitucionalidade por omissão parcial do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. O Estatuto do Idoso dispõe, no art. 34, parágrafo único, que o benefício assistencial já concedido a qualquer membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS. Não exclusão dos benefícios assistenciais recebidos por deficientes e de previdenciários, no valor de até um salário mínimo, percebido por idosos. Inexistência de justificativa plausível para discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos, bem como dos idosos beneficiários da assistência social em relação aos idosos titulares de benefícios previdenciários no valor de até um salário mínimo. Omissão parcial inconstitucional.

5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003.

6. Recurso extraordinário a que se nega provimento."

(RE 580963, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 18/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-225 DIVULG 13-11-2013 PUBLIC 14-11-2013)

A Corte Suprema reiterou o aludido posicionamento, ao negar seguimento ao RE n° 858.660, de relatoria do Min. Celso de Mello, julgado em 02/02/2015. Confira-se:

"O Plenário do Supremo Tribunal Federal, após reconhecer a existência de repercussão geral da questão constitucional igualmente versada na presente causa, julgou o RE 580.963/PR, Rel. Min. GILMAR MENDES, nele proferindo decisão consubstanciada em acórdão assim ementado:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. (...) 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003. 6. Recurso extraordinário a que se nega provimento."

Cabe registrar, por necessário, que essa orientação plenária vem sendo observada em decisões, que, proferidas no âmbito desta Corte, versaram questão essencialmente idêntica à que ora se examina nesta sede recursal (ARE 772.334/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - ARE 799.184/SP, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI - RE 782.772/SP, Rel. Min. ROBERTO BARROSO - RE 784.063/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, v.g.).

(...)

O exame da presente causa evidencia que o acórdão ora impugnado ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte firmou nas matérias em referência.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, conheço do presente agravo, para negar seguimento ao recurso extraordinário, por manifestamente inadmissível (CPC, art. 544, § 4º, II, "b", na redação dada pela Lei nº 12.322/2010).

Publique-se."

(ARE 858660, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 02/02/2015, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-030 DIVULG 12/02/2015 PUBLIC 13/02/2015) - destaquei

A Primeira Seção do C. Superior Tribunal de Justiça julgou o REsp 1.355.052, sob o regime dos recursos repetitivos, fixando a tese de que o benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não deve ser considerado na aferição da renda per capita, para fins de concessão de benefício assistencial requerido por pessoa portadora de deficiência:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.

1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.

2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93.

3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008."

(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015) - destaquei

A 3ª Seção desta Corte Regional manifestou-se acerca da possibilidade de exclusão de benefício previdenciário concedido a pessoa idosa do cálculo da renda mensal familiar:

"AGRAVO LEGAL EM EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA IDOSA. PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. AGRAVO IMPROVIDO

(...)

2 - A renda familiar da autora era proveniente da aposentadoria por idade, no valor aproximado de R$ 1.000,00, recebida por seu marido, sendo que o seu filho encontrava-se desempregado. Neste ponto, cumpre observar que, tratando-se de pessoa idosa, a aposentadoria por idade recebida pelo marido da autora não poderia ser considerada no cálculo da renda familiar, por aplicação analógica do parágrafo único do artigo 34 da Lei nº 10.741/2003.

3 - Da análise do sistema CNIS/DATAPREV, verifica-se que o filho da autora possui apenas pequenos vínculos de trabalho, na maioria inferior a 03 meses, sendo que na maior parte do tempo esteve desempregado. Desse modo, mesmo incluindo a aposentadoria do marido da autora, a renda familiar per capita corresponde a pouco mais de R$ 300,00, ou seja, inferior a meio salário mínimo.

4 - Restou demonstrada, quantum satis, no caso em comento, situação de miserabilidade, prevista no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, a ensejar a concessão do benefício assistencial.

5 - Agravo improvido."

(TRF 3ª Região, TERCEIRA SEÇÃO, EI 0007261-71.2012.4.03.6112, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL TORU YAMAMOTO, julgado em 22/10/2015, v.u., e-DJF3 Judicial 1 DATA:05/11/2015)

Por fim, transcrevo acórdão desta Sétima Turma:

"ASSISTENCIAL E CONSTITUCIONAL. AGRAVO LEGAL. ART. 557, § 1º, DO CPC. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. ART. 203, V, DA CF. RENDA FAMILIAR PER CAPITA. ART. 20, §3º, DA LEI N.º 8.742/93. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 34 DA LEI Nº 10.741/2003. REQUISITOS LEGAIS PREENCHIDOS.

1. Para a concessão do benefício de assistência social (LOAS) faz-se necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) ser pessoa portadora de deficiência ou idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais (art. 34 do Estatuto do Idoso - Lei n.º 10.741 de 01.10.2003); 2) não possuir meios de subsistência próprios ou de tê-la provida por sua família, cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (art. 203, V, da CF; art. 20, § 3º, e art. 38 da Lei n.º 8.742 de 07.12.1993).

2. Preenchidos os requisitos legais ensejadores à concessão do benefício a partir de quando cessado o mandato eletivo de seu genitor, em 01/01/2013.

3. O C. Supremo Tribunal Federal já decidiu não haver violação ao inciso V do art. 203 da Magna Carta ou à decisão proferida na ADIN nº 1.232-1-DF, a aplicação aos casos concretos do disposto supervenientemente pelo Estatuto do Idoso (art. 34, parágrafo único, da Lei n.º 10.741/2003).

4. Por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, não somente os valores referentes ao benefício assistencial ao idoso devem ser descontados do cálculo da renda familiar, mas também aqueles referentes ao amparo social ao deficiente e os decorrentes de aposentadoria no importe de um salário mínimo.

5. Agravo Legal a que se nega provimento."

(TRF 3ª Região, SÉTIMA TURMA, AC 0025425-34.2010.4.03.9999, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FAUSTO DE SANCTIS, julgado em 12/01/2015, e-DJF3 Judicial 1 DATA:16/01/2015)

Nesse contexto, tem-se a deficiência legislativa que deixou de contemplar situações que, frente às normas constitucionais, são também merecedoras de previsão legal expressa, o que torna inafastável a integração analógica levada a efeito no âmbito da atuação jurisdicional.

Veja-se que não houve equívoco por parte do INSS quanto à interpretação e aplicação da lei, mas, reitere-se, uma deficiência legislativa que deve ser suprimida pelo Poder Legislativo ou Poder Judiciário. Via de consequência, as instruções normativas que se limitam a reproduzir o teor da norma legal ou a traçar regras procedimentais em conformidade com ela não padecem propriamente de ilegalidade. O que se tem, repise-se, é a necessidade de aplicação analógica da norma legal por determinação judicial e de eventual ajuste dos atos infralegais à coisa julgada desta ação.

Importante frisar que a determinação para que o INSS proceda às exclusões ora definidas não implicará, necessariamente, na concessão do benefício assistencial. Tal qual esclarecido no início da fundamentação, a renda familiar de 1/4 do salário mínimo per capita não é o único critério a ser observado para aferição do estado de miserabilidade (o que será objeto de regulamentação), de modo que a autarquia pode proceder à exclusão de certas verbas do cálculo da renda familiar, mas indeferir o pedido, caso identifique outros fatores capazes de levar à conclusão de que o requerente tem condições de prover sua subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Por derradeiro, não acolho o pleito de revisão dos requerimentos administrativos indeferidos pelo INSS e que foram protocolados a partir da vigência da Lei n° 10.741/03, ocorrida em 03/01/04.

O benefício de prestação continuada (LOAS) pode ser requerido e reiterado a qualquer tempo pelo interessado, inclusive porque, comumente, ocorre mudança da situação fático-jurídica, com o transcurso do tempo.

Com isso, eventual revisão de um benefício que tenha sido indeferido na via administrativa sem a observância das diretrizes fixadas nesta ação dificilmente levará em conta os exatos fatos vigentes à época do seu protocolo e da respectiva negativa, sendo reduzida a possibilidade de se lograr a perfeita recomposição da situação fático-jurídica pretérita e a avaliação precisa sobre a existência, naquela época, do direito invocado. Inevitavelmente, na maioria dos casos - senão em todos - a revisão envolveria a análise da situação fático-jurídica já modificada, considerando-se o momento atual, o que equivaleria à apreciação própria de um novo pedido administrativo. Vale ressaltar que, se a revisão levar em conta fatos recentes e resultar no reconhecimento do direito à percepção do benefício, a concessão com data de início equivalente à do protocolo do pedido seria indevida. Além disso, eventual revisão a ser efetivada sob os novos parâmetros de análise definidos nesta decisão não implicará, necessariamente, na concessão dos benefícios indeferidos há tantos anos.

Em outra perspectiva, o INSS aplicou a lei nos exatos termos nela expressos, eis que não possui autorização legal para aplicá-la utilizando-se da analogia, de modo a alcançar hipóteses outras nela não previstas expressamente. Vale ressaltar que, embora ciente da pretensão veiculada nesta ação por ocasião da citação, também não poderia, desde então, aplicar a lei por analogia, até porque a antecipação de tutela deferida em parte foi suspensa por decisão desta Corte Regional.

Por todos esses motivos, inviável impor ao INSS o ônus da revisão administrativa de benefícios protocolados desde a vigência da lei.

EFICÁCIA TERRITORIAL DO PROVIMENTO JURISDICIONAL

A pretensão deduzida pelo Ministério Público Federal e, por consequência, a eficácia desta decisão restringem-se ao âmbito territorial da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, de acordo com o disposto no artigo 16 da Lei n° 7.347/85, com a redação dada pela Lei n° 9.494/97, não tendo sido suscitada nos autos qualquer discussão a respeito da inconstitucionalidade do dispositivo.


ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA

Fixo sucumbência recíproca, nos termos do caput do artigo 21 do Código de Processo Civil.

Aplica-se ao Ministério Público Fededral norma do artigo 4°, inciso III, da Lei 9.289/96, que estabelece que o órgão ministerial é isento do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal.

Aplica-se ao INSS a norma do artigo 4°, inciso I, da Lei 9.289/96, que estabelece que as autarquias federais são isentas do pagamento de custas processuais nos processos em trâmite perante a Justiça Federal. Entretanto, consoante disposto no parágrafo único do mencionado artigo 4°, compete-lhe o reembolso dos valores eventualmente recolhidos a esse título pela parte vencedora.


Diante do exposto, DOU PROVIMENTO à remessa oficial, tida por ocorrida, e à apelação interposta pela parte autora para reformar a r. sentença, reconhecendo a adequação da via processual eleita, e, com fundamento no artigo 515, §3° do Código de Processo Civil, aprecio o mérito da ação e JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido deduzido na petição inicial, condenando o INSS, para fins de concessão do benefício assistencial (LOAS) a pessoas idosas e portadoras de deficiência, a abster-se de incluir no cálculo da renda per capita familiar qualquer benefício de valor mínimo (um salário mínimo) - de natureza assistencial ou previdenciária - pago a integrante do grupo familiar que seja pessoa idosa ou portadora de deficiência, independentemente de renúncia de benefícios.

A eficácia da coisa julgada alcança o âmbito territorial da Subseção Judiciária de São Carlos/SP, conforme requerido na inicial.

Intimem-se. Decorrido o prazo legal, baixem os autos à vara de origem.


PAULO DOMINGUES
Desembargador Federal


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